O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, tornou-se réu pela primeira vez na Lava Jato. O juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia contra o ex-ministro e outras nove pessoas na segunda-feira (13).
Moro rejeitou a denúncia contra o ex-ministro Antonio Palocci. “Ressalvo, segundo a denúncia, apesar de ele ter participado dos fatos (…), consta que teria sido Guido Mantega responsável específico pela solicitação e pela posterior utilização dos R$ 50 milhões”, disse Moro, em seu despacho, sobre Palocci.
Guido Mantega e Antonio Palocci foram denunciados, na sexta-feira (10), pela Procuradoria Geral da República (força-tarefa da Lava Jato no Paraná) por receber dinheiro da Odebrecht para fabricarem as Medidas Provisórias nº 470 e nº 472, beneficiando a Braskem e outras empresas do mesmo grupo.
Essas Medidas Provisórias (o chamado “Refis da crise”, de 2009) foram assinadas por Lula, depois de acerto com Emílio Odebrecht (em um e-mail de 28/08/2009, Marcelo Odebrecht comunica a um diretor da Braskem, Maurício Ferro, e ao lobista-chefe do grupo, Cláudio Melo Filho: “o amigo de meu pai disse que este assunto delegou para o Italiano [Palocci] resolver”).
A parte de Palocci nesse roubo é mais conhecida. A de Mantega, nem tanto.
Mantega tornou-se o operador de Lula, após a demissão de Palocci, em 2011, quando foi revelado que este último aumentara 20 vezes seu patrimônio pessoal entre 2006 e 2010 (v. HP 18/05/2011, Serra diz que a compra do apê por Palocci está bem explicada).
Daí, os 307 encontros de Mantega com Marcelo Odebrecht, entre 14 de março de 2011 e 6 de março de 2015, identificados pela Polícia Federal (PF), após cruzamento das antenas de celulares, que mostrou os dias e locais onde ambos estavam.
Além disso, a PF localizou 118 ligações telefônicas entre o celular de Marcelo Odebrecht e os telefones das secretárias e assessores de Mantega, quando este era ministro da Fazenda da mulher honesta do PT.
E não é tudo: a PF também localizou 129 ligações entre as secretárias de Marcelo Odebrecht e as secretárias de Mantega.
É inevitável concluir, como fazem os procuradores, que essa quantidade de contatos “destoa completamente de uma relação sadia e proba entre um Ministro da Fazenda e um alto executivo de um grupo empresarial” (cf. MPF, Denúncia, pp. 82 e 83).
Se existe gente que, no PT, acha que isso é normal, somente é porque a anormalidade em questões públicas – sobretudo quando se trata de roubar o dinheiro público – passou a ser a norma nesse ambiente deteriorado.
O AMIGO DO PAI
A propina da Odebrecht para Mantega, pela edição das Medidas Provisórias – que concediam isenções (e compensações) de impostos para as empresas do grupo Odebrecht, especialmente para a Braskem – foi de R$ 50 milhões.
O depoimento de Marcelo Odebrecht é, aliás, ilustrativo:
“… pela relevância, este assunto acabou sendo pauta de agenda também do pai do colaborador com o ex-Presidente Lula e de contatos entre Alexandrino Alencar [diretor da Odebrecht mais íntimo de Lula] e Gilberto Carvalho [secretário da Presidência da República];
“… a solução encontrada foi a edição de um programa de pagamento dos débitos (REFIS), que possibilitava a utilização de prejuízos fiscais das empresas como moeda de pagamento, além de parcelar a dívida por vários anos, o que seria viabilizado mediante a edição de uma Medida Provisória pelo Presidente da República” (grifos nossos).
“Prejuízo fiscal” é um resultado negativo, na apuração do lucro real, depois de descontadas as dívidas fiscais, ou seja, o pagamento de impostos.
Frequentemente, é um resultado fabricado para não pagar impostos, quando existe uma legislação que introduz compensações, como é o caso no Brasil, desde a época da ditadura.
O que a Odebrecht queria era, exatamente, a extensão de um privilégio instituído pela ditadura, no Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969, que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerara extinto desde 1990.
