Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro compareceu à CPMI amparado por habeas corpus que lhe garantia o direito de silenciar em situações que pudessem produzir provas contra ele. Mas só em casos que fosse investigado
Diante do silêncio de Mauro Cid na última terça-feira (11), a CPMI do Golpe, no Congresso Nacional, decidiu acionar a 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília contra o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL).
Na representação protocolada, nesta quinta-feira (13), por meio da Advocacia do Senado, o colegiado aponta que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro abusou do direito ao silêncio e, portanto, teria cometido o delito de “calar a verdade como testemunha”.
De acordo com o artigo 4º, II, da Lei 1.579/52, constitui crime fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito.
Cópia do documento foi enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal), com pedido de adoção de providências adicionais à Corte.
SOB HABEAS CORPUS
Mauro Cid compareceu à CPMI amparado por habeas corpus que lhe garantia o direito de silenciar em situações que pudessem produzir provas contra ele, em casos em que aparecesse como investigado.
Mas, de acordo com parlamentares, ele abusou desse direito ao se negar a responder assuntos alheios aos fatos que poderiam incriminá-lo.
“Assim, se de um lado, como cidadão tem o direito de se valer das garantias inerentes à não incriminação, por outro lado, tem o dever reforçado de, como testemunha, depor à Comissão Parlamentar de Inquérito fatos alheios a essa cláusula e de que, eventualmente, tenha conhecimento em razão de sua investidura em elevadas funções públicas que exerceu concomitantemente aos fatos sob investigação”, aponta a justificativa do documento protocolado no STF.
EIS OS FATOS
No que seria a oitiva de Cid — peça-chave para esclarecer vários e múltiplos aspectos dos acontecimentos de 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente tentaram abrir caminho para um golpe de Estado — Cid se recusou a responder questões comezinhas como, por exemplo, a idade dele.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) fez a pergunta, e ele se negou a responder, como forma de explicitar que o ex-ajudante de ordens do ex-presidente não tinha nenhuma intenção de colaborar com a CPI.
A CPMI aprovou, na última terça-feira, a requisição dos sigilos telemáticos de toda a equipe do tenente-coronel Mauro Cid no gabinete pessoal da Presidência da República.
O sigilo telemático requerido é todo o histórico de contatos e mensagens das contas de e-mail do gabinete, inclusive aquelas apagadas e salvas como rascunho. Inclui também os documentos em anexo. Os requerimentos alcançam o tenente-coronel Cid e 8 funcionários da ajudância de ordens do gabinete pessoal de Bolsonaro.
ORIENTAÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES
A relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), foi a responsável pelos pedidos. Para ela, o conteúdo das contas de e-mail do gabinete é relevante para orientar investigações sobre eventos dos quais a CPMI já tem indícios.
Um desses são as conversas de Mauro Cid com o coronel Jean Lawand Júnior, do Exército, a respeito de possível intervenção militar contra o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“As informações e os documentos disponibilizados à CPMI revelam que o sr. Mauro Cid, enquanto ocupante do Gabinete Pessoal do Presidente da República, teria tido reiteradas conversas por meio eletrônico com o coronel Lawand sobre a possibilidade do então presidente Bolsonaro dar uma ‘ordem’ a ser cumprida pelas Forças Armadas”, escreveu em um dos requerimentos.
“Além disso, as investigações expostas pela mídia apresentaram seu possível envolvimento no pagamento de despesas de [da ex-primeira-dama] Michelle Bolsonaro com dinheiro vivo, sem comprovação da origem; tentativas de liberação de joias de propriedade da União para o presidente Bolsonaro; e fraude de certificados de vacina da covid”, argumentou a senadora nos requerimentos.
IRMÃO DE MAURO CID
A CPI determinou, ainda, a quebra do sigilo das empresas ligadas ao empresário Daniel Barbosa Cid, considerado um dos cérebros das milícias digitais que atuavam em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, com a disseminação de fake news. O empresário é irmão de Mauro Cid.
O requerimento que determinou a quebra dos sigilos em relação às empresas ligadas ao empresário é da senadora Eliziane Gama. São, ao todo, dois pedidos aprovados pela comissão. No primeiro, Eliziane solicita à Secretaria da Receita Federal, informações sobre da existência, na base de dados, de registro de empresas estrangeiras em nome de Daniel Barbosa Cid. No segundo, a senadora determina que o Banco Central do Brasil encaminhe as informações referentes ao empresário.
Daniel Barbosa Cid é empresário do ramo de tecnologia. Segundo a relatora da comissão, o irmão do tenente-coronel era o cérebro das milícias digitais que atuaram de forma irregular em defesa de Bolsonaro durante a eleição de 2022. Ele mora nos Estados Unidos, onde investe na compra de imóveis.
“O irmão de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República, operou ‘milícia digital’ contra as eleições e disseminou fake news. É necessário saber os negócios que a família tem no exterior para, posteriormente, investigar o caminho do dinheiro que pode levar aos financiadores do golpe tramado”, escreveu no requerimento a senadora.
REINÍCIO DOS TRABALHOS
A única audiência realizada pela CPI nesta semana foi com Mauro Cid. O colegiado volta a se reunir depois do recesso parlamentar, que se inicia na próxima terça-feira (17) e se encerra dia 31 de julho, com retorno em 1º de agosto.