“Em nenhum outro lugar do mundo existia o congelamento do orçamento na Constituição, nenhum aumento de despesa poderia se dar além da inflação, exceto as despesas financeiras, pagamento de banco fora da restrição”, comentou a líder do PCdoB sobre o Teto de Gastos adotado em 2016 com Michel Temer
“Não é o marco fiscal que queríamos, não é o marco original do governo, mas foi o possível para que o governo Lula neste momento alcançasse essa vitória, superando a Emenda 95, para que possamos avançar e alcançar novas condições econômicas e políticas e chegar a um novo momento”.
A afirmação é da deputada Jandira Feghali, líder do PCdoB na Câmara dos Deputados, em entrevista exclusiva ao HP.
Ela fez uma ampla análise do projeto intitulado como “arcabouço fiscal”, de iniciativa do governo, e de sua tramitação até a aprovação pelos deputados. Atualmente, a matéria está sendo apreciada pelo Senado Federal.
Jandira lembrou que, ainda em 2016, quando Temer chegou ao poder, “fez questão de aprovar a famigerada Emenda Constitucional 95”. Segundo ela, ali, havia uma “inovação planetária, pois em nenhum outro lugar do mundo existia o congelamento do orçamento na Constituição, nenhum aumento de despesa poderia se dar além da inflação, exceto as despesas financeiras, pagamento de banco fora da restrição. Veja que maravilha, para os bancos tudo, para a dívida pública tudo, para os rentistas tudo, e congeladas e controladas as despesas com as políticas públicas, as despesas de custeio e de investimento, aquelas que geram emprego e renda no Brasil”, sentenciou.
A líder lembrou, ainda, que utilizam como “eufemismo” o argumento de que o marco fiscal possibilita a redução dos juros. “Se esse é um argumento (…), que façam, pois o que queremos é que os juros sejam rebaixados, mas não vejo relação direta entre uma coisa e outra, e espero sinceramente que consigamos abaixar os juros no Brasil, pois hoje é o principal obstáculo a uma política de crescimento econômico”.
Nesse ponto, Jandira denunciou o rentismo praticado pelo Banco Central e seu presidente, Campos Neto: “não tem nenhuma razão técnica para os juros estarem nesse nível (13,75%). Essa é uma decisão política do Banco Central. Economia não é uma discussão técnica, puramente. É uma discussão de economia política e essa decisão de manter os juros nesse patamar é uma decisão política, sempre foi, é uma decisão do sistema financeiro que essa turma que está hoje no BC representa. Então, já não há nenhuma razão para os juros estarem no nível que limita crédito, limita investimento, limita o desenvolvimento do país”.
Vamos à integra da entrevista com a líder do PCdoB.
MAC
HP – Como o PCdoB posicionou-se na votação do projeto do marco fiscal na Câmara dos Deputados?
JF – O PCdoB se posicionou a favor do marco fiscal na medida em que o grande avanço foi derrubar o teto constitucional de gastos, ou seja, a Emenda 95, que estabelecia um limite para o custeio das políticas públicas e para investimento, limitada à inflação. A única despesa não limitada era a despesa financeira de pagamento da dívida e o aumento de lucro dos rentistas. Essa era a principal vitória de aprovar o marco fiscal, que era condição para a derrubada do teto de gastos.
“O PCdoB se posicionou a favor do marco fiscal na medida em que o grande avanço foi derrubar o teto constitucional de gastos, ou seja, a Emenda 95, que estabelecia um limite para o custeio das políticas públicas e para investimento, limitada à inflação”
Vamos nos lembrar de 2016, quando Michel Temer chegou ao governo, ele fez aprovar a famigerada Emenda Constitucional 95. Ali teve uma inovação planetária, pois não havia em nenhum outro lugar do mundo o congelamento do orçamento na Constituição, e nenhum aumento de despesa poderia se dar além da inflação, exceto as despesas financeiras, pagamento de banco fora de restrição. Veja que maravilha: para os bancos tudo, para a dívida pública tudo, para os rentistas tudo, e a política congelada, controlada era a despesa de políticas públicas, as despesas de custeio e de investimento, aquelas que geram emprego e renda no Brasil.
HP – No que o texto aprovado na Câmara dos Deputados representa de avanço em relação à Emenda 95?
JF – Com a PEC da Transição que foi aprovada em dezembro, depois da eleição de Lula, ainda em 2022, conseguimos derrubar o teto constitucional com uma condição: teríamos que aprovar uma regra fiscal no 1º semestre de 2023, sem a qual prevaleceria a Emenda 95.
Além disso, mudava um conceito: na medida em que arrecada, aumenta a despesa e colocava um piso mínimo de investimento de 0,6% do PIB, que é um aumento em relação ao gasto anterior com investimento. Superada a meta do superávit, 70% pelo menos iria para investimento, principalmente para conclusão das obras inacabadas e projetos habitacionais.
