A Polícia Federal (PF) indiciou novamente Rubens Villar, conhecido como “Colômbia”, como mandante da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. O duplo assassinato aconteceu no Vale do Javari, no Amazonas, há um ano, em 5 de junho de 2022.
O suspeito já havia sido apontado como mandante dos crimes em janeiro, mas a PF aguardou mais quatro meses para reunir provas para o indiciamento de assassinato e ocultação de cadáver. Inicialmente Colômbia havia sido indiciado por uso de documento falso. Ele também é investigado por pesca ilegal e tráfico de drogas.
Outro indiciado pela polícia é o pescador Jânio Freitas de Souza, que foi uma das últimas pessoas com quem Bruno e Dom conversaram no dia dos brutais assassinatos e para quem Colômbia” ligou reiteradas vezes.
Por meio da quebra de sigilo telefônico, a PF identificou que entre 1º de junho de 2021 e 6 de junho de 2022, um dia após a morte de Bruno e de Dom, “Colômbia” e Jânio trocaram nada menos do que 419 ligações. Por mais de uma ocasião, Jânio assegurou à polícia que conhecia “Colômbia” apenas de vista.
Segundo a PF, Villar estaria no comando de uma organização criminosa transnacional que praticava a pesca ilegal na região da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, fronteira com Peru e Colômbia. Ainda de acordo com as investigações, Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, já preso, Jânio Freitas e Amarildo também fariam parte da quadrilha.
O despacho assinado pelo Delegado da Polícia Federal, Francisco Vicente Badenes Júnior, descreve “Colômbia” como um comerciante de pescados e carne de caça no Peru e na Colômbia. Segundo a PF, o comerciante estaria no comando da organização criminosa e Amarildo era o seu “braço direito” na hierarquia do grupo, seguido de Souza, apontado como líder na comunidade São Rafael, localizada no rio Itacoaí, na divisa com a terra indígena.
Foi nesse percurso entre essas duas comunidades que Bruno e Dom sofreram uma emboscada e depois foram assassinados.
“Pelado” e Jefferson da Silva, o “Pelado da Dinha”, são réus confessos. Eles admitiram às autoridades policiais que mataram, esquartejaram e queimaram os corpos de Bruno e Dom, escondendo os restos mortais na floresta que margeia o rio Itacoaí. Também foi preso um terceiro suspeito, Oseney da Costa Oliveira, irmão de “Pelado” e conhecido como “Dos Santos”. Ele nega a participação nos crimes.
O despacho de indiciamento aponta que “Pelado” e Jânio se organizaram de forma estruturada com o objetivo de praticar a caça e pesca ilegais, e agiam de forma violenta, inclusive com o uso de armas, para praticar crimes ambientais e fazer contrabando dos produtos para Colômbia e Peru.
Em dezembro do ano passado, a PF chegou a prendê-lo novamente, mas não por causa dos assassinatos. Em janeiro, a PF já havia indicado que “Colômbia” havia mandado assassinar Bruno e Dom. Desde o início das investigações, lideranças indígenas da Terra Indígena Vale do Javari já o apontavam como um dos mandantes.
“Nós temos, comprovadamente, ele [‘Colômbia’] fornecendo as munições que foram utilizadas no crime. Nós temos o pagamento que ele realizou para o advogado. Temos a ligação que ele realizou na sexta-feira [dia 3 de junho], véspera dos crimes para um dos investigados. No dia do crime, há a tentativa dele ligar para o criminoso” disse o superintendente da PF do Amazonas, à época, Eduardo Fontes. “Temos vários elementos que o apontam”, assegurou o delegado.
Atualmente, o processo está em fase de instrução, etapa que as testemunhas e os réus são ouvidos pela Justiça. Os três acusados já foram interrogados, mas serão ouvidos novamente pelos investigadores. Antes o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) autorizou a oitiva de mais testemunhas.
Passado um ano do cruel assassinato que chocou o Brasil e o mundo, a insegurança e o medo seguem presentes no Vale do Javari. Caça predatória, pesca ilegal, derrubada de árvores, tráfico de drogas e aliciamento de pessoas das comunidades indígenas, além da falta de meios tecnológicos e de recursos financeiros, são dificuldades enfrentadas pelas comunidades da TI.
“Aquela região, quem não aceita o aliciamento e a intimidação dos agentes do narcotráfico é ameaçado e até morto. Muitas destas violências sequer são relatadas oficialmente para evitar represálias e mais mortes”, diz reportagem do site Amazônia Real, que em março visitou a região e acompanhou uma expedição dos Guerreiros da Floresta, pela mata.
No Médio Javari, um rio de fronteira, que divide Brasil e Peru, segundo o portal, o narcotráfico e o roubo de madeira pressionam as aldeias. “Para tentar combater a ilegalidade no Médio Javari estão os Kanamari, que criaram o grupo Guerreiros da Floresta, formado por 36 homens”, informa a reportagem.
Eles se revezam nas ações de vigilância da região em expedições periódicas, com recursos próprios, sem apoio de políticas públicas. “Em vez de serem protegidos, eles têm de garantir a própria proteção”, diz trecho da reportagem.
O jornalista britânico reunia informações para um livro que escrevia sobre a Amazônia. O livro “Como Salvar a Amazônia” buscava contar a história de defensores da floresta e dos direitos indígenas na floresta amazônica.
Já Bruno havia prometido ajudar os Guerreiros da Floresta a organizar a sua defesa e resistência. No último encontro que ele teve com os Kanamari, disse que iria passar 15 dias com a família dele e depois voltaria para a região, onde daria uma atenção especial às ações no Médio Javari.
A intenção era ensinar ao grpo ações para enfrentar as ameaças, tal como havia ensinado aos integrantes de outro grupo indígena que organizou sua autodefesa, mas os planos foram interrompidos devido ao seu assassinato.
“O finado Bruno ajudou em apoio de logística, de conscientização. Ele falou pra gente que não esperássemos do governo [Bolsonaro] naquele momento. Que éramos muito inteligentes para cuidar de nosso território”, lembra Kora Kanamari, liderança indígena.
“O Bruno era melhor para a gente. Ele gostava da nossa terra, andava com a gente. Ia para um lugar, por cima, e varava lá adiante. Era bem dizer nosso irmão, nosso parente. Ele cantava, brincava, tomava ayahuasca junto com nós, comia com a gente”, lembra Mauro Kanamari, outro líder indígena.
No último dia 5 – há exato um ano das mortes – manifestantes realizaram atos em seis cidades brasileiras em memória a Bruno e Dom. Os atos ocorreram no Rio de Janeiro, Brasília, Campinas, Belém, Salvador e Atalaia do Norte (AM).
Na data, o governo federal anunciou a liberação de R$ 3 milhões para combater situações de vulnerabilidade dos povos indígenas na Amazônia e conter ações do narcotráfico na região.
A medida faz parte de uma estratégia nacional lançada nesta semana, em Brasília. A ideia é fortalecer essas populações tradicionais contra os efeitos do tráfico, além de evitar e conter a atuação das organizações criminosas nesses territórios.