Na última terça-feira (09), a base de Tarcísio de Freitas na Assembleia Legislativa de São Paulo conseguiu aprovar, em meio à violenta repressão contra os que se opunham ao projeto, a autorização para que o governo dê início à privatização da Sabesp.
Na iminência da aprovação do projeto de lei 1.501/2023, a Hora do Povo conversou com o conselheiro da Engenharia pela Democracia Amauri Pollachi, que também é diretor de Relações Externas da APU (Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp), sobre proposta, que é classificada por ele como um “cheque em branco” que Tarcísio está dando ao mercado.
“Não existe nenhum parâmetro estabelecido nesse projeto de lei. Ele é bastante vago, tem poucas diretrizes – sequer o valor da empresa está estabelecido”, criticou Amauri.
O engenheiro aponta um cenário pós-privatização que pode levar à dissolução da Sabesp e, segundo o especialista, as cidades que são clientes da estatal, em especial a capital paulista, terão papel fundamental para barrar a privatização.
Leia a entrevista:
HP: O senhor tem falado que o projeto de privatização da Sabesp é um “cheque em branco” do governo de São Paulo ao mercado. Por quê?
Amauri Pollachi: É um cheque em branco porque não existe nenhum parâmetro estabelecido nesse projeto de lei. Ele é bastante vago, tem poucas diretrizes – sequer o valor da empresa está estabelecido. Eu creio que devido à pressa, a urgência – o governador quer finalizar esse processo antes do início do período eleitoral, no próximo ano, – e o faz apresentando um projeto de lei que não tem um conteúdo capaz de oferecer elementos para que os deputados opinem a respeito com números, com informações mais adequadas.
HP: Poderia detalhar mais um pouco esse aspecto?
Amauri Pollachi: Vou dar um exemplo: foi colocado aí que o governo do estado terá entre 15% a 30% das ações da Sabesp. Hoje ele tem 50,3% – e que ficará com 15% a 30% das ações. Ora, é um conjunto muito grande. Não está definido quem vai ficar com 15%, 20%, 30%…
Coloca também que iria ter uma ação preferencial para vetar três questões: mudança de nome da empresa. A Sabesp tem uma marca muito forte no mercado. Ela é reconhecida, a população tem um reconhecimento positivo – mais de 80%. A mais recente pesquisa de avaliação da Sabesp indicou que 83% da população atendida pela empresa está satisfeita com os serviços prestados. Então ela tem uma marca reconhecida. Óbvio, quem vier a controlar a empresa não vai trocar o seu nome.
HP: E os outros vetos, quais seriam?
Amauri Pollachi: O segundo é veto que o governo diz que poderia fazer é sobre a mudança de atividade da empresa, ou seja, ela deixar de trabalhar com saneamento. Será que a Sabesp vai criar gado, vai ser uma agropecuária (risos)? É ridículo isso!
E o terceiro veto que o governo poderá colocar é sobre o número máximo de votos que pode haver no conselho de administração. É claro que quem colocar – estamos estimando aí um valor da ordem de R$ 30 bilhões de reais no negócio da Sabesp, ele não vai colocar se ele não tiver um retorno financeiro.
HP: É por isso que é também uma peça de ficção, como o senhor vem apontando?
Sem dúvida. É uma peça de ficção todo o conjunto da obra. Não só o projeto de lei, mas tudo que é feito como alegação. Por exemplo, se coloca – isso não está no projeto de lei, – que se a Sabesp não for privatizada, daqui a 15 anos os contratos vão acabar, acabam os prazos de validade dos contratos e a Sabesp vai acabando aos poucos. É mentira! Por quê? Porque a Empresa Estatal Paranaense de Saneamento – a Sanepar – renegociou contratos com os municípios onde ela presta serviços estendendo os prazos desses contratos até 2048, ou seja, mais de 25 anos, e a empresa continua estatal e não há intenção do governo paranaense em vendê-la. Então, a Sabesp pode sim ter continuidade como estatal.
HP: E quais os outros aspectos que corroboram o que senhor vem falando?
Amauri Pollachi: Outra mentira é dizer que a tarifa vai baixar. Todos os lugares onde houve privatização desse serviço as tarifas aumentaram acima da inflação. A gente tem o exemplo em Campo Grande, há 10 anos privatizada, a tarifa é hoje 172% maior que a tarifa da Sabesp. A CEDAE, no Rio de Janeiro, 102% maior que a tarifa da Sabesp. A prática mostra o contrário. Eu acho que se a gente fizer uma analogia com produções de Hollywood, essa condução do governo de Tarcísio de Freitas, eu diria que esse roteiro de privatização sem base na realidade, é uma peça de ficção de filme B, de baixa categoria. Só que você ver a um filme B e pode sair no meio da sessão do filme, né? Mas esse filme B, de baixa categoria, poderá levar milhões de pessoas para um futuro despótico, sem água.
