Proposta foi apresentada pelo bolsonarista vereador Bobadra, cassado dias após apresentar o projeto de lei
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, na noite de sexta-feira (25), que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare inconstitucional a lei aprovada pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre que tornou feriado o “Dia do Patriota”, em 8 de janeiro. A escolha peculiar marca a data em que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília.
O episódio, que resultou em prisões e está sob investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, agora faz parte do rol de datas comemorativas da capital do Rio Grande do Sul. O vereador Alexandre Bobadra (PL) é o mentor da proposta, apresentada em março, que chama a atenção pela ausência de menções diretas aos acontecimentos da capital federal e pelo motivo peculiar da escolha do dia 8 de janeiro.
No projeto de lei, Bobadra se baseou em definições de patriotismo, utilizando citações de figuras como Olavo de Carvalho, já falecido e conhecido como uma figura influente no bolsonarismo.
Ao justificar a proposta, o texto reflete discursos semelhantes aos adotados pelo ex-presidente Bolsonaro e seus apoiadores, destacando um ambiente que parece depreciar qualquer manifestação de patriotismo.
Após passar por comissões legislativas e receber pareceres favoráveis, o projeto seguiu para a sanção do prefeito Sebastião Melo (MDB). Porém, o prefeito não tomou uma decisão dentro do prazo de 15 dias, o que levou o projeto de volta à Câmara Municipal, onde o presidente Hamilton Sossmeier (PTB) promulgou a lei em 7 de agosto.
O cenário político, porém, trouxe uma reviravolta: apenas uma semana após a promulgação da lei, o vereador Bobadra teve seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS). Ele foi considerado culpado por abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação durante as eleições de 2020. Embora recorrendo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a cassação já gerou mudanças, com Cláudio Conceição (União Brasil) assumindo a vaga deixada por Bobadra.
REPÚDIO
A promulgação da lei foi rechaçada por parlamentares. A senadora Eliziane Gama (PSD-AM), relatora da CPMI do 8/1, também criticou a iniciativa. A parlamentar disse que a criação da data é um ato “perturbador”.
“É perturbador ver promoção de evento que feriu a democracia e que entrou para capítulo das histórias mais tristes. Pátria é Nação, é Cidadania. 8/1 foi data de golpismo, de atentado contra instituições”, escreveu a parlamentar nas redes sociais.
“Porto Alegre virou notícia por transformar o dia 8 de Janeiro em dia do patriota, um capítulo vergonhoso na história da nossa cidade. Lutaremos contra a Lei do vereador cassado Alexandre Bobadra, não podemos permitir! Fascistas não passarão!”, afirmou a ex-vereadora de Porto Alegre Vitória Cabreira.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, criticou a lei. “O dia 8/1 deveria ser considerado o dia do golpista ou da tentativa de criar uma ditadura no país. Não deveria ser considerado o “dia do patriota ou o dia da democracia”, conforme aprovado em Porto Alegre. Esperamos que o STF derrube tal decisão”.
Além do pedido de liminar para a suspensão imediata da lei, a PGR requer que sejam solicitadas manifestações do prefeito da Capital, Sebastião Melo (MDB), do presidente da Câmara de Vereadores, Hamilton Sossmeier (PTB) e da Advocacia-Geral da União.
LAVAGEM DE MÃOS
O prefeito Melo informou que, como a lei foi proposta, aprovada e promulgada pela Câmara, não há nada a acrescentar. Na sexta (25), em nota, o executivo esclareceu que “o prefeito Sebastião Melo silenciou respeitando a decisão da Câmara Municipal”.
“A Advocacia-Geral também prepara uma nova ação a ser ajuizada na próxima semana na Suprema Corte por meio da qual também questionará aspectos flagrantemente inconstitucionais da lei aprovada pelo legislativo do Rio Grande do Sul”, comunicou a AGU.
A Câmara de Vereadores disse que não foi notificada ainda. “Se houverem liminares ou qualquer outros instrumentos legais, a Câmara atuará para cumpri-los e para colaborar na construção de saídas coletivas, democráticas e legais para a questão”.
O pedido da PGR foi apresentado pelo coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos (GCAA), o procurador-chefe Carlos Frederico Santos. Na petição, ele explica que, em 2 de junho, foi editada a Lei 13.496 com o propósito de designar o dia 8 de janeiro como Dia em Defesa da Democracia. No entanto, pouco mais de um mês depois, foi promulgada a Lei 13.530, que, “em lugar de defender e proteger, dirige-se a estimular e a promover o ataque e a afronta ao regime democrático estatuído nos arts. 1º, 23, I, e 34, VII, “a”, da Constituição Federal”.
A PGR sustenta que a lei municipal contraria o estado democrático de direito expresso na Constituição Federal, além de ferir os princípios republicano e da moralidade.
“É inadmissível a elaboração de leis imorais e antirrepublicanas, cujo propósito seja exaltar e comemorar a prática de atos contrários ao Estado Democrático de Direito. Tais atos, em lugar de serem estimulados, exaltados e promovidos, importam ser devidamente sancionados e punidos com os rigores da lei pelas autoridades competentes”, cita Carlos Frederico num dos trechos da ação.
A PGR pediu que a ação seja distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, considerando a relação do tema como o tratado no Inquérito 4.879 sobre os atos antidemocráticos em Brasília.