Ex-presos relatam torturas sofridas e presenciadas
Um relatório do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR, sigla em inglês) publicado em junho apontou que dezenas de civis foram torturados recentemente em câmaras de tortura instaladas pelas forças de segurança ucranianas.
O documento reforça testemunhos de que o governo de Kiev tem usado e abusado da tortura como arma contra civis e prisioneiros de guerra ao longo dos últimos nove anos.
O portal Sputnik publicou entrevistas com três sobreviventes dos centros do horror, sobreviventes do sequestro das forças ucranianas, o civil russo de Donetsk, especialista em metalurgia Andrey Sokolov; Larissa Gurina, uma ex-policial de Kharkov e Alexandra Valko, trabalhadora de um escritório.
“Eles invadiram meu apartamento [em Kharkov] todos vestindo ‘balaclavas’ [proteção do pescoço, face e crânio contra riscos de origem térmica]; havia 14 artilheiros de submetralhadora e cinco pessoas, incluindo investigadores e testemunhas. Eu sabia que prisões em massa e repressões estavam ocorrendo em Kharkov. Eu entendi onde tudo isso iria levar”, informou Larissa.
Conforme a ex-policial descobriu, ela havia sido espionada anteriormente por cinco meses pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) para depois ser sequestrada.
Na véspera de sua prisão, seu filho também havia sido detido. “Depois disso, fui levada ao prédio da SBU em Kharkov, na rua Sovnarkomovsky. Meu primeiro interrogatório durou 37 horas sem parar”, lembrou. “Passei um ano detida, dos quais passei os últimos dois meses no campo e 10 meses na prisão. Fui levada aos interrogatórios todos os dias. Os interrogatórios duraram muitas horas seguidas”, relatou.
“O SANGUE TORTURADO ESPIRROU ATÉ O TETO”
“Você poderia gritar lá ao máximo, ninguém de cima ouviria. Às vezes, eles me trancavam no banheiro. Era uma sala de 15 metros quadrados. A altura do teto deste prédio era alta, cerca de 3,5 metros. As paredes desta sala estavam cobertas de ladrilhos. Imagine só: as pessoas foram espancadas com tanta força que o sangue espirrou até o teto. Eles lavaram o sangue dos ladrilhos, mas no teto essas manchas permaneceram”, descreveu Larissa, frisando que “eles me bateram na cabeça, me bateram no estômago e de outras maneiras, em geral, esta é uma história muito horrível”.
“Fiquei com muito medo quando ameaçaram matar meus entes queridos: meu filho, minha mãe, minha neta. Minha neta é órfã. Eles prometeram tratá-los de maneira especialmente cruel. Eu publicamente, na frente de todos os investigadores, renunciei a meus entes queridos. Eu disse que não me importava com o destino deles, mostrei total indiferença, embora esse fosse o maior medo, a maior dor”.
Apesar desta tortura pessoal, o medo maior era a forma como os agentes do Serviço de Segurança ucraniano a forçaram a ver seu filho ser espancado quase até à morte diante dos seus olhos. “Meu filho se transformou em um saco de ossos; ele estava absolutamente preto [de hematomas]. Ele não tinha rosto; ambos os braços e várias costelas foram quebrados”, protestou.
Nascida na cidade russa de Inta, na República de Komi, Alexandra Valko mudou-se para a região de Donbass e morava em Pervomayskoye, um vilarejo localizado a 74 km de Donetsk, trabalhando em um escritório de inspeção técnica de gás em Yasinovataya. Após o golpe de Estado em Kiev, Alexandra ficou do lado do povo das repúblicas de Donetsk e Lugansk e se engajou no trabalho humanitário.
“Em 11 de maio de 2014, realizamos um referendo de independência. Eu participei do referendo e trabalhei na comissão”, explicou Alexandra, quando o neonazista Batalhão Azov e o ultranacionalista ucraniano Setor de Direita tomaram Yasinovataya iniciaram sua campanha de “limpeza”.
TORTURAS INCLUÍRAM FRATURAS NO ROSTO
“Eles disseram que eu era uma ativista pró-Rússia. Em 27 de janeiro de 2015, fui feita prisioneira. Às 11 horas da noite, 12 pessoas em balaclavas com metralhadoras, com listras do Setor de Direita e do Azov invadiram meu apartamento e me levaram embora.
Fiquei em cativeiro por 19 dias. Eles me bateram muito forte, tive três fraturas no rosto. Meu nariz quebrou. quando me disseram que nasci na Rússia e que era uma sabotadora de Rostov.”
