Apesar do aumento da violência contra a mulher, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já encurtou em R$ 17,1 milhões os recursos destinados às Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) 24 horas. Desde o começo do ano, o governo paulista promoveu um corte de 71,6% no orçamento destinado às unidades policiais especializadas no atendimento de mulheres. Só no semestre deste ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo teve 111 mulheres vítimas de feminicídio, o maior número entre os estados.
“Isso é um retrocesso em matéria de direitos humanos e não demonstra um compromisso com o pacto social que o Estado tem que prestar para a população”, critica a promotora de justiça Celeste Santos, presidente do Instituto Pró-Vítima.
Para Celeste, a ação de Tarcísio vai à contramão do que deveria ser feito em um cenário de aumento de casos de violência contra a mulher. “Embora não seja ilícito, o que nós deveríamos estar vendo é um incremento de políticas públicas de prevenção, apoio e atenção à mulher. Isso está na contratação do que as estatísticas dizem, continua a promotora. “As estatísticas”, prossegue Celeste, “são claras de que há aumento na violência contra a mulher”. De “todos os tipos: feminicídio, violência doméstica e crimes sexuais”, aponta a presidente do Pró-Vítima.
A deputada estadual Beth Sahão (PT), autora de um projeto de lei que determina o funcionamento ininterrupto das Delegacias de Defesa da Mulher no estado, critica o corte e informa que já agendou uma reunião com o relator do orçamento para discutir uma compensação no ano que vem. “Há estudos mostrando que a violência contra a mulher acontece no período noturno, no final de semana e durante feriados”, diz. “O mais importante dessas delegacias é que elas funcionem no horário que, hoje, estão fechadas”, completa.
Para entender a falta de compromisso do governador bolsonarista com a segurança das mulheres, no começo de 2023, o governo paulista pretendia destinar R$ 24 milhões com as DDMs 24h. O orçamento atual, porém, está em R$ 6 milhões, após uma série de remanejamentos feitos pela gestão estadual, conforme reportagem do jornal O Globo. A expectativa é que o governo não consiga investir a maior parte deste valor, já que o empenho, ou seja, o valor que ele separou para gastar, está em R$ 623,6 mil a um mês do ano acabar.
CÂMERAS CORPORAIS
Além da facada nas verbas da DDMs 24h, o Estado de São Paulo também encurtou em 35% os investimentos para as câmeras em uniformes da Polícia Militar. O orçamento destinado a esse equipamento caiu desde o início do ano de R$ 152 milhões para R$ 97,6 milhões — um corte de 35,7%. Até agora, o governo paulista liquidou cerca de R$ 76 milhões deste total.
Enquanto isso, as mortes decorrentes de intervenção policial em serviço no estado de São Paulo subiram 26% no primeiro semestre da gestão Tarcísio. Foram 155 óbitos provocados pela Polícia Militar neste ano, contra 123 registradas no mesmo período do ano passado.
São Paulo vinha numa tendência de redução da letalidade policial desde 2020. Estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostrou que as câmeras nos uniformes dos PMs foram responsáveis pela redução, entre 2021 e 2022, de 63,7% da letalidade policial geral. Do total, 33,3% da letalidade nos batalhões que não aderiram ao sistema e 76,2% da letalidade nos batalhões que passaram a adotar as câmeras.
Conforme apurou a reportagem do diário carioca, tanto as DDMs 24h quanto as câmeras não aparecem mais, de forma específica, na proposta de orçamento enviada pelo governo à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a ser votada mês que vem. Com isso, o atendimento nas unidades da Delegacia da Mulher que já era limitado, tende a piorar. Atualmente, só 11 das 140 DDMs do estado funcionam ininterruptamente.
Esse número não mudou ao longo do ano, apesar de o presidente Lula ter sancionado, em abril, uma lei que estabelece o funcionamento 24h por dia das Delegacias da Mulher.
AUMENTO DA VIOLÊNCIA
No último mês, houve um aumento de 6,6% nos crimes de estupro no Estado de São Paulo na comparação com o mesmo período no ano anterior. A piora foi ainda maior no interior (10,3%). O número de tentativas de homicídio de mulheres em outubro também aumentou, subindo de 42 no ano passado para 85 em 2023. Casos de lesão corporal dolosa também cresceram: de 5.006 para 5.167 em um ano.
“Segundo os dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tivemos uma piora nos índices de violência contra a mulher”, diz Celeste, que “foi puxada justamente pelo estado de São Paulo e pelo Rio de Janeiro”, explica. “Qualquer corte em verba para combater a violência contra a mulher é preocupante, pois trata-se de uma questão pungente”, afirma à presidente do Pró-Vítima.
Para a promotora, a verba cortada por Tarcísio poderia ser usada para ampliar o funcionamento das delegacias e para a contratação de psicólogos e advogados, o que resultaria também na qualidade do atendimento. “Faltam policiais para investigar os crimes de violência contra a mulher, tornozeleiras eletrônicas para os agressores”, e “monitoramento de redes sociais e investimento em inteligência artificial, diz Celeste.
“Não é ilícita a realocação de recursos. Mas a lei federal prevalece sobre a estadual, e se há uma determinação de ampliação, pode-se questionar judicialmente”, defende presidente do Pró-Vítima. “Como ampliar com cortes?”, questiona.