WALTER NEVES
GABRIEL ROCHA
LETICIA VALOTA
Núcleo de Pesquisa e Divulgação em Evolução Humana
Instituto de Estudos Avançados da USP
Desde o início da Paleoantropologia no século XIX, a todo fóssil hominínio encontrado era atribuída uma nova espécie. Assim, proliferaram nomes como Pithecanthropus erectus, Homo paleojavanicus, Zijanthropus boisei. Isso basicamente ocorria porque todo descobridor do fóssil queria deixar o seu nome para a eternidade. Havia também uma outra tradição perversa que era o nacionalismo, ou seja, cada país queria ter uma espécie da linhagem humana descrita em seu território. Essa estratégia durou até 1950 quando Dobzhansky e Mayr propuseram a existência de apenas dois gêneros na evolução humana: os Australopithecus e Homo, ao qual pertencemos todos nós. Isso fez com que nos anos 1960 e 1970 a maior parte dos fósseis da linhagem hominínia encontrados fossem alocados a gêneros e espécies já descritos.
Ao final dos anos 1970, Ian Tattersall do Museu Americano de História Natural efetuou um experimento e abriu a porteira para a admissão de novos gêneros e espécies, praticamente a cada novo fóssil encontrado. O experimento de Tattersall foi muito simples: ele estudou os lêmures de Madagascar, uma ilha no leste africano na qual existem dezenas de espécies desses primatas. A partir desse estudo, o autor demonstrou que, se os esqueletos desses lêmures fossem examinados como os paleoantropólogos faziam com os esqueletos dos hominínios, haveria uma subestimação do número de espécies quando comparado com a realidade. A partir desse momento, começou a proliferar novamente na literatura muitos nomes de novos hominínios. Por exemplo, em termos de gênero, agregou-se a Australopithecus e Homo os gêneros Paranthropus, Kenyanthropus, Ardipithecus, Sahelanthropus e Orrorin. O Homo heidelbergensis, que ocupou praticamente todo o velho mundo durante o Pleistoceno Médio, foi dividido em Homo heidelbergensis sensu stricto, Homo rhodesiensis, e Homo daliensis. Um espécime claramente de Homo erectus encontrado na Espanha e datado em 1.4 milhão de anos foi batizado por puras razões paroquiais como Homo antecessor. À espécie Australopithecus afarensis foram agregadas sem absoluta necessidade o Kenyanthropus platyops, o Australopithecus bahrelghazali e o Australopithecus deyiremeda.
No que se refere ao gênero Homo a coisa também tomou proporções escandalosas: H. rudolfensis, H. ergaster, H. antecessor, H. naledi, H. floresiensis, H. luzonensis, H. longi, H. helmei, H. bodoensis, H. georgicus. Isso não significa que, às vezes, não seja de fato necessário classificar novos fósseis de hominínios em gêneros ou espécies novas, mas essa tentação deve ser resistida ao máximo.
Aqueles autores que defendem um grande número de gêneros e espécies na linhagem hominínia são denominados de splitters, Já aqueles que preferem manter um pequeno número de gêneros e espécies como queriam Dobzhansky e Mayr, são denominados de lumpers.
Evidentemente que a verdade não deve residir em nenhum desses extremos, mas o mesmo problema continua: achar uma posição equilibrada entre as duas posições que, de fato, dê conta da diversidade hominínia que se iniciou há 7 milhões de anos. O fato é que duas tendências perversas devem ser evitadas a qualquer custo: as vaidades pessoais e os arroubos nacionalistas.