Mas, continuemos com o depoimento de Marcelo Odebrecht:
“… como contrapartida à edição dessa Medida Provisória, Guido Mantega pediu uma contribuição que, segundo Mantega, serviria à campanha presidencial de Dilma em 2010, no valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais);
“… esta cifra foi anotada por Mantega em um papel e mostrada [a Marcelo Odebrecht] em uma das reuniões em que se negociava sobre o assunto;
“… o valor veio espontaneamente de Mantega, sem qualquer correlação com o benefício que a Braskem teria ao final;
“… tendo em vista a gravidade do tema para a Braskem, cujo passivo era bilionário e poderia comprometer suas atividades, [Marcelo Odebrecht] resolveu, com a concordância do Presidente da Braskem à época (Bernardo Gradin), assumir o compromisso dos R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) solicitados por Guido Mantega;
“… essa solicitação foi feita diretamente por ele em uma reunião com o depoente;
“… a reunião se deu no escritório do Ministério da Fazenda na av. Paulista, que era na sede da Caixa Econômica Federal, provavelmente no segundo semestre de 2009;
“… Mantega disse que tinha uma expectativa de doação para a campanha de Dilma no valor de R$ 50.000.000,00;
“… Mantega não falou do valor, mas o anotou num papel e mostrou ao colaborador, ficando claro para o colaborador que a doação seria dada em contrapartida à edição da MP nº 470/2009, posteriormente alterada pela MP nº 472/2009;
“… a Braskem ficou responsável pelo custo desta contribuição, conforme previsto na Planilha Italiano”.
A quantia foi mantida em uma “conta” no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht (o departamento de propina), à disposição de Mantega. Uma parcela desse dinheiro (R$ 15 milhões e 150 mil) foi repassada para o marketeiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, na campanha eleitoral de Dilma, em 2014.
REFIS DA PROPINA
Por que essas Medidas Provisórias eram tão importantes para a Odebrecht (além do fato de que os Odebrecht detestavam pagar qualquer imposto)?
Exatamente porque o Supremo Tribunal Federal (STF) havia negado o que essas MPs permitiam: o abatimento de impostos (“prejuízos fiscais”) através do aproveitamento de crédito ficto (ou seja, fictício) do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), algo chamado “crédito-prêmio do IPI”.
A Odebrecht queria estender esse privilégio, encerrado em 1990, até 2002, e, depois, até 2008. E conseguiu, através da MP nº 470.
Porém, logo em seguida, quiseram estendê-lo também ao ano de 2009.
E conseguiram, através da MP nº 472.
Era, portanto, uma dupla burla: ao fisco e à Justiça.
O assunto foi tratado diretamente com Lula, chamado, por Marcelo Odebrecht de “o amigo de meu pai”. Por exemplo, no seguinte e-mail:
Noutro e-mail, um diretor da Braskem apresenta um cálculo, com um abatimento de 90% na dívida tributária da empresa, se as medidas provisórias fossem editadas.
Marcelo Odebrecht descreveu a edição da MP nº 472 do seguinte modo:
“… então, foi editada a MP 470, trazendo um regime específico para tratamento do passivo do IPI alíquota 0% e crédito-prêmio de IPI, ao qual a Braskem aderiu;
“… a adesão da Braskem ao Refis previsto na MP 470/2009 foi feita em 2009 mediante o pagamento de parte dos débitos com prejuízos fiscais gerados até 2008 e parte em dinheiro;
“… os valores em espécie foram divididos em 12 parcelas mensais, a primeira com vencimento em novembro de 2009;
“… o pleito feito a Guido Mantega havia sido, portanto, atendido;
“… considerando que a Braskem teve prejuízos fiscais no ano de 2009, [Marcelo Odebrecht] fez um novo pleito ao ministro Guido Mantega, pedindo-lhe que fosse inserida previsão legal para permitir a utilização de prejuízos fiscais também de 2009 (não se limitando ao ano de 2008) para a quitação das parcelas vincendas do Refis da Braskem;
“… como [Marcelo Odebrecht] tinha recebido de Guido Mantega a certeza de que seria editada uma Medida Provisória para atender este pleito, comunicou à Braskem que ela poderia suspender os pagamentos das parcelas nos termos da MP 470/2009;
“… como prometido, o Ministério da Fazenda encaminhou proposta de inclusão de dispositivo legal à MP 472/2009, a qual foi convertida na Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, contemplando, em seu art. 81, o pleito da Braskem;
“… foi com base na edição da MP 472/2009 que foi viabilizada a utilização de passivos relativos ao ano de 2009;
“… esse pedido foi feito a posteriori em função de que somente perto do final do ano houve a solidificação do prejuízo;
“… assim a Braskem pôde quitar as seis últimas parcelas do seu Refis que estavam pendentes, bem como as parcelas que deixaram de ser pagas com o prejuízo fiscal de 2009;
“… Palocci acompanhou toda a evolução do problema, até sua solução, inclusive participando de algumas reuniões junto com Guido Mantega.”
