“Vender a preços inferiores ao preço ditado pela OPEP+, chamado, erroneamente, de paridade internacional, é muito diferente de ‘subsidiar combustíveis’, como muitos afirmavam. Haveria subsídio na venda dos combustíveis se houvesse venda abaixo de seu preço de custo”
AURÉLIO VALPORTO (*)
A Petrobrás anunciou em maio de 2023 que alteraria a sua política de preços, a nociva política, chamada de PPI, que atrelava os preços internos do petróleo e seus derivados aos ditados pelo cartel internacional OPEP+. Como petróleo e seus derivados são muito mais do que commodities, são energia – de fato a maior parte da energia consumida no país vem do petróleo – a medida foi comemorada por economistas e empresários que querem o progresso do país, afinal, o crescimento econômico, que resulta em melhor padrão de vida para todos, é profundamente relacionado ao preço da energia.
Energia cara, mais especificamente petróleo caro, foi o responsável não só pelo fim do ciclo de maior crescimento da economia brasileira como pelo verdadeiro inferno econômico que assolou o país no final do século passado, com taxas recordes de inflação associadas a taxas igualmente recordes de desemprego. O início do fim do chamado “milagre econômico” veio com o primeiro choque adverso de oferta do petróleo, organizado pelo cartel OPEP, em 1973, mas o verdadeiro caos econômico que assolou o país veio na década de 80 como consequência do segundo cheque adverso de oferta, como podemos ver no gráfico que se segue.
Como consequência do desastre econômico provocado pelo deletério cartel OPEP (atual OPEP+) o Brasil iniciou, através da Petrobrás, uma incessante e incansável busca pela autossuficiência em petróleo e refino. Essa é uma empreitada de alto risco, que teve seu investimento financiado pela população brasileira, acionista majoritária da Petrobrás, seja através dos preços cobrados pela empresa, seja pelos aportes públicos.
Quando atingiu a autossuficiência em petróleo, foi tomada, em 2016, uma das mais irracionais medidas econômicas da história recente do país: atrelar os preços internos praticados pela Petrobrás, que dita os preços no país, justamente àqueles manipulados pela OPEP+, “esquecendo” o motivo da própria existência da empresa, como hoje é, e ignorando os malefícios econômicos causados pelo cartel. Como se não bastasse, a empresa abandonou os investimentos em refino, quando estava prestes a atingir a autossuficiência também nos derivados.
Simultaneamente, a Petrobrás foi deixando a importação necessária de refinados, especialmente diesel, a encargo de uma nova modalidade de negócios que surgiu no país com a adoção da PPI, a política de preços adotada em 2016. Esta nova modalidade foi a “importação independente de combustíveis” e, com o tempo, esses importadores independentes cresceram e formaram a poderosa ABICOM – Associação dos ImportadoresIndependentes de Combustíveis. Esse é um dos poucos grupos que ganham com a adoção da PPI, além, é claro, dos acionistas da Petrobrás, que lucram com os dividendos astronômicos devido ao lucro, abusivo, obtido com o alinhamento de seus preços aos da OPEP+ e redução dos investimentos em refino. Necessário lembrar que os ganhos destes ocorrem à custa de toda a economia, consequentemente à custa da população do país e dos acionistas de todas as demais empresas que não são do setor, que teriam resultados melhores se não fossem os preços abusivos da principal fonte energética do país.
Feita esta introdução (que pode ser vista com maior profundidade em outro artigo meu, intitulado “E a Petrobrás Entrou para a OPEP”) vimos que com a recente alta dos preços internacionais do petróleo, manipulado pela OPEP+, surgiu no Brasil uma forte pressão pelos aumentos nos preços dos combustíveis. A ameaça era a de que, com preços mais baixos do que os preços definidos para exportação pelos países da OPEP+, iria faltar os refinados importados no país. Mas isso somente iria acontecer se a direção Petrobrás se mostrasse completamente incompetente e tivesse feito o anúncio do fim da PPI sem o mínimo de planejamento.
