Em meio à escalada do número de mortes cometidas por policiais militares em serviço, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), diz que não pretende aumentar a quantidade de câmeras corporais nos uniformes dos PMs. A decisão contraria compromisso assumido por ele, antes de assumir como governador.
“A ampliação das funcionalidades das câmeras corporais e a implementação dos equipamentos em todos os batalhões de policiamento do estado são compromissos da atual gestão”, disse Tarcísio. “Atualmente, cerca de 48% dos batalhões já contam com o dispositivo”, totalizando, segundo o governador, “10.125 câmeras corporais em uso pelas forças policiais em todos os turnos de serviço”.
Ele informou ainda que planejava estender o programa ‘Olho Vivo’, inaugurado em 2020, para outras regiões. “Estudos estão em andamento para a expansão do programa para outras regiões do Estado, incluindo a análise da infraestrutura de rede móvel”, prosseguiu, “bem como a avaliação de novas funcionalidades, como a identificação de placas de veículos roubados ou furtados […]. Segundo Tarcísio, do total de câmeras em utilização, “sete mil foram adquiridas no ano passado, e as restantes foram adquiridas em 2021”.
Agora, de acordo com o governador, São Paulo “tem outras demandas” no momento. As “prioridades” de Tarcísio vão impedir que os R$ 152 milhões aprovados no orçamento de 2023 sejam usados para investimentos no programa das câmeras corporais. “Não, nós não vamos usar. Não vamos ampliar câmeras neste ano. Nós temos várias demandas”, assegurou.
As demandas, de acordo com Tarcísio, seria aumentar o número de policiais nas ruas para reforçar o policiamento ostensivo. “Ou seja, aquilo que a gente entende que realmente vai proporcionar ganho para o cidadão”, defendeu o chefe do Executivo paulista. “Eu tô focando, no final das contas, a segurança pública voltada para o cidadão”, alegou.
Enquanto o aliado de Bolsonaro minimiza a importância das câmeras, levantamento da FGV em dezembro do ano passado apontou que o uso do equipamento nos uniformes da PM evitou 104 mortes e a letalidade dos policiais em serviço foi a menor da história no ano passado.
Em contrapartida, as mortes cometidas por policiais militares em serviço no estado aumentaram 86% no terceiro trimestre deste ano, em comparação com o ano passado, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública. A alta foi puxada pela Operação Escudo, desencadeada em 28 de julho na Baixada Santista. Durante as ações, 28 pessoas foram mortas pela PM.
A explosão da letalidade policial militar em operação, porém, foi ainda maior na capital paulista e na Grande São Paulo: 117% e 88%, respectivamente. “Certamente a Operação Escudo impulsionou o aumento das mortes decorrentes de intervenção policial no período, mas, mesmo após o seu encerramento, a letalidade policial seguiu aumentando”, disse à Agência Brasil na semana passada Mayra Pinheiro, pesquisadora do Instituto Sou da Paz.
Na quarta (25), o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, assumiu que o governo não tem previsão para comprar novas câmeras corporais para a PM neste ano. “Isso eu não sei dizer. Porque vai depender do quanto vai ser descontingenciado do nosso orçamento”, afirmou, ao ser questionado se o governo planejava adquirir novos dispositivos.
A Assembleia Legislativa de SP (Alesp) aprovou o investimento de R$ 152 milhões para a compra de novas câmeras corporais para a Polícia Militar usar nas ações de rua ao votar o orçamento para 2023.
A posição do governo de São Paulo com relação ao projeto das câmeras corporais corrobora a preocupação de entidades que atuam em defesa dos direitos humanos, manifestada em nota divulgada na semana passada.
“Quando o governo tira a prioridade das câmeras corporais, ele ignora as evidências científicas e aponta para um horizonte de políticas de segurança pública baseadas meramente na violência policial”, cita um trecho do documento.
“Não apenas a implementação das câmeras corporais e o controle do uso da força letal parecem ter deixado de ser prioridade do governo, mas a cooperação com instituições de pesquisa também tem se tornado mais complicada”, comentaram as organizações.
O ataque ao programa também preocupa pesquisadora do Sou da Paz. “Acompanhamos nos últimos anos, no estado, a implementação bem-sucedida do uso de câmeras corporais pelos policiais por meio do Programa Olho Vivo. As declarações recentes do secretário de Segurança Pública [Guilherme Derrite] sobre a não continuidade de compras de câmeras deve ser observada com preocupação”, disse Mayra.