“O presidente Lula tem um apreço pela percepção da importância estratégica de dotar a Força de um submarino com propulsão nuclear”, disse o almirante Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha
O comandante da Marinha, almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen, defendeu, nesta sexta-feira (9) em entrevista ao jornal Valor Econômico, o fortalecimento dos projetos estratégicos das Forças Armadas, particularmente do programa do submarino nuclear brasileiro.
“Na Marinha, todos os programas estratégicos passam pela construção naval. É preciso que ela seja retomada. O presidente Lula tem um apreço – não por ter tomado a iniciativa de uma parceria estratégica Brasil-França em 2008, mas pela percepção político-estratégica – de dotar a Força de um submarino com propulsão nuclear”, disse o almirante.
O almirante Olsen defendeu que o Fundo Naval e o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo fiquem fora das limitações impostas pelo novo arcabouço fiscal. “Sobre o arcabouço, eu busquei uma interlocução com o relator [deputado Claudio Cajado], que me recebeu, me ouviu, mas o governo é um conjunto de medidas… Há outras iniciativas, como a criação de um fundo privado, mas não é uma agenda fácil de lidar”, afirmou o comandante.
“O governo vinha refém de um teto de gastos que foi importante em 2016 para atrair investimentos, mas precisava ser revisto. A política fiscal de 2016 passou a valer considerando o ano orçamentário de 2017 e, com a correção pelo IPCA, a Força Naval teve perda da ordem de 72% [desde que o teto entrou em vigor]”, observou o militar.
“Hoje os fundos orçam R$ 4 bilhões, e a expectativa é que até 2026 isso chegasse a R$ 7,2 bilhões. Se eu integro à Força um novo equipamento, não é só o custo da obtenção. Tem o custo da operação e manutenção desse meio. E o próprio custo de desfazimento. Hoje você não pode simplesmente largar um navio ao fim do seu ciclo operacional, precisa dar destinação verde, sustentável, ao casco”, acrescentou Olsen.
O militar discutiu a questão do conteúdo nacional nos projetos da Marinha. “Existe quem defenda o maior percentual de conteúdo, existe quem entenda que essa exigência encarece o projeto. No curto prazo, isso é verdade. No longo prazo se justificaria, mas não pode ser de 70%. Vejo com alguma razoabilidade algo em torno de 30% de exigência, e aumento gradual”, defendeu.
Olsen falou ainda do sistema de gerenciamento da Amazônia Azul. “É uma rede de sensores que cobre esse espaço marítimo. É um programa oneroso, como normalmente é um programa de defesa: é plurianual, exige previsibilidade orçamentária. Daí a nossa preocupação, e a discussão junto ao Ministério da Defesa, de vincularmos o orçamento da Força ao Produto Interno Bruto (PIB) para asseguramos alguma previsibilidade que possa sustentar as cláusulas contratuais dos diversos programas”, argumentou o almirante.
Sobre as discussões com a França, o almirante detalhou os objetivos do Brasil. “O que buscamos, e o presidente Lula tem se empenhado nessa interlocução com o presidente [Emmanuel] Macron, é ampliar a parceria estratégica permitindo acesso à base industrial de defesa francesa”, disse ele. “Tratei da ida do presidente à França, que ele fizesse uma provocação ao presidente Macron para relançarmos a parceria estratégica no programa nuclear”, acrescentou Olsen.
“É delicado tratarmos de um submarino de propulsão nuclear. Não se pretende transferência de tecnologia, nosso projeto é brasileiro, é da Marinha, mas precisamos ampliar a parceria para termos acesso à base industrial francesa, e eventuais contrapartidas que o Brasil possa oferecer”, explicou.
“A França é intensiva no uso da energia nuclear, mas tem dificuldades no acesso ao urânio, que o Brasil tem de sobra. Tem que ser algo interessante para a França. Não é uma questão financeira, é de contrapartida”, prosseguiu o comandante. “O Brasil é vocacionado para o desenvolvimento e aplicação da tecnologia nuclear porque possui reservas de urânio, detém a capacidade de enriquecimento do urânio, e o projeto de construção de reatores nucleares de pequeno porte”, prosseguiu.
“Tem que se criar um ambiente denso de uso da tecnologia nuclear em que o submarino se insere. A tecnologia nuclear tem aplicação na medicina, em alimentos, na segurança hídrica, além da distribuição de energia”, disse o almirante. “Outro projeto é o reator multipropósito (RMB), que está a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ele propiciaria a produção de radioisótopos para a fabricação de radiofármacos, e o Sistema Único de Saúde [SUS] teria uma condição ampliada de diagnóstico para o tratamento de câncer”, apontou.
“Temos países que abdicaram da energia nuclear, e o de maior expressão é a Alemanha. Mas ela se tornou refém da França, que detém 70% da produção de energia nuclear. Renunciar a benefícios eu acho pouco razoável. O que temos de prover são planos de contingência que garantam e reduzam riscos da operação”, completou o comandante da Marinha.