Mas foi exatamente esta falta de planejamento elementar, como veremos, que levou a Petrobrás a anunciar, em 15 de agosto, brutal aumento de preços dos combustíveis, mostrando que não havia se preparado para o fim da PPI, revelando a mais absoluta incompetência da sua administração.
A verdade é que, bem pelo contrário, a despeito da disparada dos preços ditados pelo cartel internacional, combustível não estava barato no Brasil e, ao invés de aumentar, a Petrobrás deveria baixar ainda mais os preços internos, que continuavam injustificavelmente altos e, ainda assim, manter alta lucratividade.
Vender a preços inferiores ao preço ditado pela OPEP+, chamado, erroneamente, de paridade internacional, é muito diferente de “subsidiar combustíveis”, como muitos afirmavam. Haveria subsídio na venda dos combustíveis se houvesse venda abaixo de seu preço de custo, considerando preço de custo aquele capaz de remunerar o capital próprio a par com a SELIC. E isso estava muito longe de acontecer.
A paridade internacional a ser seguida pelo Brasil deveria ser aquela com os preços praticados internamente por seus pares autossuficientes e exportadores de petróleo. Nesse caso, como veremos, os preços nas bombas aqui estão muito mais altos do que a paridade internacional.
O Brasil é virtualmente autossuficiente no refino de gasolina, para esse combustível a necessidade de importação é marginal. O problema maior é no GLP e no Diesel, que é o combustível que move a economia. O Brasil precisa importar cerca de 25% do diesel que consome, os outros 75% são de produção nacional. Necessário ressaltar, mais uma vez, que somente não é autossuficiente no refino de todos os derivados porque a Petrobrás abandonou os investimentos essenciais ao refino nos últimos 7 anos.
Com base nisso, apenas a título de exemplo, vamos supor que o Diesel refinado pela Petrobrás tenha o custo de produção de 1 Real e o importado de 2 Reais. O cálculo a ser feito, para o preço de venda, não é sobre o custo da parcela importada. O Diesel não tem que ser vendido por R$ 3 porque o custo do importado é de R$ 2, para ter uma margem bruta, nesse exemplo, de 50% sobre o custo (estou usando aqui números somente para facilitar o exemplo). O custo dela seria 75% x o custo nacional (1 Real) + 25% x o custo importado (2 Reais), o que daria R$ 0,75 + R$ 0,50= R$ 1,25. Então, para ter a margem teórica de 50% sobre seu custo, o preço de venda seria de R$ 1,875. Repare que é ABAIXO do preço do importado (R$2) mas ainda assim garante uma margem de lucro bruto de 50% sobre seu custo.
O exemplo do parágrafo anterior deixa claro que o preço de custo da Petrobrás é a média ponderada pela proporção entre combustíveis importados e refinados no Brasil, e também demonstra porque a própria Petrobrás tem que ser a importadora de combustíveis. Um importador independente não tem produção própria, portanto o seu custo é 100% o custo do combustível importado. Portanto, o fim da PPI implica, necessariamente, no fim da importação independente. Para acabar com a PPI a Petrobrás tem que assumir 100% da importação dos combustíveis necessários e preparar-se para tal mantendo estoques capazes de atender a todo o mercado interno.
Ocorre que, infelizmente, a empresa não se preparou para isso, não aumentou a importação própria em volumes suficientes para atender o mercado nacional e os importadores independentes não iriam vender seus estoques abaixo do preço de reposição.
Com isso houve real risco de desabastecimento do principal combustível, da principal fonte energética do país: o óleo diesel. Como consequência desta ameaça de falta de combustível a Petrobrás se viu obrigada a aumentar seus preços, principalmente para que os estoques dos importadores independentes abastecessem o mercado.
