Sob ataque especulativo e guerra comercial de Trump, a moeda turca perdeu em menos de uma semana 20% do seu valor em relação ao dólar e 45% desde o início do ano, com a derrubada ameaçando atingir outras moedas dos países ditos emergentes, temor de ‘contágio’ nos bancos europeus expostos à dívida turca, e com os especuladores descaradamente exigindo que Ancara jogue os juros nas alturas ou vá ao FMI. O presidente Recep Erdogan afirmou que o país não está em crise, mas sob os “mísseis” da flutuação de câmbio e os “terroristas” a soldo dos especuladores internacionais. Ele denunciou que os EUA “esfaquearam a Turquia pelas costas” e rasgaram as normas da OMC.
Em seu discurso anual aos diplomatas turcos, Erdogan denunciou que a Turquia estava confrontando “um bloqueio econômico”. “Ficou claro que os ataques contra a Turquia, que começaram em 15 de julho [de 2016] não irão terminar, devemos estar prontos para isso. Nos anos recentes, todos os ataques a nós só podem ser explicados pelo fato de que estamos resolutamente defendendo nossos interesses”. Ele acrescentou que o que aconteceu com a lira “não tem nada a ver com a economia e as crises que tivemos antes … nossa economia está saudável, permanece firme e se manterá firme”. “A taxa de câmbio retornará a indicadores razoáveis em um futuro próximo”, afiançou.
O caso do pastor norte-americano acusado de envolvimento com o golpe para derrubar Erdogan é só um pretexto para obrigar a Turquia a se dobrar a Washington, sendo sabido que estão cobrando a fatura do oleoduto otomano-russo “Turk Stream”, do acordo de compra do sistema antimíssil russo S-400, do recuo na Síria e da recusa em suspender a compra de petróleo iraniano. No ano passado, a economia da Turquia cresceu 7,4%, mais que a China, e no patamar da Índia. Trump deu a senha para o ataque especulativo contra a lira, com sua tuitada anunciando que iria elevar no caso da Turquia a sobretaxa sobre o aço para 50% e a sobre o alumínio, para 20% – o dobro do aplicado aos demais países – e explicando que as relações “estavam ruins”.
Entre os bancos que estão na linha de fogo de Trump contra a Turquia, estão o BBVA espanhol, com 83,3 bilhões de euros de exposição, o italiano UniCredit, com 38,4 bilhões de euros e o francês BNP Paribas, com 17 bilhões. Em Berlim, a primeira-ministra Ângela Merkel disse que flagelar a Turquia não ia fazer bem a ninguém e que a Europa precisava de uma Turquia próspera. Um ministro italiano disse temer um ataque especulativo contra seu país em breve. Outras moedas, como o rand sul-africano, o peso mexicano e a rúpia indiana, sentiram o baque. O BC argentino correu a elevar os juros básicos de 40% para 45%.
Erdogan até aqui se recusa a elevar os juros, com o BC turco ampliando o limite de garantia de depósitos de operações com liras de 7,2 bilhões de euros para 20 bilhões, restrição dos swaps cambiais e injeção de US$ 6 bilhões e o equivalente em ouro a US$ 3 bilhões para sustentar a liquidez do sistema bancário. O presidente turco convocou a população a se desfazer de dólares e euros para sustentar a lira, acrescentando que se eles, os “assassinos econômicos” têm dólares, “nós temos nosso povo e nosso Deus”.
Analistas advertem que empresas que se endividaram em dólares terão grandes dificuldades para escapar da inadimplência, aumentando a pressão sobre os bancos expostos, o que preocupa o BCE, conforme o Financial Times. O presidente turco convocou também os industriais de seu país a “manterem esta nação de pé”: “eu os estou chamando, não ataquem os bancos para comprar divisas”. “Caso contrário, colocaremos em ação nossos planos B e C”. Talvez o principal entrave seja o déficit em conta corrente, que atualmente é de 5,4% do PIB.
Já o paladino das causas progressistas na City londrina, o Guardian, reportou com grande destaque os doutos conselhos de um especulador a Erdogan: “O passo mais imediato a ser dado para resgatar a lira é um aumento acentuado da taxa do banco central. Se esta medida for tomada em conjunto com uma mudança na retórica do governo, o mergulho da lira pode parar e as saídas de investimento de portfólio podem diminuir”. Como na conhecida anedota, já se percebe que o olho do especulador que expressa empatia é aquele de vidro.
ANTONIO PIMENTA