Ministro da Justiça aprovado pelo Senado como novo magistrado do STF desmonta fala do senador Flávio Bolsonaro na sabatina da CCJ
Um dos pontos altos da sabatina realizada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, na quarta-feira (13), foi o embate que o então ministro da Justiça e senador licenciado Flávio Dino teve com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho ‘01’ do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a chamada “liberdade de expressão”.
“O senhor já defendeu o controle de mídias sociais, o faroeste digital que nós vimos, a expressão que o senhor usou, e que pode até ter razão, mas o senhor defende um controle dessas mídias que assusta os usuários”, questionou Flávio Bolsonaro.
Isso, “assusta quem vive, quem ganha o pão, ao divulgar conteúdos em redes sociais. E muitos estão até hoje, por decisão monocrática, sem ter o seu ganha-pão, com medo de postar alguma coisa.”
“O sintoma de que a democracia não está numa situação de normalidade, senador Flávio Dino, são parlamentares que têm que medir as palavras — da tribuna do Senado, da tribuna da Câmara dos Deputados — por receio de virarem réus, por receio de serem cassados, por receio de serem presos, como aconteceu com Daniel Silveira”, finalizou o ‘01’.
ESCLARECIMENTO DIDÁTICO
Daí, didaticamente, o então ministro da Justiça, agora magistrado da Corte Suprema, explica para o ‘01’ o que é liberdade de expressão e seus limites.
“Enquanto todos não medirem as palavras, é claro que haverá perpetração de crimes em série. Isso vale para as redes sociais.”
“Se nós abrirmos, neste momento, as redes sociais de qualquer um para mostrar, ou mesmo as minhas, nós vamos encontrar as coisas mais abjetas, impronunciáveis, criminosas sendo escritas”, disse Dino.
E seguiu: “Então, o problema não é que medir a palavra esteja errado, como o senhor disse. É o contrário: medir as palavras é o certo. Eu tenho absoluta certeza de que o senhor faz isso em casa, e todos nós devemos fazer na vida pública.”
“Lembremos, senador, que, mesmo a relação de maior intimidade e privacidade que existe, que é a relação amorosa, é regulada juridicamente. O casamento é governado por regras. A relação amorosa que se estabelece é regulada pela Constituição, pelo Código Civil. A relação de pai e filho é regulada por leis. O senhor não pode fazer o que quiser em relação aos seus filhos”, pontificou Dino.
‘ONDE ESTÁ ESCRITO QUE SÓ A INTERNET NÃO PODE TER REGULAÇÃO?’
“Ora, se todos os âmbitos da vida humana têm regulação, onde está escrito que só a internet não pode ter? De onde emergiu essa mitificação, a não ser dos interesses eventualmente empresariais, que não interessam ao debate jurídico?”, questionou o então ministro.
Ainda ao responder o senador Flávio, Dino lembrou que “nós temos uma lei que regula a internet. Parece que é algo atípico o que eu estou falando. Não! Este Congresso, este aqui, aprovou o Marco Civil da Internet”.
E acrescentou: “O senhor vai no art. 19 e vai no art. 21 e vai encontrar regulações — no caso do art. 19, quase inexistentes; no caso do 21, mais rigorosas.”
“Se o senhor abrir a sua linha do tempo, a sua timeline aí, muito dificilmente o senhor vai encontrar cenas de nudez, no bom sentido. Por quê? Porque há o art. 21 do Marco Civil da Internet, há uma moderação ativa de conteúdo das empresas”, exemplificou.
‘PLATAFORMAS NÃO SÃO NEUTRAS’
Ainda com didatismo, Dino continuou: “se o senhor fizer uma pesquisa sobre compra de terno ou de sapato, o senhor vai receber, durante semanas, propaganda de terno e de sapato.”
“Por quê? Porque as plataformas não são neutras, ao contrário do que, no art. 19 do Marco Civil da Internet está escrito e muitos acreditavam em 2014. Na verdade, as plataformas se transformaram em curadorias de conteúdo.”
TODAS AS RELAÇÕES SÃO REGULADAS
“Ora, se você tem uma atividade empresarial qualquer destinada ao lucro, qual não é regulada? Se alguém estabelece um comércio num shopping, tem regulação; se alguém abre uma farmácia, tem regulação; uma indústria também tem”, explicou.
“Então é realmente um debate de vanguarda. E, veja, considero que é o debate jurídico mais importante do século 21, porque nós estamos no limiar do perecimento das condições de se realizar eleições com o abuso da inteligência artificial. Todas as senhoras e os senhores sabem disso. E não vai haver regras?”
‘INCITAÇÃO DE CRIMES’
“Imaginemos a inteligência artificial servindo, como hoje há nas plataformas, à incitação de crimes! Eu vi, senador — eu vi —, incitação de suicídio de jovens. Eu vi jovens chantageando outros jovens, eu vi meninos chantageando meninas para praticarem atos de vilipêndio sexual”, criticou.
“Os seus filhos estão expostos a isso, as crianças e jovens do Brasil estão expostos. Há suicídios sendo transmitidos ao vivo”, acrescentou
“Isto é ditatorial, tratar disto? Ou é preservar os valores mais sagrados que a civilização humana conseguiu erigir: o da vida, o da integridade física?
Então, é isso que eu sustento, e sustento com convicção, a partir de critérios jurídicos. Nenhuma atividade empresarial é desregulada, nenhuma atividade humana é desregulada”, refletiu.
DESCULPAS NÃO VÁLIDAS
“E não há argumento de intimidade e privacidade, porque, no recesso do lar, há regras jurídicas. Os homens podem bater nas suas esposas? Os homens podem matar suas companheiras? Não! E alguém vai falar de liberdade para matar, para discriminar, para ofender, para crianças — repito, crianças — serem vítimas de toda sorte de abusos?”, questionou Dino os falsos argumentos.
“E, aí, de fato, eu tenho uma convicção jurídica — veja, jurídica — de que o caminho da União Europeia é um caminho virtuoso; da União Europeia, que é o berço, junto com o Oriente Médio, da civilização que nós construímos nas Américas. Então, a União Europeia oferece o caminho de regulação. O professor [Paulo] Gonet, versado nesses temas, também estuda essas matérias”
M. V.