HP: Outro ponto muito criticado é a falta de transparência na condução do projeto, a começar pelo estudo encomendado pelo governo a uma empresa ligada ao IFC (International Finance Corporation), que por sua vez é um braço do Banco Mundial, inclusive com remuneração inicial de R$ 8 milhões que subiria para a exorbitância de R$ 45 milhões se o parecer final fosse pela viabilidade da privatização. Como o senhor vê isso?
Amauri Pollachi: É um contrato, digamos assim, se fosse feito pelo Banco Mundial, ou pelo próprio IFC, o Banco Mundial vetaria. Eu fui gestor de contratos com o Banco Mundial durante vários anos, de programas financiados pela instituição. Se eu apresentasse uma proposta dessas para o Banco Mundial aprovar, a contratação de uma empresa nesses moldes, eu tenho certeza de que ele reprovaria a contratação.
HP: Por que reprovaria?
Porque você deixou a própria empresa que foi contratada, a Consultoria IFC, subsidiária do Banco Mundial, para ela, vamos dizer, a escolha: ‘se você disser na conclusão do seu estudo’ – aliás, de baixíssima qualidade, sem dados, em que se jogam números aleatoriamente: faz um estudo e deixa para a empresa chegar a uma conclusão, – se é viável ou não – a privatização, e se for viável, ela vai ter continuidade de contrato e recebe R$ 45 (milhões); se for inviável, recebe só R$ 8 (milhões), é patético isso! Eu não tenho outra classificação.
Me deixa abismado que o Tribunal de Contas do Estado não tenha barrado um processo desse tipo. Você contrata alguém para dizer aquilo que interessa a esse contratado. É o contratado sendo beneficiado por aquilo que ele vai dizer. É algo assim inigualável, vamos dizer assim, de aplicação, de péssima aplicação do dinheiro público.
HP: Quais as chances de reverter juridicamente a privatização que está às vias de ser aprovada?
Amauri Pollachi: Existe uma frente jurídica com várias ações. Infelizmente o Tribunal de Justiça de São Paulo não deu provimento a várias ações. Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, temos uma expectativa positiva de tramitação dessa ADI e também tem essa questão da inconstitucionalidade desse projeto de lei por conta, vamos assim dizer, de desobedecer àquilo que está na Constituição Estadual.
Como se deu entrada em um questionamento desse tipo no Tribunal de Justiça, a primeira sentença ali foi: “olha, o projeto não está aprovado, portanto não tem sentido agir, conceder uma liminar enquanto o projeto não for aprovado”. Ora, se o projeto for aprovado aí muda-se completamente a figura. É um espaço consumado, uma lei sancionada, e daí pode ser questionada a sua constitucionalidade com toda a veemência possível. É claro que existe toda uma série de fragilidades legais que esse processo adotou, em vários aspectos e tudo isso vai ser questionado. Também haverá um questionamento nos municípios, porque são 365 municípios.
HP: E como se daria a movimentação dessa frente de municípios?
Amauri Pollachi: Nós temos observado o apoio à manutenção da Sabesp pública na maior parte desses municípios. E eu diria que principalmente municípios de grande porte, que são responsáveis pela maior parte da receita da Sabesp. São cerca de 10 a 12. Haverá sim embate forte nas Câmaras Municipais, o que precisaria ver também cada município, a aprovação de um projeto de lei autorizando o Poder Executivo municipal a contratar uma empresa privada, o que pode levar até à extinção ou a algo como o fracionamento da Sabesp. Ou seja, um conjunto de municípios, saindo da empresa porque o Estado está rasgando, de certa forma, um contrato que firmou com o município.
HP: Uma vez privatizada a Sabesp, os municípios poderiam usar da prerrogativa de contratar uma empresa privada para atuar no saneamento?
Amauri Pollachi: A maior parte dos contratos tem uma cláusula que diz o seguinte: se a empresa for privatizada, o contrato está nulo, está extinto. Portanto, se o Estado privatizar (a Sabesp), não é motivo do município o contrato estar sendo extinto. E aí nessa hora o município, pode, efetivamente, sair da empresa, fazer um acerto de contas ou passar a administrar por si mesmo o serviço de saneamento ou contratar outra empresa para fazer o serviço. O que pode levar, isso sim, a destruição da Sabesp.
HP: A Câmara de Vereadores de São Paulo, até agora, não deu o aval à privatização da Sabesp. Que peso ela tem nessa questão?
Amauri Pollachi: Até o momento existe uma Comissão Especial na Câmara Municipal de São Paulo, eu inclusive participei, como convidado dessa comissão – ela tem um prazo – provavelmente vai se arrastar até fevereiro ou março do ano que vem, pelo andar dos trabalhos. E eu acredito que a Câmara Municipal de São Paulo vai ter um papel preponderante em todo esse processo. É praticamente metade. São Paulo e capital respondem por praticamente a metade da receita da Sabesp. E a gente tem uma expectativa de lutar pela manutenção do saneamento público, município a município.
Vai ser uma luta de guerrilha, já que estou falando para a Hora do Povo (risos).
JOSI SOUSA