E o piso constitucional da saúde e da educação desapareceram com a Emenda Constitucional 95, aquele piso constitucional conquistado a duras penas pelos movimentos sociais e pelo Parlamento brasileiro à época das grandes mobilizações. Isso que nós tínhamos até aqui.
Por isso, votamos à favor do marco fiscal, até porque é um projeto do governo Lula. Era o seu primeiro teste de fogo e nós não poderíamos derrotar o governo Lula em um momento político como esse.
HP – Que outros aspectos a líder destacaria na proposta aprovada pela Câmara?
JF – Foi possível salvar a política real de aumento do salário mínimo todos os anos e também as despesas obrigatórias como Bolsa-Família, Ciência e Tecnologia, pisos que têm leis próprias, nada disso fica contingenciado, aumenta pelo menos com a inflação. Então, essas ressalvas todas – o próprio Fundeb também não sofre contingenciamento, tudo isso nos deu alguma tranquilidade em relação a esses gastos. A educação não sofre cortes, pois tem piso constitucional e o Fundeb também é um fundo constitucional. Isso é importante informar, pois foi uma vitória de todos que lutam pela educação, dos movimentos sociais. Mesmo as despesas discricionárias e os investimentos não poderão sofrer contingenciamento maior que 25%.
“Foi possível salvar a política real de aumento do salário mínimo todos os anos e também as despesas obrigatórias como Bolsa-Família, Ciência e Tecnologia, pisos que têm leis próprias, nada disso fica contingenciado, aumenta pelo menos com a inflação”
Não é o marco fiscal que queríamos, não é o marco original do governo, mas foi o possível para que o governo Lula neste momento alcançasse essa vitória, superando a Emenda 95, para que possamos avançar e alcançar novas condições econômicas e políticas e chegar a um novo momento. Muitas coisas podem ser mudadas por lei complementar ou lei ordinária, inclusive a meta do superávit, para que possamos alcançar outra fase no país.
HP – Quais os pontos mais críticos da proposta final que foi aprovada pelos deputados e em que condições essa aprovação ocorreu?
JF – Os pontos mais críticos do projeto se colocavam naquilo que foi agregado pela correlação de forças, principalmente agregado pela correlação de forças da Câmara dos Deputados, que é muito difícil, tanto para o governo como para nós, da esquerda, que temos no máximo 130 votos.
Obviamente que esse campo de direita e de centro-direita, e mesmo da extrema-direita que aqui ainda existe, colocou no projeto limites nas despesas, para além da banda de despesas que já veio no projeto original que já tinha limites, de 0,6% a 2,5% dos 70% globais que já vieram limitando a despesa em relação à arrecadação, colocaram ainda mais limites em relação ao superávit e, também, sanções ao não atingir a meta, sanções fiscalistas em relação à ação do governo e aos gastos do governo.
“Esses juros de 13,75% não têm nenhuma razão técnica para estar nesse nível. Essa é uma decisão política do BC”
Então, obviamente, que, quanto a isso, esses pontos críticos, não concordávamos e tentamos retirar e não conseguimos.
HP – E, agora, qual a expectativa em relação à votação no Senado Federal?
JF – A nossa expectativa em relação à votação no Senado é positiva. Penso que a mesma negociação que foi feita aqui será feita no Senado e será aprovado o marco fiscal, preservando esses avanços que destaquei em relação à lei do Teto de Gastos e melhorando o texto que foi aprovado aqui na Câmara.
HP – Qual a sua opinião sobre o argumento de que o marco fiscal contribuirá com a redução da atual taxa de juros praticada pelo Banco Central?
JF – Essa votação do marco fiscal não tem relação com os juros diretamente, até porque esses juros de 13,75% não têm nenhuma razão técnica para estar nesse nível. Essa é uma decisão política do BC. Economia não é uma discussão técnica, puramente. É uma discussão de economia política e essa decisão de manter os juros nesse patamar é uma decisão política, sempre foi, é uma decisão do sistema financeiro que essa turma que está hoje no BC representa. Então, já não há nenhuma razão para os juros estarem no nível que limita crédito, limita investimento, limita o desenvolvimento do país.
“Espero sinceramente que consigamos abaixar os juros no Brasil, pois hoje é o principal obstáculo a uma política de crescimento econômico do país”
Mas o argumento que vai se usando é que ao ter uma regra fiscal possibilita a redução dos juros. Se esse é um argumento que possibilite a redução dos juros, que façam, pois o que queremos é que os juros sejam rebaixados, mas não vejo relação direta entre uma coisa e outra, a não ser o eufemismo do argumento.
Mas eu espero sinceramente que consigamos abaixar os juros no Brasil, pois hoje é o principal obstáculo a uma política de crescimento econômico do país.
Quero dizer que na política é preciso ter lado e esse lado que nos fez votar o marco fiscal é o lado do governo Lula, que não pode fracassar nessas pautas centrais, pois precisamos fazer com que o país avance e o governo Lula tenha êxito.