Segundo o economista, o Brasil ainda possui uma grande contingente de mão-de-obra desocupada que só poderá ser empregada no setor moderno da economia brasileira (empregos com carteira de trabalho) se o ritmo de crescimento econômico for mantido, “para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic”
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), analisa neste artigo o mercado de trabalho no Brasil e alerta que “uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido”.
“Isso porque, segundo ele, “em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego”.
Oreiro afirma o Brasil ainda possui um grande contingente de mão-de-obra se o ritmo de crescimento econômico for mantido, “para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic”.
O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL: ESTAMOS PRÓXIMOS DO PLENO-EMPREGO?
JOSÉ LUIS OREIRO
Recentemente foi divulgada nova pesquisa da PNAD contínua mostrando que a taxa de desocupação no Brasil chegou a 7,8% da força de trabalho, o menor número verificado na série desde fevereiro de 2015, no início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff. Considerando que entre fevereiro de 2016 a abril de 2022, ou seja, por um período superior a 6 anos, a taxa de desocupação ficou acima dos 10% da força de trabalho, trata-se sem sombra de dúvida de um bom resultado.
No entanto, devemos ter uma certa cautela na interpretação desse resultado. Uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido. Isso porque, em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego. No primeiro caso, postos de trabalho estarão sendo criados porque as empresas estarão produzindo e vendendo mais bens e serviços de forma que irão necessitar de mais trabalhadores. No segundo caso, a redução do desemprego terá sido o resultado de pessoas que simplesmente desistiram de procurar emprego e se retiraram da força de trabalho. Nesse caso, temos um aumento dos trabalhadores desalentados, os quais não aparecem nas estatísticas oficiais de desocupação.
A figura 1 abaixo apresenta a média móvel em 12 meses da taxa de desocupação e da taxa de participação na força de trabalho no período compreendido entre dezembro de 2012 e agosto de 2023.
Após atingir um pico de 63,67% em janeiro de 2020, a taxa de participação declina para o valor mínimo da série de 58,43% em fevereiro de 2021, devido as medidas de distanciamento social combinadas com o auxílio emergencial no contexto da pandemia do covid-19. O avanço da vacinação contra a Covid-19 ao longo de todo o ano de 2021 e no primeiro semestre de 2022 permitiu o gradual relaxamento das medidas de distanciamento social com a reabertura do setor de serviços, o que permitiu um aumento da média móvel da taxa de participação para 62,48% da força de trabalho em dezembro de 2022. No mesmo período a taxa de desocupação caiu de 14,28% da força de trabalho (fevereiro de 2021) para 9,17% da força de trabalho em dezembro de 2022. A redução do desemprego foi, portanto, acompanhada por um aumento da taxa de participação, o que mostra que foram gerados postos de trabalho em volume mais do que suficiente para absorver os trabalhadores que haviam saído da força de trabalho durante o período da pandemia.
O que soa estranho, contudo, é que após ter atingido um pico em dezembro de 2022, num patamar inferior ao verificado no período pré-pandemia, a média móvel da taxa de participação começa novamente a cair, atingindo um nível de 61,77% em agosto de 2023, um valor 1,9 p.p mais baixo do que o verificado em janeiro de 2020 e 0,71 p.p mais baixo do que em dezembro de 2022. Entre dezembro de 2022 e agosto de 2023 a média móvel da taxa de desocupação cai de 9,17 % da força de trabalho para 8,23%, ou seja, uma redução de 0,94 p.p. Dessa forma, 75,5% da redução da taxa de desocupação observado nesse período se deu pelo movimento de saída de pessoas da força de trabalho, e menos de 25% se deveu a criação de novos empregos.
Esses dados nos mostram que o mercado de trabalho não está tão aquecido como se poderia vislumbrar a primeira vista. Se a taxa de participação voltasse instantaneamente ao nível verificado pré-pandemia, a taxa de desocupação estaria próxima de 10% da força de trabalho, número similar a média da taxa de desocupação verificada entre março de 2012 e agosto de 2023. Daqui se segue que o Brasil ainda possui uma grande contingente de mão-de-obra desocupada que só poderá ser empregada no setor moderno da economia brasileira (empregos com carteira de trabalho) se o ritmo de crescimento econômico for mantido em torno de 3 a 3,5% ao ano nos próximos anos.
Para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic, uma vez que em 2024 (i) dificilmente poderemos contar com um aumento significativo da produção de grãos, tal como ocorrido em 2023, devido ao fenômeno climático do El niño e (ii) a implantação do Novo Arcabouço Fiscal deverá produzir uma política fiscal neutra do ponto de vista da demanda agregada, ou seja, uma situação em que o impulso fiscal será, na melhor cenário igual a zero, quando não negativo.
Reproduzido do blog do autor: https://jlcoreiro.wordpress.com/