Contribuição ao Seminário “A Reconstrução Nacional e os Sindicatos” promovido pelo Instituto Cláudio Campos, em parceria com a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), que será apresentada na abertura do evento, dia 5 de dezembro, às 18h, pelo redator especial da Hora do Povo, Carlos Pereira. O texto é uma versão resumida para o encontro de autoria de Carlos Pereira, economista, membro do Comitê Central do PCdoB e ex-secretário Geral da CGTB, em parceria com o doutor em economia, Nilson Araújo, presidente do Sindicato dos Escritores.
O Projeto de Reconstrução Nacional e a Unidade dos Trabalhadores
Carlos Alberto Pereira/Nilson Araújo de Souza
1) Os desgovernos de Temer e Bolsonaro patrocinaram a mais violenta retirada de direitos dos trabalhadores por meio das antirreformas trabalhista e previdenciária. A trabalhista visou emascular totalmente a CLT, que, desde 1943, garantia um conjunto de direitos básicos aos trabalhadores. Temer sufocou financeiramente a estrutura sindical brasileira, ao acabar com o desconto de um dia de trabalho dos salários de todos os trabalhadores.
2) Em consequência, caiu violentamente, em 96%, a arrecadação das entidades. Para agravar a situação, Bolsonaro desmontou a rede de proteção aos direitos trabalhistas – Ministério do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça Trabalhista. A outra antirreforma, a da Previdência, acabou na prática com a aposentadoria do trabalhador, pois muitos só conseguem cumprir os incumpríveis requisitos na hora da morte, ou mesmo depois.
DRENAR RECURSOS
3) O objetivo dessas antirreformas era criar condições para aumentar a superexploração já elevada do trabalhador brasileiro – ou seja, ganhar menos do que seria necessário para garantir sua sobrevivência e a de sua família. Essa é a forma, numa economia dependente como a brasileira, de aumentar a escorcha dos trabalhadores a fim de reforçar a parcela do excedente econômico drenada para o exterior para remunerar o capital financeiro dos países centrais, quer sob a forma de transnacionais que aqui se instalam, quer sob a forma de empréstimos bancários. E faz isso por meio da remessa de lucros e de juros e do intercâmbio desigual. É o que Leonel Brizola chamava de perdas internacionais.
4) O desgoverno Bolsonaro, que se caracterizou por ser um governo de destruição nacional – e seguindo o que Temer havia iniciado -, atacou fortemente os trabalhadores através do desmonte da estrutura sindical e da rede de proteção aos direitos trabalhistas. Em consequência, sem a proteção do trabalho que garantia a CLT e com seus sindicatos paralisados pela eliminação do seu custeio e, além disso, sem condição de recorrer à justiça do trabalho, o trabalhador tem sofrido uma deterioração cada vez maior das suas condições de vida. É esse o legado macabro de um governo que não tinha o mínimo respeito, empatia, pela vida humana, conforme ficou evidenciado no comportamento do ex-presidente diante da pandemia da Covid-19.
5) Assim, o governo fascista de Bolsonaro, para completar a “obra” de Temer, centrou fogo de suas antirreformas no enfraquecimento dos sindicatos: a arrecadação das entidades sindicais, instrumento de defesa dos trabalhadores, foi reduzida a quase a zero. O acordo individual passou a ter mais peso que o acordo coletivo; o negociado passou a valer sobre o legislado; pedir dissídio, no caso de impasse nas negociações, só por consenso, ou seja, nunca; o patrão está desobrigado a fazer a homologação no sindicato do trabalhador demitido; acabou com a ultratividade, validade do acordo anterior até que se chegue a um novo acordo.
6) Além dessas medidas “estratégicas”, Bolsonaro reinventou a jornada de 12 horas; o almoço de meia hora; o “direito” da mulher grávida trabalhar em local insalubre, desde que com autorização do médico da empresa; o trabalho intermitente, no qual o trabalhador ganha só pelas horas efetivamente trabalhadas, embora tenha ficado à disposição do patrão; a terceirização indiscriminada; para citar algumas barbaridades.
7) O enfraquecimento da estrutura sindical, da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho pretendia trazer a informalidade das ruas para dentro das empresas. Em palavras mais cruas, a disseminação do trabalho análogo ao escravo. Em síntese: desmantelar até as raízes o legado trabalhista e nacional-desenvolvimentista deixado pela Revolução de 1930.
