Líderes presentes à cúpula Rússia-África firmaram, junto com Putin, documento pela liberação dos portos europeus a navios russos, permitindo o trânsito de grãos que hoje escasseiam no continente africano
Líderes africanos e o presidente russo, Vladimir Putin, pediram à comunidade internacional que tome medidas concretas para remover obstáculos às exportações russas de grãos e fertilizantes, segundo o comunicado conjunto publicado pelo escritório do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, nesta quinta-feira (3).
De acordo com o documento publicado no site do Kremlin na sexta-feira, a liberação dos grãos e fertilizantes russos reviveria totalmente a Iniciativa de Grãos do Mar Negro, apoiada pela ONU. Os líderes africanos também pediram às Nações Unidas que tomem medidas para a liberação de mais de 200.000 toneladas de fertilizantes russos encalhados nos portos da UE, permitindo a entrega imediata e gratuita aos países africanos, continua o comunicado.
Os lideres africanos que assinaram a declaração conjunta são o presidente da União Africana e das Comores, Azali Assoumani; o presidente da África do Sul , Cyril Ramaphosa; o presidente da República do Congo, Denis Sassou Nguesso; o presidente do Egito Abdelfattah Sisi; o presidente do Senegal, Macky Sall; o presidente de Uganda, Yoweri Museveni; e o ministro das Relações Exteriores da Zâmbia, Stanley Kakubo, que integram a Iniciativa de Paz Africana.
Durante a cúpula, o presidente Putin disse que apenas dois pequenos carregamentos – das 262.000 toneladas de fertilizantes russos bloqueados na UE – foram enviados para Malawi e Quênia. Mediado com a ajuda da ONU e de Turquia no ano passado, o acordo criou um corredor humanitário através do Mar Negro para permitir que embarques de grãos e fertilizantes deixassem os portos da Ucrânia.
Moscou advertiu repetidamente que suas condições para o acordo, ou seja, a flexibilização das sanções econômicas ocidentais que dificultam a exportação de alimentos e fertilizantes russos, não eram atendidas. A Rússia também criticou o acordo de grãos por não cumprir sua base humanitária, alegando que a maior parte da produção ucraniana foi enviada para nações ricas, em vez de países mais ameaçados pela insegurança alimentar.
Na cúpula, Putin classificou como “pura hipocrisia” a acusação feita por Washington responsabilizando a Rússia pela “fome”, por se retirar do acordo de grãos do Mar Negro. O presidente russo revelou que a Rússia, apesar das sanções, forneceu à África no ano passado 11,5 milhões de toneladas de grãos russos e, nos sete primeiros meses deste ano, quase 10 milhões de toneladas.
Ele lembrou ainda que a participação da Rússia nas exportações globais de trigo é de 20%, em comparação com menos de 5% da Ucrânia.
Já as exportações de grãos da Ucrânia foram desviadas para os países ricos – a ponto de países europeus vizinhos proibirem a entrada de mais levas, considerando concorrência desleal – enquanto que o trigo enviado para Etiópia, Sudão, Somália e outros foi de menos de 3% do total exportado.
Putin revelou que as contrapartidas previstas nos acordos do Mar Negro para os grãos e fertilizantes russos não foram cumpridas. “Nem uma única delas”: nenhuma reconexão do Banco Agrícola Russo ao SWIFT, nenhuma liberação de cargas fixas de fertilizantes, nenhum regulamento para o seguro de navios graneleiros russos.
“Enfrentamos até obstáculos ao tentar entregar fertilizantes minerais gratuitamente aos países mais pobres que precisam deles. Conseguimos enviar apenas dois embarques – apenas 20 mil toneladas para o Malawi e 34 mil toneladas para o Quênia, das 262 mil toneladas desses fertilizantes bloqueadas em portos europeus”.
Por sua vez, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que Moscou não acredita nas alegações dos EUA de que fez um esforço genuíno para facilitar as exportações russas de fertilizantes e grãos, como alegado pelo chefe do Departamento de Estado Antony Blinken.
Uma flexibilização dessas restrições, prometida pela ONU há um ano, quando o acordo de grãos foi assinado, continua sendo a principal demanda de Moscou para reviver o acordo. Washington “deve cumprir isso, em vez de fazer promessas de que pensaria sobre isso”, disse Peskov durante uma teleconferência com a mídia.