
Na sexta-feira, um edifício de três andares desmoronou no bairro do Janga, em Paulista (PE), causando a morte de 14 pessoas
“As construtoras utilizaram esse sistema de construção empírico, experimental, sem normas técnicas aprovadas. E os engenheiros assinavam esses projetos por pura pressão do mercado imobiliário”, afirma o engenheiro Carlos Wellington Pires, do Laboratório de Tecnologia Habitacional do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) que monitora a situação dos “prédios-caixão” em Pernambuco.
Segundo o engenheiro, a estrutura desses prédios foi construída usando blocos de vedação, a maioria em cerâmica, ao invés de blocos estruturais, mais resistentes. “Esses de cerâmica têm baixa espessura, não poderiam estar na estrutura. Mas na política habitacional do estado houve uma influência forte da indústria de cerâmica”, explica.
Os prédios do tipo caixão são construções iniciadas nos anos 70, num momento de expansão das cidades metropolitanas, devido à redução de tempo, baixo investimento e alto retorno financeiro. Pela definição técnica, usam “alvenaria resistente na função estrutural”, em vez de concreto armado em que as próprias paredes sustentam a estrutura, sem o uso de vigas ou pilares.
“Diferente do que sugere o nome, são os prédios apelidados de resistentes os mais propensos a desabamentos. E eles são muitos na capital pernambucana e arredores”, disse à Folha de São Paulo Gibson Queiroz, membro do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Pernambuco (Ibape-PE).
Com mais de 40 anos de experiência em vistorias em edifícios do tipo “caixão”, Queiroz afirma que mais de 5.000 prédios precisariam ser demolidos na Grande Recife caso todos aqueles construídos fora da norma fossem condenados.
Na manhã de sexta-feira (7), um edifício de três andares desmoronou no bairro do Janga, em Paulista (PE), causando a morte de 14 pessoas e deixando outras sete feridas, até o sábado (8), segundo o Corpo de Bombeiros.
Nos anos 1990, começaram a ruir os primeiros edifícios. Ao menos 17 já desabaram, segundo o engenheiro Carlos Wellington Pires, que acompanha a situação há décadas. Desde 2005, esse tipo de construção foi proibido na região metropolitana de Recife.
A prefeitura informou que “o imóvel estava interditado desde o ano de 2010 e foi reocupado por grupos de sem-teto”. Em menos de três meses, dois prédios desse tipo desabaram na Grande Recife, em Pernambuco. Um deles, na cidade vizinha de Olinda, deixando 6 pessoas mortas. As vítimas, pessoas sem teto.
“De acordo com um levantamento do ITEP existem mais de 5 mil prédios construídos nesse sistema, cerca de mil foram classificados com risco alto risco de desabamento e 260 com risco muito alto”, publicou no Twitter a engenheira civil Nathália.
“Muitos desses prédios foram comprados por famílias que sonhavam em ter sua casa própria e algumas nunca conseguiram chegar a morar em seus apartamentos, a maioria segue em briga judicial em busca de indenização”, prossegue Nathália. A maioria das edificações foram erguidas em Recife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Paulista.
Segundo a engenheira, a maioria dos prédios interditados foi ocupada por pessoas de baixa renda, que não podem arcar com um aluguel. “Mesmo alertadas para o risco de desabamento preferem conviver com o medo do que morar na rua”, diz.
O termo caixão é devido ao formato de caixa desses edifícios, explica o engenheiro do Itep. Segundo Pires, uma série de fatores fez os prédios ruírem. “Esses de cerâmica [tijolos] têm baixa espessura, não poderiam estar na estrutura. Mas na política habitacional do estado houve uma influência forte da indústria de cerâmica”, avalia.
Outro ponto identificado como fundamental para a ruína dos edifícios, aponta, é a “fundação vazia”. Ele explica que, mesmo em terrenos onde havia desnível, não era feito o aterro pelas construtoras para aplanar. Assim, uma espécie de buraco ficou aberto sob os edifícios, onde a eventual presença de água pode ir corroendo a estrutura de sustentação do prédio.
Muitos bairros onde esses prédios foram construídos têm um sistema de saneamento deficitário – e o pior – estão em áreas onde há grande presença de mangues, rios e canais. Ou seja, com forte presença de água.
Essa situação, explica o engenheiro, faz com que os prédios caiam sem emitir qualquer sinal para que as autoridades adotem providências a fim evitar tragédias como as que ocorreram neste ano. A fundação do edifício vai sendo degradada rapidamente por ação da água – e isso não é visível. Os edifícios são de três andares, com apartamentos desde o térreo.
A norma vigente para prédios de alvenaria estrutural requer que a carga suportada seja de cinco vezes a pressão que está de fato sobre a construção. Nos prédios em que o engenheiro do Ibape avaliou ao longo dos anos, a pressão costuma ser a metade disso.
Ainda assim, apesar de fora das normas, os prédios são matematicamente estáveis e podem ser preservados com obras de reforço, diz Queiroz.
[…] como engenheira civil acabei de lembrar: em muitas cidades, o controle urbano não exige projeto estrutural para construção, apenas o arquitetônico, e tem lugares que exige o estrutural, mas os engenheiros fazem um trabalho medíocre e colocam tudo com ferro demais”, denuncia Nathália.
“A gente tem vontade de sair daqui, já tem muitos interditados, abandonados. Agora, só aumentou a vontade”, disse à BBC News Brasil Fábio Veríssimo, que morava com a esposa num prédio com a mesma estrutura do que caiu. O deles, porém, não está interditado. Com medo e a pedidos de parentes, a família deixou a casa.
TEMPORAIS CASTIGAM NORDESTE
Além da tragédia em Paulista, Pernambuco – e também Alagoas – enfrentam outro problema: as fortes chuvas que castigam os dois estados. Em Alagoas, mais de 16 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas até o momento. Segundo a Defesa Civil do estado, sete cidades estão em emergência: Capela, Cajueiro, Penedo, Viçosa, Satuba, São Miguel dos Campos e Marechal Deodoro, além de 29 municípios.
Já em Pernambuco foi decretado estado de calamidade em 12 municípios da Mata Sul. O governo federal anunciou uma força-tarefa para dar apoio à população nos dois estados. Os ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania e da Integração e do Desenvolvimento Regional anunciaram o envio de servidores para amenizar os impactos nas regiões.
Entre as ações, estão o recebimento de demandas da população que foi enviada para abrigos e o encaminhamento dos pedidos para as instâncias necessárias – união, estados e municípios.
Até o momento foi confirmada a morte de uma pessoa em decorrência das chuvas. Autoridades investigam se o desabamento do prédio em Paulista está relacionado com às chuvas.