“A água e o saneamento são necessidades básicas e vitais, não podem ser transformadas em mercadoria acessível apenas aos que tem dinheiro para pagar”, criticou a deputada Leci Brandão
De forma acelerada e sem qualquer debate, o projeto de privatização da Sabesp de Tarcísio foi aprovado nas comissões da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e agora deverá ser votada no plenário. A base do governo pretende aprovar a entrega da principal empresa de saneamento do país aos interesses privados no dia 6 de dezembro.
Nesta quarta-feira (22), parlamentares do chamado “congresso de comissões”, colegiado que reúne as comissões de Constituição, Justiça e Redação; Finanças, Orçamento e Planejamento e Infraestrutura, aprovaram o relatório do deputado Barros Munhoz (PSDB), que traz poucas mudanças em relação ao texto original enviado em outubro pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A aprovação do projeto no colegiado foi utilizada como manobra porque reúne comissões permanentes da Alesp com o objetivo de acelerar a deliberação de projetos, sem avaliação e sem discussão do texto em cada uma delas.
A federação PT/PCdoB/PV e o PSB apresentaram relatórios separados, mas não conseguiram apoio da maioria. O relatório vitorioso de Barros Munhoz acolheu 26 das 173 emendas apresentadas por deputados da Casa. A mais relevante trata da garantia de estabilidade a funcionários da Sabesp por 18 meses. Munhoz negou, porém, a necessidade de convocar um plebiscito sobre a venda da estatal, como defendido pela oposição.
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O Projeto de Lei (PL) a ser votado pelos deputados estaduais é apenas ‘autorizativo’. Ou seja, libera a venda da empresa por parte do governo do Estado, como um cheque em branco. Os detalhes sobre a modelagem ainda serão definidos por Tarcísio. O PL não aponta, por exemplo, por quanto a empresa será vendida, o que foi alvo de críticas.
“O governo quer aprovar a privatização antes de concluir o estudo. A consultoria contratada só apresentou um relatório. O resto, com a informação do valor de venda inclusive, só será apresentado no ano que vem”, disse o deputado Paulo Fiorilo, do PT.
“Nem o valor da participação do estado o governo definiu. Diz que será entre 15% e 30%. Também não garante se a Sabesp continuará com atendimento presencial em todas as cidades ou se vamos entrar na era do 0800 e das plataformas digitais, como fez a Enel”, continua Fiorilo.
LECI: PROMESSA DE REDUÇÃO DA TARIFA É MENTIROSA
A deputada Leci Brandão (PCdoB) alertou para o impacto da privatização para o povo de São Paulo. “A Sabesp é uma construção e um patrimônio de toda a população de São Paulo. Somos contra a privatização porque consideramos que a água é um direito humano e deve ser garantido para todas as pessoas”, disse Leci.
“A água e o saneamento são necessidades básicas e vitais. Não podem ser transformadas em mercadoria acessível apenas aos que tem dinheiro para pagar”, ressaltou a parlamentar.
Leci destacou ainda que aqueles que dizem que a tarifa da água vai ser reduzida com a privatização estão mentindo. “Eles dizem que a conta de água vai baixar com a privatização. Isso não é verdade. Ao contrário, o que temos visto em todas as privatizações é o aumento da tarifa e a piora do serviço”, alertou.
“É bom que a dona de casa, que o trabalhador, que toda a população saiba que em nenhum lugar em que houve privatização a conta baixou. Isso precisa ser dito com todas as letras”, ressaltou Leci Brandão.
“Há também quem diga que a Sabesp não tem sido eficiente e que há demora em atender a população. Quem diz isso só pode estar com má fé e ter outros interesses que não seja o bem do povo”.
“Agua é vida! Não podemos deixar a vida da população nas mãos de quem só quer saber de lucro”, afirmou a deputada.
SABESP NÃO PODE VIRAR UMA NOVA ENEL
A oposição, além de obstruir a votação utilizando as horas de discussão previstas no regimento interno, deve apresentar as chamadas “emendas de plenário”, que sugerem alterações no texto.
O recurso legislativo será usado pela oposição de maneira estratégica para ganhar tempo, já que as emendas precisam ser apreciadas novamente em reunião do congresso de comissões.
