Em reunião para discutir a redução dos extorsivos juros no cartão de crédito, que chegam a 445,7% ao ano, o presidente do BC defende arrochar o crédito no Brasil
Representantes do comércio, bares e de maquininhas de cartões se manifestaram contrários à proposta do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, de limitar as compras parceladas no cartão de crédito sem juros em 12 vezes e definir um teto para a tarifa de intercâmbio para compras no crédito. A proposta foi apresentada na última segunda-feira (16), em reunião protagonizada pelo Banco Central com representantes dos bancos, fintechs, empresas de setores de pagamentos e varejo, para debater o limite dos juros do rotativo.
No início deste mês, o Congresso Nacional aprovou a lei que estabelece 90 dias (já em curso) para que o Conselho Monetário Nacional (CMN) defina um limite para os juros do rotativo do cartão. A taxa de juros cobrada no cartão de crédito do rotativo está em 445,7% ao ano, em média.
Segundo fontes que participaram da reunião, Campos Neto defendeu que a redução dos juros do rotativo está condicionada à limitação do parcelamento do cartão de crédito. Essa condicionante não consta na lei que limitou os juros do rotativo ao teto de 100% do valor original da dívida, em caso do CMN não definir um limite para os juros do rotativo até o prazo de 90 dias. Pelo contrário, os congressistas e o governo têm se manifestado contra a limitação do parcelado sem juros.
A reunião de ontem foi marcada por momentos de ânimos exaltados, segundo interlocutores. De acordo com a proposta apresentada por Campos Neto, a limitação do parcelado sem juros a 12 meses, com uma possível criação de uma tarifa adicional, poderia reduzir a inadimplência. Além disso, haveria redução de custo das operações por meio de um limite para a tarifa de intercâmbio, que são pagas aos emissores de cartões de crédito pelos comerciantes que alugam as “maquininhas”.
A limitação do parcelado sem juros em até 12 vezes pode afetar diretamente o consumo de materiais de construção e eletrodomésticos, em que os consumidores, principalmente os de baixa renda, buscam os parcelamentos mais longos e sem incidência de juros, que chegam a até 24 vezes sem encargos.
A Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag) manifestou-se inteiramente contrária a qualquer limite ao parcelamento sem juros. A Anamaco, entidade das lojas de material de construção, afirma que a redução das parcelas traria grande prejuízo para o setor da construção civil, cujas vendas, em média, são parceladas em 18 vezes.
Já Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) teme que essa proposta seja o primeiro passo para um corte maior das parcelas. “A questão é se vai mesmo ficar em 12, porque depois podem querer reduzir para nove, seis parcelas, e isso é inaceitável”, criticou o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci. “Eu disse que precisava ver uma proposta formal, por escrito, para podermos avaliar”, disse ao Valor Econômico.
Além disso, a inadimplência, que hoje atinge 30% dos brasileiros, segundo pesquisa da CNC, é um reflexo da política de arrocho monetário que está sendo imposta pelo BC, ao manter a taxa básica de juros (Selic) – que ficou por doze meses (de agosto de 2022 a agosto de 2023) em 13,75%, em níveis ainda elevados, travando a economia, a geração de emprego e elevando as dívidas das famílias e das empresas.
No entanto, Campos Neto decidiu passar por cima da decisão do Legislativo ao colocar na mesa de discussão a demanda dos bancos, que alegam que terão prejuízo com a limitação dos juros do rotativo.