Eles a espancaram fortemente por sete dias seguidos, arrancando suas unhas e a mantiveram algemada por duas semanas, fazendo seus pulsos e dedos infeccionarem, com as pernas feridas e sangrando continuamente. Eles não a alimentaram, nem permitiram que fosse ao banheiro. Alexandra perdeu 53 quilos no cativeiro, embora implorando. “Os terroristas não podem ter um advogado”, descreveram.
“Fui transferida de uma sala para outra, que chamei de ‘frigorífico’. Era uma sala pequena, toda cimentada, toda ladrilhada. E quando fui trazida para esta sala, vi que havia buracos de bala e sangue fresco nas paredes. Entendi que era uma sala de tortura”, recordou. Assim, enquanto estava nesta sala, recebeu um pouco de peixe enlatado misturado com água crua e areia, tendo sido alimentada à força com essa gosma. Alexandra denuncia que outros prisioneiros famintos e severamente espancados, foram sujos e banhados em sangue, sendo humilhados e desumanizados.
“NÃO SÃO PESSOAS, SÃO PIORES QUE FASCISTAS”
Para o civil russo e especialista em metalurgia Andrey Sokolov, tais algozes “não são pessoas”, pois foi mantido em cativeiro pelo Serviço de Segurança da Ucrânia de dezembro de 2014 a outubro de 2016. “Eles precisam ser erradicados. Eles não me tiraram apenas 19 dias, perdi 20 anos da minha vida depois de ser torturado, depois de passar por tudo isso. Havia muitas pessoas como eu lá. Eles são piores que os fascistas”.
“Cheguei a Donetsk em meu carro pessoal e viajei pela república nele. Acabei no Serviço de Segurança, depois de entrar por engano em um posto de controle ucraniano quando estava indo de Donetsk para Gorlovka”.
“Ao verificar meus documentos, eles viram meu passaporte russo. Aos olhos deles, isso foi o suficiente para me deter”, descreveu. Após prendê-lo, o regime ucraniano não enviou Andrey à polícia ou ao Serviço de Segurança, mas o manteve em vários locais por duas semanas, sem registrar sua condição ou acusá-lo de qualquer crime, o fazendo desaparecer. Os parentes e amigos de Andrey perderam contato com ele e ninguém soube de seu paradeiro.
“Eles dizem o que você deve responder e você tem que responder para a câmera de vídeo, se você errar alguma coisa, a câmera é desligada e vários socos são dados no seu corpo para que você entenda como responder corretamente”, recordou Sokolov.
Diferente de Larissa e Alexandra, Andrey não foi submetido a torturas severas, mas viu como os oficiais da SBU castigaram outros prisioneiros: “O policial pressiona o pano firmemente contra o rosto do prisioneiro de modo que, quando ele despeja água da torneira comum de uma garrafa, faz com que o pano grude no rosto, fazendo você se sentir como se estivesse sufocando debaixo d’água. Ou seja, é uma tortura por sufocamento”. E os males não ficavam por aí. “Um saco vazio foi colocado na cabeça dos cativos. Uma gravata de arame foi usada em vez de algemas. Um trapo era umedecido com água e colocado no rosto do preso quando ele estava deitado de costas no chão. Agentes do serviço de segurança ucraniano jogaram água de uma garrafa em seu rosto e a pessoa sufocou. Essa tortura é chamada de ‘pano molhado’ “, acrescentou.
Infelizmente, muitos dos capturados pelos fascistas ucranianos jamais voltaram para casa. Em março de 2019, o tenente-coronel da SBU Vasily Prozorov desertou para a Rússia e descreveu sobre “A Biblioteca”, prisão secreta e local de tortura no aeroporto de Mariupol administrado pelo Serviço de Segurança e pelo Batalhão Azov.
De acordo com ex-prisioneiros, em Mariupol, inúmeras pessoas morreram pois não resistiram aos interrogatórios e foram enterrados em uma vala comum. Evidências de vídeo obtidas pelo Sputnik indicam que algumas vezes foram afogados os prisioneiros em gasolina em postos de gasolina abandonados.
“Desde 2014 até o início da operação militar especial [em 24 de fevereiro de 2022], trocamos mais de 1.300 prisioneiros, quase todos foram submetidos à tortura”, ressaltou Daria Morozova, comissária de direitos humanos na República Popular de Donetsk.
“Agora vemos que isso está ficando cada vez mais difícil, infelizmente. Anteriormente, a Ucrânia estava pelo menos em silêncio sobre isso, só poderíamos provar [instâncias de tortura] convidando várias organizações internacionais para trabalhar, que conversaram com elas, examinaram seus sites e publicaram em seus relatórios.
Agora a Ucrânia não tem escrúpulos em postar na mídia, na Internet, [vídeos] nos quais nossos soldados não são apenas submetidos a atrocidades, mas cruelmente torturados e também assassinados”.