“Nossa expectativa é levar a votação do PL para o dia 12 de dezembro. Enquanto isso, vamos obstruir e dialogar com deputados da base. Há vários dizendo que não votam na privatização. Do PSDB, Cidadania, Podemos”, disse Fiorilo, acrescentando que a oposição convocou uma audiência pública para o próximo dia 28.
Como o projeto foi protocolado em regime de urgência, após 45 dias de tramitação na Casa (dia 1º de dezembro) ele já está pronto para ser votado, independentemente de qualquer pendência, como a análise das emendas de plenário.
A proposta de privatização da Sabesp passou apenas por uma audiência pública, realizada na última quinta-feira, em meio a um esquema especial de segurança que dividiu a plateia entre grupos favoráveis e contrários à venda da estatal paulista.
O deputado Emídio de Souza (PT), que coordena a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp na Assembleia Legislativa, usou a prerrogativa do mandato para convocar uma outra audiência pública no próximo dia 28.
“Não estamos falando da venda dos dutos, dos canos, estamos falando de segurança hídrica”, contestou Simão Pedro (PT) durante os dez minutos que usou para debater o PL.
O voto apresentado pelos deputados do PT é contrário à desestatização da Sabesp e, dentre outros pontos, pede a retirada da urgência ao PL, além de questionar a legalidade da proposta. “Peço que possamos continuar o debate, esqueçamos a questão da urgência e que esta Casa possa convocar audiências públicas em todo o território do Estado, como foi com o Orçamento, para que nós possamos ouvir devidamente a sociedade”, solicitou o deputado Reis (PT).
O deputado Rômulo Fernandes (PT) defendeu o arquivamento do projeto e a obstrução para não aprovação da matéria. “Estamos tentando em várias frentes. Estamos tentando judicialmente, com audiências públicas, na mobilização popular. No nosso entendimento [o projeto] deveria ser uma PEC”, afirmou.
Já o relatório apresentado pelo deputado Luiz Fernando defende a manutenção da companhia como empresa pública. “Tudo aquilo que é estratégico, o Estado tem que estar à frente. A Sabesp pode tirar participação do seu lucro e usar para diminuir a tarifa”, disse.
Em contrapartida, o voto do deputado Caio França (PSB) buscava autorizar a desestatização, mas com a inclusão de 18 emendas que “diminuíssem os impactos desta ação”.
“Existem serviços que podem ser privatizados, porém existem serviços que devem ser prestados pelo Poder Público. Consumo de água e saneamento básico, que garantem saúde para as pessoas, não pode estar sujeito à necessidade de lucro da iniciativa privada”, defendeu o parlamentar.
RESISTÊNCIA
A privatização da Sabesp por Tarcísio encontra forte resistência da sociedade. Na última semana, a audiência pública realizada na própria Alesp denunciou os interesses do governador de entregar a água de São Paulo.
José Faggian, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) apresentou os principais dados sobre a eficiência da Sabesp sob controle estatal, desmentindo a suposta “falta de capacidade” da empresa de atender a população do Estado.
“O nosso serviço, oferecido a mais de 70% da população, é um serviço de excelência. Embora o discurso tente, a todo momento, dizer que nós não somos eficientes, os números provam que a Sabesp é uma empresa eficiente, que presta um serviço de excelência para o povo de São Paulo e principalmente porque o saneamento tem uma interface direta com a saúde”, disse.
“O que vai ser entregue da Sabesp é justamente o controle e, o acionista privado, o controlador privado, ele vai maximizar o lucro e com isso vai demitir os trabalhadores e vai reduzir os investimentos e isso está comprovado na experiência mundial. Não podemos permitir que a Sabesp vire uma nova Enel”, ressaltou.
LUTA CONTINUA
Trabalhadores das estatais paulistas aprovaram uma nova greve para o dia 28 de novembro para denunciar o crime das privatizações de Tarcísio. Os funcionários da CPTM, Metrô e Sabesp pretendem realizar um ato unificado na capital paulista.
Na próxima segunda-feira (27), uma audiência pública sobre a privatização da Sabesp será realizada na Câmara dos Vereadores de São Paulo. O encontro convocado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB) está previsto para se iniciar às 18 horas.
Para que a privatização da Sabesp seja realizada é necessário o aval da Câmara de São Paulo e da Prefeitura da capital, já que a cidade é a principal cliente da estatal, responsável por levar água potável e saneamento aos mais de 12 milhões de paulistanos.