8) Numa economia dependente, os trabalhadores têm que enfrentar principalmente o Estado submetido ao imperialismo e a serviço da superexploração imposta pelos trustes e cartéis imperialistas. Já numa economia independente, os trabalhadores podem contar com o Estado como importante aliado. Assim foi o nacional desenvolvimentismo com Getúlio. Sustentou-se na aliança Estado, burguesia nacional e trabalhadores.
ESTADO
9) Isso significará, necessariamente, um Estado forte, democrático, com ampla participação dos trabalhadores, que defenda a economia contra do rentismo e da espoliação externa, proteja a empresa nacional da concorrência externa desleal e garanta o controle estatal dos setores monopolistas. Um Estado que rompa com as relações de produção dependentes e libere o desenvolvimento das forças produtivas nacionais. É impossível, portanto, compatibilizar o aumento da espoliação imperialista e a melhoria sustentada das condições de vida dos trabalhadores. Esta só será possível numa economia independente. A questão nacional é, assim, no Brasil, uma dimensão fundamental da questão social.
ELO DE LIGAÇÃO
10) As ideias do nacional-desenvolvimentismo foram “espalhadas”, no sentido de divulgadas amplamente, pelo movimento sindical brasileiro para as grandes massas, em especial para a jovem classe operária em formação, fonte inesgotável de sustentação e de energia. Getúlio entendia profundamente este fenômeno, seu significado para o sucesso do seu projeto para o Brasil e o tratava com prioridade. Veja as comemorações dos primeiros de maio no Estádio de São Januário, que reunia dezenas de milhares de trabalhadores e onde eram feitos os principais comunicados e as principais denúncias do imperialismo e das oligarquias reacionárias.
11) A estrutura sindical brasileira, única no mundo, é filha primogênita da Revolução de 30, criada pelo Estado brasileiro, como ato revolucionário. Nasceu como parte da CLT e irmã gêmea da Justiça do Trabalho. A criação do Ministério do Trabalho foi o 1º ato de Getúlio como presidente. Também uma jabuticaba brasileira. Desta forma, Getúlio entregava instrumentos eficientes para mobilização e organização dos trabalhadores. Assim consolidou-se o sindicato brasileiro, estimulado pela onda da revolução soviética, – a comissão que discutiu a CLT era formada por juristas de tendência filosófica confessadamente de esquerda como Joaquim Pimenta, comunista, Evaristo de Moraes, fundador do PSB e o socialista baiano Agripino Nazareth, esclarece Magda Barros Biavaschi em “O Direito do Trabalho no Brasil:1930-1942”.
UNIDADE
12) No Brasil, os sindicatos, federações e confederações são instituições paraestatais, autônomas e não ONG’s ou clubes recreativos, resultado organizatório de um movimento qualquer. Neste sentido, têm muito mais espaço e, portanto, força. Representam toda a categoria. O acordo e as conquistas valem para toda a categoria, com peso de lei. Além disso, a unidade foi assumida na estrutura sindical como princípio e não como conquista.
13) Se a representação é de toda a categoria, se o acordo é para toda a categoria, ou seja, se o sistema é confederativo e de unicidade sindical, o sistema de custeio do sindicato e das campanhas salariais é de responsabilidade de toda a categoria. Enquanto não prevalecer ao menos uma inicial consciência de classe, enquanto prevalecer a influência do individualismo pequeno-burguês, haverá resistência ao desconto da contribuição sindical.
14) É sobre esse atraso que a superestrutura de propaganda pró-imperialista age no sentido de dividir os trabalhadores, ou seja, jogar a categoria contra suas lideranças. Por isso mesmo, é fundamental a luta ideológica na massa. Bem travada, com argumentos e denúncias, torna-se uma substancial alavanca no desenvolvimento da consciência coletiva. Fugir dessa discussão, fingir-se de morto e, o que é pior, aderir, é jogar água no moinho da ideologia colonizada, o neoliberalismo, que, mesmo sem nenhum cuidado especial, cresce como mato, ou melhor, como erva daninha, de forma espontânea e por todo canto.
15) Os sistemas de unicidade sindical e confederativo são imensamente mais democráticos, mais autônomos e mais representativos do que o seu contrário, o pluralismo sindical. Na unicidade, as várias correntes convivem entre si e o conjunto aprende pela prática qual e quem serve mais à luta. No pluralismo, quem discorda se exclui ou é excluído. É o regime da intolerância e, portanto, anti-operário. Na unicidade e no sistema confederativo, a unidade está acima das divergências ideológicas. No pluralismo, o que une é a plataforma partidária, ideológica ou os interesses de um grupo.
