DENOY DE OLIVEIRA
Ouvi seu nome no antigo Belas Artes, antes do incêndio. Projetavam “Chuva”, que ele fez em 1929. Impressões de uma tarde chuvosa nas ruas de Amsterdam. Gotas, riscos d’água, poças, guarda- chuva cruzando na tela, respingos. Um poema tecido em imagens preto e branco. Terminando o filme, alguém gritou alguma loucura de entusiasmo. Eu não consegui mover um músculo. Estava apaixonado por aquelas imagens, aquela sensibilidade.
Mas Joris viveu num mundo de grandes transformações. Influenciado pelo cinema soviético, ele e seus amigos da Liga Cinematográfica Holandesa exerciam o cinema/agitação. Joris, tomando emprestado os filmes de atualidades, numa Europa capitalista e que se preparava para o fascismo, alterava a montagem das notícias, dando-lhe novo conteúdo. Exibia os novos filmes para operários e centros comunitários; antes de devolver, remontava-os, agradecendo o material emprestado.
Joris e Chaplin talvez sejam, no cinema, os verdadeiros e únicos cidadãos do mundo. Chaplin espalhou sua imagem por todos os cantos da Terra. Joris filmou imagens do mundo inteiro. Poeta e internacionalista, acompanhou os grandes acontecimentos de seu tempo. Já em 1929, Joris realizava “Zuiderzee”, documentando em dois momentos a esperança e o posterior desencanto dos camponeses, em 1933, quando o governo holandês destrói criminosamente excedentes de produção, para atender interesses do capital.
Em 1933, Hitler já era uma realidade européia. Em 1937, Joris realizava, com Ernest Hemingway, “Spanish Earth”, documentário da tragédia espanhola sob o fascismo. Em 39, vai para a China e faz “400 Milhões”, testemunhando a revolução na série desenvolvida na 2ª Guerra: “Por que Combatemos”.
Também documentaria as guerras modernas: no Vietnã, no Laos e viveu grande parte dos últimos anos de sua vida filmando a China. Filmou no Brasil, na Índia, Estados Unidos, Cuba, no mundo.
“História do Vento” foi quase toda rodada na China e parte na Holanda. Joris faz uma longa reflexão com imagens que remontam à sua infância e o surpreendem aos 90 anos, às vésperas de sua morte. Marceline Loridan, sua assistente há 25 anos, terminou o último trabalho que Joris deixaria para a humanidade.
“História do Vento” mostra um homem que atingiu a sabedoria e pode espalhar suas cinzas pelo mundo.