
“Em momento algum foi explicado quais os reais benefícios que uma eventual privatização poderia gerar para a população”, afirma Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP)
O professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), Pedro Luiz Côrtes, questionou a intenção do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de privatizar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Em entrevista à Agência Brasil, o pesquisador ressalta que a administração estadual não apresentou razões que justifiquem uma eventual decisão pela desestatização da empresa.
O governo de São Paulo detém 50,3% do controle da Sabesp, que é gerida em regime de sociedade anônima de capital aberto. O restante das ações é negociado na B3 de São Paulo e na Bolsa de Nova York. A companhia obteve, em 2022, lucro de R$ 3,12 bilhões, resultado 35,4% superior aos R$ 2,3 milhões registrados no ano anterior.
O especialista ressaltou que a Sabesp é uma empresa bem administrada, com grande capacidade técnica, não dependente de recursos do governo do estado, e capaz de financiar suas obras com recursos próprios ou captando de instituições financeiras.
“Cabe ao governo do estado explicar os motivos que o levam a pensar numa privatização”, disse Cortês, que também é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologia do Ambiente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, em Portugal.
Ele destacou na entrevista que a administração estadual defende que a desestatização da Sabesp irá melhorar a eficiência da empresa, mas ressalta que o governo não apresentou quais índices serviriam para medir a melhora da eficiência da Sabesp.
“Em momento algum foi explicado quais os reais benefícios que uma eventual privatização poderia gerar para a população, seja em relação às práticas tarifárias, seja em relação à melhoria da qualidade de saneamento para as populações que moram na periferia das grandes cidades, seja no aumento da taxa de tratamento do esgoto”, afirmou.
Na última semana, o governo paulista informou que planeja iniciar, em 2024, as audiências e consultas públicas para a privatização da Sabesp. A administração estadual não confirmou, no entanto, se o leilão de desestatização, ou a oferta de ações da empresa, irá ocorrer já no ano que vem.
“O que está previsto para ocorrer em 2024, após a conclusão dos estudos, é a realização de audiências e consultas públicas, além de encontro com investidores. Só depois dessa fase poderá ser discutida uma data para o leilão”, disse, em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), na última semana.
Os estudos a que a secretaria fez referência são as análises de viabilidade técnica para a privatização da empresa que já começaram a ser feitas pela International Finance Corporation (IFC), instituição ligada ao Banco Mundial, e que deverão durar 14 meses.
“Toma-se que a privatização como se fosse um dogma a ser seguido e, portanto, a privatização sempre é boa, sempre é benéfica, mas, na verdade, não se explica qual o benefício que isso poderia gerar para população. Então, eu não vejo nenhuma justificativa para apoiar, ou subsidiar, uma decisão desse tipo, ou a tendência de que uma decisão desse tipo venha a ser tomada”, reitera o professor da USP.
A tentativa de Tarcísio com privatização da Sabesp vai na contramão ao que ocorre no mundo já que diversos países passaram a reestatizar os sistemas de saneamento e abastecimento de água após a iniciativa privada se mostrar ineficiente. É o caso de EUA, Portugal, França, Alemanha e Inglaterra, como mostram os dados do Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda, em artigo intitulado Recuperação de serviços públicos: como as cidades e os cidadãos estão voltando atrás na privatização.
Segundo o instituto “nos últimos 20 anos [de 2000 a 2019], foram realizadas 835 reestatizações de serviços essenciais no mundo”.
O levantamento aponta que 37 países reestatizaram seus serviços de água e esgoto apontam que as quebras ou não renovações dos contratos ocorreram após “constatarem o aumento abusivo das tarifas de água e o fato de que promessas de universalização não foram cumpridas”. Outro motivo apontado para a reestatização foi “o avanço de problemas com transparência e dificuldade de monitoramento do serviço pelo setor público”.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
De acordo com o professor, o modelo atual de abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo (RMSP) prevê a captação de água da chuva, a manutenção da água em grandes reservatórios ou represas e, depois, o tratamento e a distribuição. Côrtes ressalva, no entanto, que, desde o final do século passado, o padrão de chuvas na região se alterou. Os períodos de estiagem e chuvosos passaram a ser mais severos e duradouros.
“Essas oscilações não são boas para um sistema desse tipo porque nós não conseguimos ampliar, de maneira significativa, a capacidade de reserva dessa água da chuva, porque isso implicaria, ou no desenvolvimento de novos reservatórios, ou na ampliação dos reservatórios já existentes”.
Côrtes afirma que, diante das mudanças climáticas, é muito mais urgente uma discussão sobre o modelo de distribuição de água a ser utilizado nos próximos anos do que sobre a privatização da Sabesp, companhia que opera o Sistema Cantareira, o maior produtor de água da RMSP e que abastece, aproximadamente, 46% da população da área.
“Nós precisamos pensar em um sistema de distribuição que esteja em um nível de resiliência maior face as mudanças climáticas. O sistema atual, por melhor que seja a administração da Sabesp, os esforços que ela vem empreendendo, não tem sido suficiente para melhorar a segurança hídrica da região metropolitana de São Paulo. Isso seria muito mais urgente do que considerar uma eventual privatização”, destacou.
Por fim, com a privatização da Sabesp, o pesquisador afirma que o modelo atual, de captação, tratamento e distribuição, corre o risco de ficar estagnado.
“Uma vez privatizado, o sistema será o que está aí. E eu questiono: a cargo de quem ficará avaliar, daqui a 10 anos, por exemplo, se esse sistema está adequado ou não? Quais os investimentos seriam necessários para melhorar a segurança hídrica?”, questionou.
“Discutir o modelo não significa abandonar o modelo existente; mas, na verdade, buscar alternativas para reduzir a nossa dependência do ciclo de chuvas, porque o ciclo de chuva já não se comporta mais, como se comportava no século passado”, destacou o professor.