O CGT
16) O pluralismo está muito mais sujeito à influência do patrão e dos mais poderosos, e vai contra a natureza proletária. O pluralismo serve a acordos paralelos e à formação de aristocracias operárias, sustentadas pelas transnacionais e a serviço delas. A unicidade desenvolve o instinto de classe; o pluralismo fortalece o individualismo, a mesquinharia e, em última instância, a traição à classe.
17) O Brasil viveu a experiência do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) com sustentação nas confederações, em especial na CNTI. O vértice da pirâmide sindical unitária estimulou a unidade da classe na base. Fortaleceu a unicidade sindical, deu sustentação ao governo de João Goulart, enfrentou as transnacionais e esteve à frente da resistência ao golpe.
18) Apesar de amplamente minoritário na CONCLAT, conforme informa Nivaldo Santana em “100 anos dos comunistas no movimento sindical”, o sindicalismo vinculado à Anampos, organização ligada ao sindicalismo estadunidense e europeu, passou a fazer marketing para importar o pluralismo. Esta, então, passou a ser uma ideia difundida com força no Brasil, movimento que se fortaleceu com a queda do socialismo soviético, bem completado por uma cruzada anticomunista. De certa forma, essa definição passou a ser a questão básica, discutida e derrotada na fundação de quase todas as centrais sindicais brasileiras, umas assumidas com mais profundidade, outras nem tanto. O fato é que a estrutura sindical getulista resistiu à ditadura, ao assédio imperialista e ao oportunismo anti-sindical.
RECUPERAÇÃO
19) Desde o começo da década de 1980, amargamos quatro décadas de estagnação econômica, em decorrência, sobretudo, do aumento da dependência econômica e da consequente sangria externa – que desvia para o exterior recursos que poderiam ser investidos internamente – e à redução do poder de compra do salário, agravados pela “abertura da economia”, que redunda num verdadeiro subsídio ao importacionismo. Em 1980, o PIB brasileiro era maior do que o da China – medido pelo FMI, em termos de paridade de poder de compra, era de US$ 571 bilhões contra US$ 303 bilhões. Hoje, o PIB chinês é oito vezes maior do que o do Brasil. Isso porque, enquanto a economia da China disparou a partir de 1980, a do Brasil estagnou.
20) Agora, depois de tantos anos de estagnação econômica, desindustrialização, sucateamento da nossa indústria, desemprego, miséria e fome, é mais do que chegada a hora de implementar a reconstrução nacional e assentar as bases para a retomada do desenvolvimento, tendo como eixo a reindustrialização em novas bases tecnológicas e resgatando o papel do trabalho como centro do desenvolvimento.
21) Para isso, urge enterrar de vez as antirreformas trabalhista e previdenciária, devolvendo aos trabalhadores a proteção ao trabalho e o poder de mobilização por meio do fortalecimento do sindicato (Lula declarou em reunião com os sindicalistas que não existe democracia sem sindicatos fortes) através da recuperação do custeio e o direito de aposentadoria, garantindo ao mesmo tempo uma política mais arrojada de recuperação do poder de compra do salário mínimo. Isso não necessariamente significa que, de imediato, se alcance o salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE com base no preceito constitucional, que estabelece uma cesta de bens para o sustento de uma família trabalhadora com quatro pessoas, que valia R$ 6.578,41 em junho deste ano contra o salário oficial de R$ 1.320,00, ou seja, cinco vezes menos. Mas uma política de recuperação salarial digna desse nome não pode perder de vista esse horizonte.
22) Com essas medidas, além de melhorar as condições de vida dos trabalhadores, se fortalece o mercado interno, elemento fundamental, imprescindível até, para a retomada sustentada do desenvolvimento. Para atender à demanda que assim estaria em crescimento, é também imprescindível aumentar fortemente a capacidade produtiva da economia. Para tanto, os investimentos devem ser alavancados pelo investimento público, como têm feito todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento, como são exemplos os EUA, China e Coreia.
