
A Justiça Federal em Roraima determinou que a União crie um novo cronograma de ações contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami após o retorno dos garimpeiros ao território. A decisão, divulgada nesta quinta-feira (21), ocorre a pedido do Ministério Público Federal (MPF).
A retirada dos garimpeiros foi determinada pela Justiça no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo MPF contra os órgãos federais, em 2020, com o objetivo de garantir a edição e a implantação de plano emergencial de ações de monitoramento territorial efetivo na terra indígena.
A medida deveria viabilizar o combate a ilícitos ambientais e a retirada de infratores. No entanto, segundo o Ministério Público, os esforços empreendidos pelos órgãos federais até o momento se mostraram ineficazes.
No requerimento à Justiça, o MPF destaca que os resultados promissores das operações governamentais realizadas no território, no início deste ano, não conseguiram evitar a reocupação de áreas pelo garimpo. Tais ações, segundo o órgão, geraram resultados positivos até o início do segundo semestre, quando houve um retrocesso mediante o retorno de não indígenas para atividades ilícitas de exploração mineral, sobretudo em áreas já desmatadas.
Há diversos relatos de aliciamento, prostituição, incentivo ao consumo de drogas e de bebidas alcoólicas e até estupro de indígenas por parte dos garimpeiros.
“Anotou-se que o garimpo é um empreendimento criminoso de grande resiliência e de alta capacidade de reorganização, exigindo, pois, o aperfeiçoamento constante das estratégias de comando e controle”, destacou o procurador da República responsável pelo caso, Alisson Marugal.
Segundo consta na ação, a atividade irregular provavelmente possui ligação com organizações criminosas que dão suporte logístico, financeiro e de armamentos para que os garimpeiros sigam enfrentando os agentes estatais. Para o Ministério Público, é necessário rever o plano de ações com base na experiência adquirida nos primeiros 180 dias de incursões contra o garimpo, para a adoção de novas providências capazes de frear a invasão.
A decisão judicial aponta que não foram adotadas medidas satisfatórias para o monitoramento eficaz da Terra Indígena Yanomami e não há um planejamento de caráter permanente para garantir a segurança, a saúde e a vida dos povos locais e dos profissionais de saúde que atuam no território.
Na avaliação da Justiça Federal em Roraima, o Estado brasileiro permanece em falta com os povos indígenas, que deveriam ser protegidos efetivamente.
Informações prestadas no processo pela Hutukara Associação Yanomami, a partir de um balanço da ação estatal nos primeiros meses deste ano, mostram que a limitação de esforços de controle territorial e da participação das forças armadas impossibilitou o controle sobre a atividade do garimpo ilegal. Esse cenário revela um sentimento de insegurança ainda presente na terra indígena. “Os moradores se sentem constantemente inseguros, devido às ameaças que recebem por parte dos garimpeiros. Os invasores culpam a comunidade pelas operações de extrusão (desocupação), e esta tem sofrido represálias por denunciar o garimpo ilegal”, destaca a decisão da Justiça Federal.
Documentos juntados pelo MPF indicam que o problema do garimpo também desponta num quadro de desnutrição desenfreada de crianças, ao passo em que as instalações de saúde foram tomadas pelos invasores e transformadas em centro logístico da atividade ilegal.
Segundo dados do relatório mensal oficial sobre os atendimentos no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEi-Y), até 4 de outubro de 2023 foram registradas mais de 20 mil notificações de gripe e 18,6 mil de malária. Pelo menos 215 mortes foram confirmadas, sendo 155 delas dentro da própria terra indígena.
Ao acatar o pedido do MPF, a Justiça Federal também determinou o levantamento do sigilo do processo para garantir o direito de acesso à Justiça dos povos indígenas previsto na Resolução n.º 454/2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O objetivo é viabilizar a participação de lideranças Yanomami e permitir o diálogo e a aproximação dos povos indígenas com o sistema de Justiça.