Francesca Albanese, jurista e relatora especial das Nações Unidas sobre direitos humanos nos territórios palestinos, disse ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC) que a ocupação de 56 anos de Israel nos territórios palestinos transformou a Cisjordânia em uma “prisão a céu aberto” para os palestinos.
“Não há outra maneira de definir o regime que Israel impôs aos palestinos – que é apartheid por padrão – a não ser uma prisão a céu aberto”, denunciou Albanese, durante uma coletiva de imprensa em Genebra após a apresentação de seu “Informe do Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967” ao UNHRC na semana passada.
Ela afirmou ainda que o alto número de condenações criminais de palestinos decorre de “violações do direito internacional e criminalização de atos comuns da vida”. O relatório descreve as “preocupações de sua equipe sobre a privação arbitrária generalizada e sistemática de liberdade no território palestino ocupado”, com Albanese assinalando ainda que o informe “não pode capturar a escala e a extensão da privação arbitrária de liberdade no território palestino ocupado”.
SOFRIMENTO DE MILHÕES
“Nem”, acrescentou relatora especial da ONU, “pode transmitir o sofrimento de milhões de palestinos que foram, direta ou indiretamente, afetados”. Assim, Albanese estendeu à Cisjordânia ocupada a descrição que já era feita comumente sobre Gaza, por causa do bloqueio de 16 anos imposto por Israel.
Segundo o relatório, Israel enquadrou toda a população palestina que vive nos territórios ocupados “como uma ameaça à segurança, muitas vezes considerada culpada e punida com prisão, mesmo quando tenta exercer liberdades fundamentais”.
Além disso, enfatizou Albanese, “ao considerar todos os palestinos como uma ameaça potencial à segurança, Israel está obscurecendo a linha entre sua própria segurança e a segurança de seu plano de anexação”.
A relatora especial da ONU descobriu que, desde 1967, mais de 800.000 palestinos, incluindo crianças de até 12 anos, foram detidos pelas autoridades israelenses. “Os palestinos são considerados culpados sem provas, presos sem mandados, detidos sem acusação ou julgamento com muita frequência e brutalizados sob custódia israelense”, acrescentou a relatora especial, destacando as práticas de detenção de Israel que podem constituir crimes internacionais.
“Devemos reconhecer que a maioria dos palestinos foi condenada por uma série de violações do direito internacional, como discriminação, perseguição e violações do devido processo e por atos comuns da vida e no exercício de direitos civis e políticos legítimos”, reiterou Albanese.
Ela concluiu que o “conjunto de leis, procedimentos e técnicas de confinamento coercitivo de Israel transforma o território palestino ocupado em um panóptico ao ar livre constantemente vigiado”.
Israel construiu assentamentos ilegais, estradas segregadas, muros, postos de controle e infraestrutura física que “estão nas mãos dos militares israelenses, que escrevem, impõem e revisam essas leis marciais que se aplicam apenas aos palestinos”, agindo como uma autoridade arbitrária que priva de liberdade os palestinos, destacou o relatório.
PILAR DO APARTHEID
Ao mesmo tempo, Israel aplica apenas suas próprias leis domésticas aos colonos supremacistas judeus que vivem na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental – que são os que mais evidentemente cometem roubo de terra alheia -, em violação da lei internacional.
“Este sistema legal dual é o pilar do regime de apartheid de Israel. A presença da Autoridade Palestina não muda essa realidade, nem altera as obrigações de Israel perante o direito internacional”, disse ela.
Embora o Estado da Palestina tenha convidado a Relatora Especial, Israel se recusou a permitir que ela entrasse nos territórios palestinos para obter provas. Em vez disso, ela foi forçada a apelar para reuniões virtuais, bem como depoimentos de testemunhas e uma análise abrangente de fontes primárias e públicas.
O relatório de Albanese vem apenas uma semana depois que 1.000 soldados israelenses, protegidos por helicópteros armados e drones, invadiram a cidade de Jenin, no norte da Cisjordânia, e seu campo de refugiados, lar de 14.000 palestinos, em uma das maiores operações militares na Cisjordânia ocupada em 20 anos.
As tropas realizaram a destruição deliberada de infraestrutura civil, incluindo abastecimento de água e eletricidade e instalações de saúde. Elas mataram pelo menos 12 palestinos, incluindo quatro adolescentes, feriram mais de 100 e forçaram um quarto da população do campo a fugir.
2.500 “LEIS” PARA “DESPALESTINIZAÇÃO”
O relatório de Albanese registra que, desde 1967, Israel aprovou “2.500 ordens que controlam todas as minúcias da vida dos palestinos, incluindo ordem e segurança públicas, gestão de recursos naturais, educação, transporte, administração da justiça, administração fiscal, tributação, planejamento e zoneamento”.
Estas medidas, juntamente com o plano de anexação da Cisjordânia, visam “a despalestinização do território ocupado” e a eliminação do direito dos palestinos à existência como entidade nacional.
A coalizão de partidos de extrema-direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, incluindo fascistas com uma grande base nos assentamentos ilegais na Cisjordânia, está se preparando para o deslocamento forçado de milhões de palestinos e a incorporação da Cisjordânia a Israel.
O que foi explicitado abertamente pelo ministro das finanças de Israel e líder do partido Sionismo Religioso, Bezalel Smotrich, em seu plano “One Hope”, que não passa de um planejamento para a limpeza étnica e anexação. Para o fascista, uma guerra em larga escala que apagasse qualquer esperança de um Estado palestino e oficializasse o apartheid seria mais econômico a longo prazo do que tentar “administrar” o conflito.
Conforme Smotrich, Israel estabelecerá um “Estado judeu do rio [Jordão] até o mar”, imporá “soberania sobre toda a Judéia e Samaria [Cisjordânia], expandindo e construindo novos assentamentos e encorajando dezenas e centenas de milhares de residentes a vir morar na Judéia e Samaria”, estabelecendo uma “realidade irreversível no terreno”.
Os palestinos devem ser “encorajados” a emigrar, enquanto os que permanecem devem ser confinados a seis municípios ao redor de Hebron, Belém, Ramallah, Jericó, Nablus e Jenin, cada um com seu próprio governo local, possivelmente afiliado à Jordânia.
MAIS ROUBO DE TERRA
Nos seis meses desde que assumiu o cargo, o governo israelense aprovou a construção de 13.000 novas casas de assentamento e legalizou nove postos avançados de assentamentos anteriormente considerados ilegais. Aprovou uma legislação que permite aos colonos retornar a quatro assentamentos desmantelados em 2005 e ao governo revogar a cidadania ou residência daqueles (palestinos) que cometeram “atos de terror” e deportá-los para a Cisjordânia ocupada e a Faixa de Gaza.
Tal legislação concede ainda imunidade aos soldados por atos cometidos durante a atividade militar e permite que crianças menores de 14 anos condenadas por acusações como atirar pedras em soldados sejam presas. Ao mesmo tempo, os ministros supremacistas encorajaram os colonos a atacar as casas e propriedades dos palestinos na Cisjordânia, como o pogrom cometido em Huwara em fevereiro.
Esse plano do “apartheid sem disfarces em Israel”, está gerando profunda divisão dentro da sociedade israelense, ainda que a metade que se opõe a reforma judicial do regime Netanyahu, que é o elo mais visível do projeto de Estado Judaico Supremacista em curso -, só se aperceba do aspecto de eliminar a capacidade limitada do judiciário de restringir o arbítrio do regime Netanyahu e de levá-lo ao cárcere por corrupção.