23) A realização do investimento público e também do privado depende, no entanto, de duas decisões fundamentais: 1) baixar a taxa de juros para patamares civilizados (não há explicação alguma para o Brasil praticar a maior taxa básica real do mundo, a não ser uma elite colonizada e servil ao capital especulativo e estrangeiro que está encrustada no aparelho do estado) e assim começar a transferir para a esfera produtiva a imensa massa de recursos que alimenta os rentistas, que é o setor mais perverso das classes dominantes, porque só usufrui, por meio do Tesouro, da riqueza gerada na esfera produtiva, sem nada produzir; 2) alterar o novo marco fiscal para abrir mais espaço para os investimentos, que estão sendo sacrificados por suas normas draconianas. O presidente Lula já deu o sinal de alerta: “nós dificilmente chegaremos à meta [déficit zero em 2024], até porque eu não quero fazer corte em investimentos e obras”. E mais: “Muitas vezes o mercado [leia-se rentistas] é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”.
CORAÇÕES E MENTES
24) O presidente Lula, tão logo tomou posse, reuniu no Planalto centenas de dirigentes sindicais para discutir a retomada dos direitos trabalhistas e do fortalecimento da negociação coletiva. Mas, instalada a Comissão Tripartite, a prioridade acabou se desviando, de forma impensada, para questões organizativas como a instituição de um conselho regulatório (todo-poderoso) do movimento sindical. A proposta de criação do Conselho Nacional de Autorregulação está mais próxima do sindicalismo europeu e estadunidense, a saber, o pluralismo sindical. Se aprovado (o que não é provável), vai obstaculizar o apoio e a participação dos trabalhadores no Plano de Reconstrução Nacional.
25) O sistema de confederações e federações, que congrega milhares de sindicatos, é contra o Conselho. Segundo o Presidente da Nova Central, o Conselho vai implodir o movimento sindical. Isso porque é uma janela escancarada para o fim da unicidade sindical e do sistema confederativo. O Conselho representaria um retrocesso na organização sindical. É inevitável o estabelecimento de acordos entre grupos partidários e patronais e a formação de “cartéis” pelo controle do Conselho e que essa disputa desça para os sindicatos. O órgão assumiria incumbências que hoje são do Ministério do Trabalho e da Justiça do Trabalho, e, ainda mais descabidas, como a dissolução de federações, mediação de conflito, aferição de representatividade sindical etc.
26) Por muito menos, no primeiro governo Lula, foram realizadas manifestações com milhares de sindicalistas em frente ao Palácio do Planalto na defesa do sistema confederativo. O correto é ter as mãos livres para construir a unidade do nosso povo, a nossa independência econômica e nossa soberania nacional, usar o Estado como alavanca do desenvolvimento, reconstruir, impulsionar e desenvolver nossa indústria a partir do fortalecimento do mercado interno, alavancado pelo poder de compra do salário e reforçado por fortes investimentos em ciência, tecnologia e inovação, pelo financiamento e o investimento públicos, pelas compras governamentais, os subsídios e incentivos fiscais, integrando um novo projeto nacional de desenvolvimento, sob coordenação do Estado nacional.
27) Agora, é ter foco: concentrar esforços na mobilização e no apoio ao presidente Lula para que os recursos da nação sejam potencializados no desenvolvimento e na melhoria das condições de vida do povo e não esterilizados nos bolsos dos parasitas especuladores e assaltantes de nossas riquezas e do Tesouro Nacional. É decisivo contar com o movimento sindical para chegar ao conjunto dos trabalhadores. Ajudamos mais o governo Lula se, em lugar de tecer loas ao seu desempenho, mobilizarmos as massas trabalhadoras para a conquista de um programa com essas características. O próprio Lula, depois de declarar que precisa fazer mais nesse governo do que fez nos governos anteriores, conclamou o povo a se mobilizar para garantir isso. Arrematou: “precisamos ir para a rua, precisamos orientar o governo. Isso não é nenhum demérito, vai me ajudar”.
Não tenho dúvida alguma sobre a necessidade de manutenção de nosso sistema sindical confederado! Acredito que, passando esse primeiro ano do mandato do Presidente Lula, no qual está sendo exigido primeiro, a reorganização do Estado e suas instituições, todas desvalidas, sem exceções, o Governo de prioridade a reconstrução de uma estrutura de proteção aos trabalhadores, previdência social e autonomia com poderes explícitos a suas lideranças para o enfrentamento a ganância do capital! Para buscar unidade, todos precisamos descer a planície!