Os quatro suspeitos de assassinar três médicos na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, podem ter sido mortos entre 10 e 12 horas após cometerem o crime, segundo hipótese levantada a partir de um laudo produzido por peritos da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).
O irmão da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Diego Ralf Bomfim foi um dos três médicos assassinados no quiosque na orla da Barra da Tijuca. Marcos de Andrade Corsato e Perseu Ribeiro foram as duas outras vítimas mortas no ataque. O grupo alvejado por tiros tinha quatro médicos, um sobreviveu.
O grupo estava hospedado em hotel em frente ao quiosque e participava do 6º Congresso Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva do Pé e Tornozelo (Mifas), iniciado nesta quinta-feira. Por conta do crime, a organização cancelou a cerimônia de abertura, que seria realizada durante a tarde.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro investiga a hipótese de que os três médicos tenham sido mortos por engano. Segundo a polícia, o médico Perseu Ribeiro Almeida teria sido confundido com o miliciano Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, filho do Dalmir Pereira Barbosa, apontado como chefe da milícia de Rio das Pedras.
O grupo de Taillon estaria em guerra com o Comando Vermelho pelo controle de bairros da região. Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), o criminoso seria responsável pelo transporte alternativo de vans e mototáxi, além de serviços básicos, como fornecimento de água, gás e TV a cabo em Rio das Pedras.
A grande repercussão da notícia teria desagradado lideranças do Comando Vermelho, facção à qual o grupo criminoso – suspeito de matar os médicos – estaria vinculado. As lideranças da facção teriam ordenado a morte dos assassinos dos médicos.
A hipótese foi levantada depois que a Polícia Civil encontrou, na madrugada desta sexta-feira (6), os corpos de quatro pessoas em dois carros. Dois dos mortos foram identificados como suspeitos de envolvimento com os assassinatos dos médicos. Outros dois ainda não foram identificados.
CASTRO TENTA DESCARTAR MOTIVAÇÃO POLÍTICA
Na tarde desta sexta-feira (6), o governador do Rio, Cláudio Castro, considerou estar “totalmente descartada” algum tipo de motivação política para a execução dos médicos Em coletiva de imprensa no Palácio Guanabara, na Zona Sul do Rio, Castro afirmou que as investigações continuam contra o crime organizado, que chamou de máfia. O governador do Rio defendeu a união de forças estaduais e federais para combater a criminalidade.
“O problema não é do estado do Rio, é do Brasil. Nós só conseguiremos ter sucesso se for um combate de todos. Nós não estamos mais falando de uma briga de milicianos, traficante. Estamos falando de uma verdadeira máfia, que verdadeiramente tem entrada nas instituições, nos poderes, no comércio, nos serviços e inclusive no sistema financeiro nacional, que cada dia mais possuem suas próprias estruturas, inclusive, seus próprios tribunais”, disse o governador.
Castro afirmou que a máfia se expande por todo o território nacional e que no Rio de Janeiro foram apreendidas neste ano mais de 4 mil armas, sendo 472 fuzis. O secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, acrescentou que foram apreendidos sete mil celulares em presídios do Rio neste ano.
“Eu não apoiei o presidente Lula, o presidente Lula não me apoiou. Mas essa não é uma situação nem política, nem partidária. É uma questão de Segurança Pública e que temos que dar as mãos, deixando ideologia de lado. O que vale é garantir a vida de cada cidadão desse estado e desse país. Por isso estamos irmanados, forças estaduais e federais”, reforçou Castro.
O ministro da Justiça Flavio Dino envolveu a PF na investigação do caso. “Em face da hipótese de relação com a atuação de dois parlamentares federais, determinei à Polícia Federal que acompanhe as investigações sobre a execução de médicos no Rio. Após essas providências iniciais imediatas, analisaremos juridicamente o caso. Minha solidariedade à deputada Sâmia, ao deputado Glauber e familiares”.
Uma análise feita pelo Grupo Especial de Crime (GELC) da DHC aponta que, dentro de um Honda HRV no Camorim, foram encontrados três corpos de homens, dois brancos e um pardo, que aparentavam há 25 anos. Todos estavam de camisas, bermudas e tênis. O carro teria sido abandonado no local por volta das 22h55 e o seu motorista resgatado por uma motocicleta, de modelo e cor não identificados.
Já na Praça da Gardênia Azul, também na região de Jacarepaguá, na Zona Oeste, e disputada entre milicianos e o Comando Vermelho, os agentes retornaram um quarto corpo, por volta das 23h31, dentro dos porta-malas de um Toyota Yaris. O homem, que seria Philip Motta Pereira, conhecido como Lesk, também apresentou “múltiplos danos provocados por projeto de arma de fogo”.
MILÍCIAS E COMANDO VERMELHO
Gardênia Azul é uma área é reduto tradicional da milícia de Lesk, essa região foi alvo da aliança da milícia com o Comando Vermelho. Após essa aliança, ocorreram mais de 50 assassinatos atribuídos à disputa interna da milícia (entre os milicianos que querem a aliança com o Comando Vermelho e os milicianos que não querem), segundo a polícia.
Luís Paulo Aragão Furtado, conhecido como Vin Diesel, foi morto no dia 16 de setembro. Ele era ligado ao grupo de Lesk e foi atacado por milicianos por ter auxiliado a entrada do Comando Vermelho na Gardênia Azul. O grupo de Lesk então estaria tentando revidar, com assassinatos de suspeitos de envolvimento na morte de Vin Diesel.
A Polícia Civil indica que a aproximação entre o tráfico de drogas e milícias tem se intensificado nos últimos anos, dando origem ao termo “narcomilícia”.
Essa ligação da milícia com o Comando Vermelho, maior facção do Rio, só passou a ser investigada neste ano. As apurações apontam uma parceria que envolve fornecimento de armamento pesado para confrontos com rivais e uma aliança comercial envolvendo a venda de drogas e permissão para explorar o território com práticas já ligadas à milícia. Isso inclui venda de gás, água, transporte irregular e cobrança de taxa a moradores e comerciantes, indicam as investigações.
“A maior milícia do Rio, que era forte, hoje está fragmentada. O Comando Vermelho sempre teve um distanciamento em relação aos grupos paramilitares, mas isso mudou. O que vemos é um avanço do tráfico em regiões que eram dominadas por milicianos e um pacto de paz entre essas duas organizações”, afirmou André Neves, delegado da Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas).
CHACINAS NA ZONA OESTE
De acordo com a ONG Fogo Cruzado, esta é a 37ª chacina mapeada no Grande Rio este ano. “Uma em cada três chacinas mapeadas na região metropolitana do Rio em 2023 ocorreram na Zona Oeste da cidade, e deixaram 43 pessoas mortas. A chacina que terminou com a morte de 3 homens no quiosque é a primeira registrada este ano na Barra”, afirma a instituição.
Uma chacina é quando 3 ou mais civis são mortos em uma mesma situação. Elas são muito frequentes no Rio. Nos últimos 7 anos, mapeamos 392 chacinas no Grande Rio. 72% aconteceram durante ações policiais.