Com 44 votos favoráveis e 11 contrários, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta segunda-feira (26) a revisão do Plano Diretor da cidade, que segue para sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Representantes dos movimentos sociais e urbanistas criticaram o projeto.
Um dos principais pontos do texto substitutivo da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) é o adensamento populacional, ou seja, a maior concentração de pessoas em um menor espaço de terra. O projeto tem o intuito de tornar a cidade mais densa próxima dos eixos de transporte.
“Quando você amplia, você incide em lugares que antes eram de preservação, de um menor adensamento, e você está ampliando muito onde pode adensar”, afirma Joyce Reis, diretora de Políticas Públicas do Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP). “A gente não tem controle se a cidade suporta esse adensamento todo”, ponderou.
Para a urbanista, “o substitutivo amplia quase que o dobro dessa área dos eixos sem justificativa nenhuma. Não é que o mercado não tem onde atuar”, completou.
Prevista na lei de 2014, a revisão deveria ter sido encaminhada pelo Executivo em 2021, o que não aconteceu devido à pandemia. O Ministério Público orientou a gestão Nunes a adiar as discussões para 2023.
Apresentado de forma apressada em março deste ano, a proposta sofreu diversas alterações e foi aprovada em primeira votação no final de maio. Na última quinta-feira (22), a versão final do texto substitutivo foi protocolada na casa legislativa. Se sancionadas, as mudanças valem até 2029.
AGRAVAMENTO DOS PROBLEMAS EXISTENTES
Para Ivan Maglio, presidente do Instituto Panamericano de Sustentabilidade e pesquisador do USP Cidades Globais do IEA-USP, o projeto “agrava os problemas – ao invés de melhorar aqueles que já existem no plano”, analisa. Além disso, aponta, “o relator [Rodrigo Goulart (PSD)] foi recebendo diversas emendas, isso significa que a gente nem sabe direito o que está sendo votado. Deveria ter tempo para a população participar, saber o que está votando”, defende Maglio.
“O plano diretor tem uma peça-chave, o Fundo de Desenvolvimento Urbano – Fundorb. Esse fundo é o que garante a arrecadação de todos os recursos de outorga onerosa, quer dizer, quem constrói a mais tem que pagar por esse uso adicional do solo, para fazer prédio, verticalização, tem que pagar uma cota”, diz Ivan.
“Esses recursos vão para o fundo, que aplica em habitação popular, em meio ambiente e transporte, justamente para trazer melhorias para a cidade”, explica. Pela proposta aprovada nesta segunda, os recursos do Fundorb poderão ser usados para recapeamento de vias. “O que obviamente não é a prioridade do Fundo”, critica o engenheiro.
Outro ponto crítico do PDE diz respeito às ZEIS – Zonas de Interesse Social – áreas destinadas à desapropriação para construção de moradia popular, onde há ocupação irregular, que conta com um conselho popular que assegura a permanência das pessoas nessas áreas enquanto aguardam os planos de urbanização e regularização fundiária. Com a revisão do plano, esses conselhos poderão ser extintos ou sofrer mudanças na sua concepção.
“Estão mexendo, querem extinguir os conselhos, o que pode levar à expulsão dos moradores que estão nesses lugares duramente aguardando a regularização fundiária”, denuncia o professor da USP.
VERTICALIZAÇÃO E LUCRO
Outro problema gravíssimo é a extensão dos chamados Eixos de Extensão Urbana. Trata-se da verticalização no miolo dos bairros, o desvirtuamento das regras do PDE para ampliar o número de garagens nos apartamentos localizados nos Eixos de Transformação Urbana.
No texto aprovado em 2014, havia a intenção de construir moradias para a população de baixa renda em torno das estações de metrô, da CPTM e de corredores de ônibus. Havia regras para que os imóveis a serem construídos obedecessem a uma metragem mínima e não tivessem mais que uma garagem. A ideia era que as pessoas morassem em locais próximos ao transporte público, favorecendo assim, a mobilidade urbana. Isso nem chegou a ser implementado.
Ao invés das moradias populares, nessas áreas foram construídos estúdios, pequenos apartamentos que vão de 10 a 35 metros quadrados para locação ou venda, que foi parar no colo das incorporadoras nacionais e internacionais. “O que era para ser um objetivo social, foi subvertido aos interesses do mercado imobiliário e pelo mercado financeiro”, critica Ivan.
“Isso é muito grave. Isso já existia no plano de 2014, a ideia de construir imóveis próximos às estações de metrô, de trem, de corredores de ônibus. Eles (os vereadores) agora pioraram. A verticalização vai aumentar muito mais”, criticou a ex-vereadora da capital paulista Lídia Correa em entrevista à Hora do Povo.
“É uma verticalização desenfreada, sem controle, sem nenhuma avaliação de impacto. É realmente assustador! É uma coisa muito grave que eles estão fazendo. É a especulação que está ganhando com isso”, denunciou Lídia, que é dirigente da Confederação de Mulheres do Brasil.
A ex-vereadora atuou na organização de encontros para discutir a proposta e na organização de Audiências Públicas regionais que não foram levadas em conta no Plano aprovado.
“Vai agravar muito mais a situação do saneamento, de enchentes. A cidade não comporta”, prossegue.
A dirigente também criticou o tecnicismo que compõe a linguagem do Plano Diretor Estratégico, ressaltando que o documento orienta o desenvolvimento da cidade. “Infelizmente, a discussão acaba ficando técnica e distancia as pessoas, a sociedade, do debate, de trazer as discussões”, pontua Lídia.
ÁREAS IMPACTADAS
Especialistas ressaltam que não foram feitas atualizações nas redes de esgoto e saneamento e isso pode virar um problema nos bairros. Perdizes, Pinheiros (ambos na zona oeste da capital) e Tatuapé, na zona leste, devem ser os bairros mais atingidos. Um estudo apontou 80 áreas que devem ser mais impactados com as mudanças.
Bela Vista, Lapa e Vila Formosa são outros bairros que podem ser afetados pela ampliação da faixa com incentivo para novos prédios perto de estações de trem e metrô e que estão sendo analisados pelos pesquisadores.
Atualmente, prédios mais altos podem ser construídos num raio de até 600m das estações de trem e metrô. O texto substitutivo amplia esse raio para 700m. Na versão anterior, a distância era de 1.000m.
Após discussões, debates e críticas, o relator, vereador Rodrigo Goulart (PSD), modificou o raio de 1.000m para 700m, mas essa mudança pode ser enganosa. “A gente tem que tomar cuidado porque eles também mudaram a base com que isso se calcula. Antes, quando a gente estava falando 1 quilômetro ou 600 metros, eram as quadras que entravam dentro de um raio”, alertou Bianca Tavolari, coordenadora do Observatório do Plano Diretor de São Paulo ao G1.
“Agora, são 700m — e todas as quadras que tocam, mesmo que seja um pedacinho, passam a fazer parte do eixo. Essa alteração pode parecer um recuo, mas, na verdade, tem pouquíssima diferença em relação ao que estava”, explicou.
Houve modificação também nas regiões próximas a pontos de ônibus. Atualmente, prédios mais altos podem ser construídos num raio de até 300m dos pontos de ônibus. O substitutivo amplia o raio para 400m.
Para Joyce Reis, a verticalização — em áreas que não suportam muito adensamento — pode resultar em ruas mais estreitas e um bairro com uma quantidade muito grande de pessoas e de carros.
JOSI SOUSA