Na última quarta-feira (13), o Tribunal de Contas de São Paulo (TCE) deu o prazo de cinco dias para o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) explicar a entrega de terras devolutas com até 90% de descontos para fazendeiros.
Em seu despacho, o conselheiro Antonio Roque Citadini pediu que o secretário de Agricultura, Antonio Julio Junqueira de Queiroz, o diretor-executivo da Fundação Itesp, Guilherme Piai Filizzola, e a procuradora-geral do Estado Inês Coimbra respondam a questionamentos apresentados em representação protocolada pelo deputado estadual Paulo Fiorilo (PT).
Na representação acolhida por Citadini, Fiorilo pede a realização de auditoria ou fiscalização operacional na Fundação Itesp e também na Secretaria de Agricultura. No documento, o parlamentar aponta, entre as razões, o descumprimento das recomendações do Tribunal de Contas em relação ao seu patrimônio, no caso, as terras devolutas.
E também irregularidades na Lei 17.577/2022, que respalda a política de “regularização fundiária” conduzida pelo governo de Tarcísio para favorecer grandes fazendeiros.
As terras devolutas são áreas públicas ocupadas irregularmente que nunca tiveram uma destinação definida pelo poder público e em nenhum momento tiveram um dono particular. As terras, que deveriam ser destinadas à reforma agrária, estão sendo repassadas a grandes fazendeiros pelo governo de SP.
A lei entrou em vigor na gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), mas a administração de Tarcísio, eleito com apoio do agro, passou a colocar em prática e acelerou os processos.
O governo marcou um evento em que dá 33 títulos aos fazendeiros, ao mesmo tempo em concederá títulos a 500 assentados no Pontal do Paranapanema. Para oposição, juntar os dois temas trata-se de uma estratégia para diluir o impacto do programa que beneficia fazendeiros, cuja legalidade será julgada pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia.
Há mais de uma centena de projetos de regularização de terras devolutas em grandes e médias propriedades.
O governo Tarcísio em nota à imprensa afirmou que “os recursos provenientes destas indenizações são destinados estritamente para políticas públicas de saúde, educação e desenvolvimento social e econômico, priorizando investimentos nos respectivos municípios onde houver a regularização fundiária”.
IMPACTOS
Para chamar atenção do Tribunal de Contas para a gravidade dos impactos da medida para estado, destacou que o chamado “programa de regularização” é para áreas correspondentes a cerca de 4.300 hectares (quatro mil e trezentos hectares).
“Dos imóveis considerados aptos para inclusão no programa, nada menos que oito estão em áreas julgadas devolutas por decisão transitada em julgado, e, não obstante, é possível observar a concessão de descontos da ordem de 78% sobre o valor de avaliação calculado com base em informações do (IEA) Instituto de Economia Agrícola)”, aponta Fiorilo.
Segundo o parlamentar, com a execução desse programa, o Estado abriria mão de R$ 47.811.425,88. Isso apenas com os imóveis já aprovados pelo Itesp, sendo que em relação a apenas uma das áreas a disposição é da ordem de R$ 16 milhões. Há mais de 130 áreas devolutas, “o que permite estimar que o patrimônio público a ser afetado pelo programa supere os R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais), a serem transferidos do Governo aos detentores de terras”, observa Fiorilo.
Esse prejuízo, porém, pode ser ainda maior. A razão é que o Itesp não reavaliou, no balanço do exercício de 2019, o valor das terras que compõem o seu patrimônio. Descumpriu, assim, recomendações do próprio Tribunal para as contas de 2010, 2011 e 2012 e apontamentos da Fiscalização em 2016, 2017 e 2018 para que o órgão fizesse a reavaliação de seus bens imóveis.
Fiorilo destacou outra irregularidade na política em curso: o descumprimento do artigo 185 da Constituição do Estado e das determinações contidas na lei 4.957/85, com as alterações introduzidas. Essas legislações determinam que as terras devolutas devem ser destinadas prioritariamente a pequenos proprietários rurais. Ou seja, ao contrário do que tem feito o governo Tarcísio de Freitas, que promove a concentração de terras ao beneficiar grandes proprietários.
Para completar, o chamado programa de regularização autoriza a alienação de terras públicas sem que haja um certame licitatório. Além disso, a legislação em vigor determina que áreas a serem alienadas devem ter no máximo 100 hectares.
Segundo a bancada do PT na Assembleia Legislativa paulista, a estimativa é de que 33 fazendas sejam vendidas com grandes descontos, que variam de 78% a 90% – um prêmio aos beneficiários das terras griladas. Mais de 10 mil hectares de terras que deveriam virar assentamentos de centenas de agricultores familiares, ficarão definitivamente com algumas dezenas de fazendeiros que geralmente possuem mais de uma fazenda.
A representação apresentada hoje ao Tribunal de Contas não é a primeira iniciativa do partido, que é autor de uma ação que questiona no STF a constitucionalidade da Lei 7.326 de 2022, que respalda a reforma agrária “às avessas” de Tarcísio. Além disso, a bancada apresentou impugnações administrativas e Ação Popular.
O prazo dado pelo conselheiro Citadini, do TCE, veio na véspera de um grande evento, com participação do governador Tarcísio, no recinto de exposições de Presidente Prudente, nesta quinta-feira (14).
Na ocasião, serão entregues centenas de títulos de propriedade para os assentados. A expectativa, porém, é de que o momento será aproveitado para confundir a opinião pública ao entregar também títulos da sua reforma agrária “às avessas”.