
Redução de 5% no orçamento da educação representa tirar R$ 9,66 bilhões da área. “Um dos mais sérios ataques à educação de São Paulo”, critica UMES
Especialistas da educação brasileira criticam a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que reduz o percentual mínimo de dinheiro que deve ser aplicado em Educação no Estado de São Paulo.
A proposta é vista com preocupação por defensores da área, que temem um agravamento dos problemas da rede paulista de ensino.
“Eu diria que é a pá de cal na educação básica”, afirmou José Marcelino de Rezende Pinto, vice-presidente da Fineduca, a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, ao portal Metrópoles.
Atualmente, a Constituição Estadual determina que pelo menos 30% da receita com impostos seja destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino público. O montante, cerca de R$ 54 bilhões, financia toda a rede estadual (ensinos Fundamental e Médio), as escolas técnicas (Etecs), as Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e até mesmo as três universidades estaduais, sendo a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de São Paulo “Julio de Mesquita Filho” (Unesp) e Universidade de Campinas (Unicamp).
Esse piso estadual é 5% superior ao percentual mínimo para educação exigido pela Constituição Federal: 25%. A PEC do Manejo enviada por Tarcísio nesta semana à Assembleia Legislativa (Alesp) busca alterar a Constituição paulista para permitir que esses 5% “extras” possam ser remanejados para a saúde, conforme a necessidade identificada pelos governantes.
Apesar de não informar quanto a Educação pode perder, o governo projeta para 2024 uma receita líquida de R$ 193,23 bilhões, segundo consta no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) enviado à assembleia. A redução de 5% representa tirar R$ 9,66 bilhões da área.
Para José Marcelino, a flexibilização dificultará o atingimento de metas importantes do Plano Nacional de Educação, como a presença de mais alunos nas escolas estaduais no Ensino Médio.
Além do ensino básico, o especialista afirma que o impacto da PEC poderá ser sentido pelas escolas técnicas e até mesmo o ensino superior, no caso das Fatecs. “Esse corte afeta todo o sistema educacional paulista”, afirma o pesquisador.
No caso das universidades estaduais, contudo, a PEC, caso seja aprovada pela Alesp, não vai alterar os repasses feitos pelo governo. USP, Unesp e Unicamp recebem, mensalmente, uma cota fixa de 9,57% ICMS.
O governo Tarcísio não divulgou quais programas educacionais terão recursos remanejados caso a flexibilização seja aprovada pelos deputados estaduais.
CORTE SEM CRITÉRIOS
Para Alexandre Schneider, pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (DGPE-FGV), falta clareza sobre quais estudos embasaram a PEC.
“Não há clareza de que com menos dinheiro a educação paulista vai dar conta de seus desafios”, diz Schneider, que foi secretário municipal de Educação da capital paulista entre 2017 e 2019.
O pesquisador diz que o ideal seria que o governo apresentasse uma avaliação dos programas de educação que serão impactados e que fosse feita uma análise do custo-benefício da medida.
Ele cita que a educação paulista tem desafios importantes a serem resolvidos, como a alta presença de professores temporários, as metas de educação em tempo integral e o alto número de alunos por sala.
“É uma rede que ainda precisa de investimentos tanto em recursos humanos quanto estruturais”, afirma Schneider.
O QUE PRECISAMOS É DE MAIS INVESTIMENTO
A União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP) considera que a PEC do corte de Tarcísio representa um dos mais sérios ataques à educação de São Paulo realizado nos últimos anos. O presidente da entidade, Lucca Gidra, em declaração à Hora do Povo, alerta que a educação paulista está em um sério risco.
“Desde a reorganização escolar de 2015 [quando o governo estadual anunciou o fechamento de mais de 3 mil salas de aula no Estado], eu acho que a educação do estado de São Paulo nunca teve tão em risco quanto agora, com esse corte de R$ 9 bilhões. As escolas já estão sem estrutura, já tem falta de professores constantes, os alunos já carecem de questões básicas, como, por exemplo, a gente tem uma aula num laboratório, e agora, com esse corte, a possibilidade de a gente ter uma educação de qualidade fica quase impossível.
“O que precisamos é de mais investimento e o que o governador está fazendo de maneira muito insensível é cortar o orçamento da educação justamente no momento que a gente precisa investir, precisamos avançar nosso país, precisamos nos desenvolver, ele está fazendo esse corte”, repudia Lucca.
Tarcísio alega que a proposta de flexibilizar a vinculação adicional de 5% para que possa ser utilizado tanto na manutenção e no desenvolvimento do ensino, como para financiamento adicional das ações e serviços de saúde, para o fortalecimento do setor de saúde no estado.
Mas, como alerta Lucca, os recursos são essenciais para a educação do Estado que sofre com escolas sem recursos e destruídas.
“Só para ter uma ideia da importância dessa verba, esses R$ 9 bilhões representam 16% do orçamento da área e esses recursos vão fazer falta. As escolas esse ano já pararam de receber absorvente, que estavam previstos no programa dignidade íntima, já receberam menos dinheiro para investimento e reforma nos prédios. Os grêmios também ficaram sem verbas esse ano”, disse o presidente da UMES.
“Então o governo já está fazendo uma política de diminuição de repasse das políticas públicas que vieram do último período e agora, com esse corte, vai ficar mais gritante a situação. É um projeto que visa precarizar o ensino para abrir margem para privatizar”, denuncia Lucca. “Tarcísio e seu secretário, Renato Feder já jogaram abertamente que pretendem privatizar a gestão das escolas, que querem mercantilizar o máximo possível e essa precarização do ensino vem nesse sentido”.
IMPACTO DIRETO
Da mesma forma, o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, refuta a justificativa apresentada pela gestão estadual. “Na prática, segundo os nossos estudos demográficos, esse tipo de análise de menor pressão orçamentária para a educação vai ser real no estado de São Paulo a partir [do ano] de 2040. A gente está muito distante dessa realidade que o Tarcísio está trazendo”, diz o pesquisador.
Daniel afirma que, mesmo em 2040, a pressão se dará primeiro para a educação infantil, cuja responsabilidade é das prefeituras, e só depois chegará aos ensinos Fundamental e Médio, cuja gestão compete ao estado.
O especialista diz que a análise sobre as mudanças populacionais precisa abarcar também a diversidade de comportamentos nas diferentes regiões do estado. “Em algumas regiões falta escola, em outras pode até ter baixíssima demanda por matrícula, pode ter vaga ociosa. O que o governo do estado tem que fazer nesse caso? Tem que redistribuir escola, [ou seja], ainda exige uma necessidade de investimento”, diz o professor.
Para o especialista, a flexibilização dos recursos deve impactar principalmente a manutenção de escolas, a remuneração dos profissionais de educação e as escolas técnicas (Etecs). “Esse recurso vai fazer muita falta”, ressaltou Daniel Cara.
EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PEDE SOCORRO
Cesar Callegari, presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, afirma que a proposta coloca em risco todos os níveis educacionais do Estado. Como o governo não apresentou de onde pretende retirar os 5%, todas as etapas ficam suscetíveis a cortes.
“A educação básica inteira de São Paulo pode ser prejudicada com essa mudança. O governador tinha a oportunidade de destinar mais recursos e mudar uma trajetória mal sucedida no estado, mas está optando pelo caminho inverso”, diz Callegari, ex-secretário de Educação da capital e ex-membro do Conselho Nacional de Educação.
“A educação de São Paulo tem uma série de problemas, está atrás de vários estados. É claro que a saúde precisa de mais investimentos, mas é preocupante que a saída encontrada seja retirar recursos de uma rede de ensino que não está bem”, apontou Callegari.