DAN GLAZEBROK* –
Há exatamente seis anos, em 20 de outubro de 2011, Muammar Kadafi foi assassinado, juntando-se a uma longa lista de revolucionários africanos martirizados pelo Ocidente por ousarem sonhar com uma independência continental.
Cedo naquele dia, a cidade natal de Kadafi havia sido ocupada por milícias apoiadas pelo Ocidente, após uma batalha que durou um mês durante o qual a Otan e seus ‘rebeldes’ encheram os hospitais e as residências de bombas, cortaram água e a eletricidade, após haver publicamente proclamado o desejo de “esfomearem a cidade até a submissão”. Os últimos defensores da cidade, incluindo Kadafi, fugiram de Sirte durante a manhã, mas seu comboio foi capturado logo depois – vamos aqui poupar os leitores dos horripilantes detalhes, que a mídia ocidental se regozijou em exibir em todo o mundo como um filme sobre uma extinção – basta dizer que ele foi torturado e morto.
Sua morte foi o desfecho não apenas de sete meses da agressão pela Otan, mas de uma campanha contra Kadafi e seu movimento, que o Ocidente vinha desfechando há mais de três décadas.
Foi também a salva de tiros da abertura de uma nova guerra – uma guerra pela recolonização militar da África.
O ano de 2009, dois anos antes do assassinato de Kadafi, foi um ano central nas relações EUA-África. Primeiro, por que a China superou os EUA como o seu maior parceiro comercial e, segundo, por que Kadafi foi eleito presidente da União Africana.
O significado de ambos para o declínio da influência dos EUA no continente não podia ser mais claro. Enquanto Kadafi estava comandando os esforços para unir politicamente a África despendendo recursos com a finalidade de tornar este sonho realidade, a China silenciosamente destruía o monopólio norte-americano sobre seus mercados de exportação e financiamento dos investimentos. A África não precisava mais correr com o pires na mão para o FMI por empréstimos, aceitando se submeter a qualquer exigência que lhe fosse imposta. A resposta veio em temos militares. Se os países africanos decidissem não mais mendigar empréstimos, mercados para exportação, seriam colocados em uma posição em que pediriam ajuda militar dos EUA.
Com esta finalidade, o AFRICOM – o novo Comando Africano do exército dos EUA – havia sido lançado no ano anterior, mas de forma humilhante para George W. Bush, nem um único país africano concordou em hospedar seu QG, ao invés disso, foi forçado a abrir uma sucursal em Stuttgart, Alemanha. Kadafi havia liderado a oposição africana ao AFRICOM, como memorandos diplomáticos exasperados dos EUA revelados pelo WikiLeaks deixaram claro.
Como o chefe da segurança da Líbia, Mutassim Kadafi, explicara a Hillary Clinton em 2009, o Norte da África já possuía um serviço de segurança efetivo em operação, através das forças de prontidão da União Africana e o CEN-SAD (uma organização de segurança dos estados do Sahel e Saara). A estrutura sofisticada antiterrorismo liderada pela Líbia tornava desnecessária a presença militar dos EUA.
Assim, a destruição da Líbia pela Otan atingiu três objetivos estratégicos para os planos dos EUA de expansão militar na África. O mais óbvio foi remover o principal oponente, Kadafi. Em 2º a agressão da Otan serviu para fazer entrar em colapso o delicado, mas efetivo sistema de segurança do Norte da África. 3º, a aniquilação do Estado líbio entregou o país nas mãos de esquadrões da morte e bandos terroristas. Estes grupos saquearam os arsenais militares líbios e criaram campos de treinamento a seu bel-prazer.
Boko Haram, Al-Qaeda, Estado Islâmico e dezenas de outros se beneficiaram da destruição da Líbia. Ao garantir a difusão dos grupos de terror, as potências ocidentais haviam criado a demanda por sua assistência militar.
Número crescente de ataques terroristas incluíram os ocorridos em Burkina Faso, Camarões, Etiópia, Quênia, Mali, Niger, entre outros.
O que Trump está fazendo é acabar com a maquiagem do “poder suave” para mostrar a extensão do punho de ferro que estava de fato no posto de comando de há muito. É a sequência da abordagem militar que Bush e Obama já haviam mapeado. Com esta finalidade, Trump elevou os ataques a drones, removendo as limitadas restrições que havia no tempo de Obama. O resultado é um crescimento acelerado das mortes de civis, dos ressentimentos e ódio que alimentam o recrutamento para as milícias. Não é uma coincidência que a explosão de um caminhão-bomba que matou mais de 300 pessoas em Mogadíscio foi perpetrado por um homem de uma cidade que sofrera um grande ataque com drones atingindo mulheres e crianças, em agosto. A política da “guerra sem fim” é o ponto. Ela não apenas força os países africanos, que estavam finalmente se libertando da dependência do FMI, a se tornarem dependentes do AFRICOM.
* Articulista que escreve para RT, Counterpunch e Guardian – o artigo, do qual publicamos os principais trechos, foi publicada originalmente no RT, em 20 de outubro.