Por isso, a Odebrecht passou R$ 50 milhões a Mantega, chamado, nas planilhas do “Setor de Operações Estruturadas”, de “Pós-Itália” (não apenas porque substituíra o “Italiano”, que era Palocci, mas também porque Mantega nasceu em Gênova, Itália).
QUEM SE APROVEITOU?
A questão, então, considerando que uma parte da propina foi repassada para os marketeiros de Dilma, é: qual o destino, além daquilo que ele mesmo roubava em causa própria, das propinas recebidas por Mantega?
Isso vai além dos R$ 50 milhões para a edição das MPs 470 e 472.
“Guido Mantega também atuou de forma expressiva na obtenção de valores espúrios em favor do Partido dos Trabalhadores, em especial no período em que exerceu o cargo de Ministro da Fazenda Nacional.
“Pelo menos desde meados de 2009, Guido Mantega, no exercício do cargo de Ministro da Fazenda, estabeleceu com Marcelo Odebrecht uma relação ilícita longa e duradoura envolvendo o favorecimento aos interesses do Grupo Odebrecht, em troca do recebimento de vantagens indevidas, as quais eram contabilizadas em uma contabilidade informal denominada “Conta Pós Itália”.
“Através dessa relação ilícita mantida com a Odebrecht, Guido Mantega negociou propina em um montante equivalente a R$ 173 milhões, dos quais pelo menos R$ 143.999.000,00 foram efetivamente repassados pela Odebrecht no interesse do Partido dos Trabalhadores por meio de Guido Mantega”.
Para quem, no PT, foi esse dinheiro?
ILÍCITO
Uma parte foi encontrada em duas contas secretas no exterior, em nome de Mantega.
A principal, batizada com o sugestivo nome de “Papillon”, tinha US$ 1.777.213 (um milhão, setecentos e setenta e sete mil, duzentos e treze dólares).
Em outra, havia US$ 143.608,00.
Somente em 21/07/2017, Mantega tentou “repatriar” esse dinheiro, apresentando como sua origem uma permuta imobiliária (entre dois prédios – nos 215 e 235 da rua Pequitita, em São Paulo e algumas unidades no edifício Atrium VII, também em São Paulo).
O problema é que os valores não batem.
1º) a permuta foi realizada “sem que tenha restado qualquer valor adicional a ser pago por qualquer uma das partes”, segundo a certidão registrada em cartório;
2º) o valor total da permuta (R$ 1.198.540,50) é menos da metade do valor depositado no exterior, ao câmbio da época, correspondente a R$ 2.845.050,00;
3º) para piorar, Mantega era proprietário de apenas 75% dos imóveis permutados, o que torna o valor depositado no exterior o triplo do que ele poderia ter auferido, se a transação no Brasil fosse em dinheiro.
Evidentemente, os valores depositados nas contas de Mantega são ilícitos – se depender da explicação que ele apresentou, e até agora não conseguiu apresentar outra.
E esse sujeito era o ministro da Fazenda da mulher honesta – e guru do PT em matéria econômica (é verdade que substituído pelo Meirelles, logo quer Lula tomou posse…).
Porém, essa é uma pequena parte do que o PT recebeu, através de Mantega, da Odebrecht.
Quem recebeu, como dizem os marginais, a parte do leão?
C.L.