O mais destacado lutador pela paz dentro de Israel, Uri Avnery, faleceu no dia 20. Hospitalizado após derrame cerebral, em coma há dez dias, o ex-deputado do Knesset (parlamento israelense), jornalista, fundador da revista semanal Haolam Hazeh (Este Mundo) e idealizador e fundador do Bloco da Paz, Avnery foi o primeiro israelense a se econtrar, após viagem atravessando o Líbano, com o líder palestino, Yasser Arafat.
Ativista pela paz, com o reconhecimento dos direitos do povo palestino e do estabelecimento do Estado da Palestina, livre da ocupação israelense, militou até o final da vida, aos 94 anos.
Avnery pediu que seu corpo seja cremado, seu arquivo entregue à Biblioteca Nacional de Israel e seu dinheiro doado em favor de atividades pela paz.
Sem nunca se intimidar com o poder temporário dos criminosos do apartheid israelense, Avnery demonstrava uma convicção inabalável na justiça de suas idéias. “Do ponto de vista dos ideais, minha vida foi uma vitória total e do ponto de vista das idéias, eles, os inimigos da paz, foram politicamente derrotados”.
Nascido em 1923, em Hanover, na Alemanha, Avnery, que antes de vir a Israel se chamava Helmut Osterman, emigrou junto com sua família para Israel em 1933, alguns meses depois da subida de Hitler ao poder. Depois da chegada viveu até o último de seus dias em Tel Aviv.
Quando jovem, foi admirador do sionista de direita, Zeev Jabotinsky e aos 15 anos de idade ingressou na organização paramilitar sionista, Etzel. O papel de Avnery, na época, durante o terror que ajudou a limpar o terreno de palestinos para implantar o Estado de Israel era – segundo ele próprio – “distribuir panfletos para amedrontar os árabes, enquanto companheiros da organização colocavam bombas em mercados, em Haifa, em Yaffo e muitas mulheres e crianças morreram e apoiei isto”, como confessou em entrevista ao jornal Haaretz.
Mas a própria guerra de 1948 e as atrocidades contra o povo palestino cometidas sob seu olhar, o fizeram mudar a visão. “Estive entre os primeiros a acreditar na solução dos dois Estados, um para os judeus e outros para os palestinos”, descreve.
“Naqueles anos, não passávamos de dez pessoas a acreditar naquilo que hoje é consenso mundial”, declarava Avnery. Mas a partir daí Avnery evoluiu para uma compreensão cada vez mais clara da irracionalidade e injustiça latentes no regime israelense.
Em seu jornal Haolam Hazeh, desde dois anos depois da fundação do Estado de Israel, Avnery brandiu sua pena contra o conservadorismo, a discriminação contra as etnias árabe-judaicas em Israel, contra a posição anti-árabe do primeiro-ministro Ben Gurion.
Denunciou a degeneração e corrupção em que passou a assolar o regime israelense e foi agraciado pelo chefe do Mossad (serviço secreto de Israel, especializado em assassinar lideranças palestinas), em 2004, com a denominação de “Inimigo número um do regime”.
Em 1955, uma bomba foi colocada na redação de sua revista. Felizmente não houve feridos.
Em 1982, em plena invasão israelense do Líbano, quando os invasores cercaram Beirute e tentaram trucidar os integrantes da Organização de Libertação da Palestina, OLP -inclusive seu líder – Avnery cruzou trincheiras e entrevistou Yasser Arafat, que pouco depois conseguiu escapar.
Em 1992, Avnery idealizou e fundou a organização Bloco da Paz. Participou de inúmeras manifestações pela paz e contra ações agressivas tanto a Gaza quanto à Cisjordânia.
Quando, durante o governo Sharon, a sede da Autoridade Nacional Palestina, em Ramallah, com Arafat em seu interior, foi cercada pelos soldados israelenses, Avnery foi até o prédio para ficar ao lado de Arafat e impedir que o prédio fosse bombardeado e o líder palestino assassinado.
O líder da Lista Árabe Unida, com bancada de deputados no Knesset, Ayman Odeh, declarou ao se despedir do campeão da paz: “Sua voz, suas ideias, sua visão de mundo continuarão a reverberar depois de sua ida”.
NATHANIEL BRAIA