Uma das mais dramáticas consequências da desumana privatização da Previdência Social Chilena, cometida pelo general Pinochet, sob inspiração de Milton Friedman e seus Chicago-boys e aplaudida pelo FMI, é que, entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida. Como revelou levantamento feito pelo Ministério da Saúde do Chile e pelo Instituto Nacional de Estatísticas no estudo Estatísticas Vitais, a taxa de suicídios para os maiores de 80 anos está em 17,7 por cada 100 mil habitantes e em 15,4 na faixa etária de 70-79 anos, contra uma média nacional de 10,2 e é recorde na América Latina.
O que esses números apontam é o terrível preço que a privatização da Previdência, acabando com o sistema solidário intergerações e impondo contas privadas sob controle de fundos especulativos (AFP), continua cobrando. O colapso do sistema já não tem como ser escondido à medida que o arrocho nas pensões e aposentadorias se reflete no aumento do número de suicídios e nos protestos generalizados nas ruas do país: “Não mais AFP!”.
Entre tantos casos, ganhou notoriedade recentemente o do casal Jorge Olivares Castro (84) e Elsa Ayala Castro (89) que, após 55 anos, decidiu “partir juntos” para “não seguir molestando mais”. A evolução do câncer de Elsa, conjugada a uma primeira etapa de demência senil, faria com que tivesse de ser internada numa casa de repouso. O marido calculou que poderiam pagar, mas somente se somassem ambas as aposentadorias e vendessem a casa. Sem qualquer perspectiva, Jorge e Elsa decidiram abreviar suas vidas com dois disparos.
Assim, à medida que a idade avança e escasseiam os recursos para tratamento médico e subsistência, os idosos passam a se sentir cada vez mais como um fardo para a família. Impossibilitados de enfrentar economicamente enfermidades, o tema do suicídio acaba se colocando como “uma saída honrosa”, como denuncia a psicogeriatra Daniela González.
Sob a ditadura pinochetista, como nos neoliberais de agora, a “solução” era reduzir o Estado e os direitos, “eliminar o déficit” – fictício -, e tirar dinheiro dos trabalhadores para colocar na mão do sistema financeiro, com a especulação incumbida de formar uma poupança que permitiria gozar a velhice.
Só se descontava do trabalhador (10% do salário), os empregadores e o governo não entravam com qualquer montante. O rendimento desses fundos, com base nas flutuações do mercado, determinaria a quantidade de dinheiro que cada um iria acumular para a hora de se aposentar. Descontadas, claro, as pesadas taxas de administração – além das falcatruas. Como os fundos de especulação têm o péssimo costume de quebrar ao longo do tempo, economias de uma vida inteira foram perdidas sob tão iníquo sistema.
Atualmente, das seis AFPs que atuam no Chile, três são norte-americanas (Principal, Prudential e MetLife), uma é brasileira (BTG Pactual) e uma colombiana (Sura), que açambarcam fundos de 10 milhões de filiados, no total de US$ 170 bilhões aplicados na especulação. Mecanismo que, segundo a Fundação Sol, entidade que estuda as condições de trabalho no país, faz com que a pensão média recebida por 90% dos aposentados chilenos seja de pouco mais de 60% do salário mínimo, inteiramente insuficiente para os gastos de um idoso. Para o doutor José Aravena, da Sociedade de Geriatria e Gerontologia do Chile, os suicídios de idosos deveriam “fazer soar o alerta” sobre como se está envelhecendo no país. “Como sociedade não podemos permitir que pessoas que construíram com tanto esforço este país estejam passando seus últimos anos na tristeza”.