O Brasil, através do pré-sal, tem hoje um dos menores custos de produção do planeta, entretanto, os preços internos de combustíveis aqui são praticamente o dobro dos praticados na Rússia, por exemplo, outro grande produtor e exportador de petróleo. No site www.globalpetrolprices.com podemos verificar que, enquanto a gasolina custa hoje no Brasil, em média, US$ 1,17 o litro, na Rússia custa US$ 0,59 e enquanto o diesel é vendido no Brasil por US$ 1,05, na Rússia o é por US$ 0,65. Usando esses preços como parâmetro, podemos ter uma ideia de como é falacioso o argumento de que combustível no Brasil estava barato demais. De fato, entre os grandes produtores e exportadores de petróleo, o Brasil pratica os maiores preços do mundo.
Vejamos alguns outros exemplos de preços internos praticados por países autossuficientes e exportadores de petróleo. Preços no Qatar: Gasolina US$ 0,57, Diesel US$ 0,56; na Arábia Saudita: Gasolina US$ 0,62, Diesel US$ 0,20. O Brasil é caso único entre os grandes exportadores de petróleo do mundo em que alguns defendem a prática interna de preços ditados pela OPEP, seja por interesses pessoais danosos ao país, seja por desconhecimento, sendo “inocentes úteis”, usados como massa de manobra dos primeiros.
Um outro problema a ser abordado com cuidado, no planejamento, e aí por parte principalmente do governo, é o fornecimento de combustíveis por parte das refinarias privatizadas, como Acelen, antiga RLAM, REMAN e Clara Camarão. As refinarias privatizadas praticam normalmente os maiores preços do país, por serem verdadeiros monopólios regionais, uma vez que custa caro transportar combustíveis de outras refinarias, que vendem mais barato, para as regiões de atuação dessas refinarias. Mas, além disso, tem algo mais grave, ao anunciar o fim da PPI as refinarias da Petrobrás passaram a vender combustíveis a preços inferiores àqueles praticados pelos países integrantes da OPEP+ na exportação de refinados. Com isso, vender no Brasil para essas refinarias tornou-se pouco atrativo, uma vez que os preços internos, dominados pelas refinarias da própria Petrobrás, eram mais baratos, e elas passaram a exportar sua produção, prejudicando o abastecimento do país. Nesse contexto, o que essas refinarias privatizadas queriam era comprar o petróleo mais barato da Petrobrás e exportar os refinados a preços de OPEP.
Como evitar que isso aconteça diante do fim da PPI? Uma solução mais radical seria fazer como os Estados Unidos fizeram por mais de 40 anos, até 2015: Simplesmente proibir a exportação. Outra solução seria, como a Rússia faz, usar o imposto de exportação como regulador de preços e tributar pesadamente as exportações de refinados, de forma que se torne mais atrativo vender internamente do que exportar. Um meio termo seria condicionar a venda de petróleo da Petrobrás, mais barato que o da OPEP+, para essas refinarias à venda interna. Ou seja, se comprar petróleo da Petrobrás, passa a ser obrigatório o fornecimento dos refinados oriundos deste petróleo ao mercado interno, sendo proibida a exportação dos mesmos. Uma vantagem desta última modalidade é que poderia ser imposta pela própria Petrobrás, sem lei que estabeleça. É claro que um aparato de fiscalização teria que ser criado nessas refinarias.
Independentemente de quais medidas deverão ser tomadas a fim de garantir o abastecimento interno de combustíveis diante do fim da PPI, uma coisa é certa: faltou o mínimo de planejamento por parte tanto do governo quanto por parte da direção da Petrobrás. O preço dos refinados em outros países autossuficientes e exportadores de petróleo, como o Brasil, são muito inferiores aos praticados aqui e, além de prejudicar o desenvolvimento econômico do país e causar inflação, são um verdadeiro atestado de incompetência de gestão econômica. É absolutamente inadmissível que um país autossuficiente em petróleo e praticamente autossuficiente no refino fique sujeito aos preços e choques adversos de oferta provocados por um cartel internacional que tanto prejudicou a economia do país e do planeta nas últimas décadas.
(*) Aurélio Valporto é presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin)