Reportagem desta quinta-feira (28) deu voz aos críticos da retomada da Ceitec. A maior empresa de chips do mundo, a TSMC, de Taiwan, levou 15 anos para sair do vermelho, mas eles querem que empresa brasileira já seja lucrativa de imediato. Pura sabotagem
Reportagem do site Poder 360, desta quinta-feira (28), com o título “Lula quer reativar estatal conhecida por só dar prejuízo”, sobre a iniciativa do governo Lula e do ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação de retomar as atividades da Ceitec, empresa estatal brasileira fabricante de Chips, revela bem que tipo de ideologia atrasada e de obstáculos o Brasil vai ter que superar para concretizar a sua reindustrialização.
TECNOLOGIA ESTRATÉGICA
O chamado “complexo de vira-lata”, sentimento altamente colonizado pelo qual o Brasil deve se ater apenas à fabricação de produtos primários, conclui, logicamente, que a indústria, mormente nas áreas de alta tecnologia, é coisa exclusiva para outros países, “mais desenvolvidos e capazes”.
Este “complexo de vira-lata”, evidentemente, não se explicita de forma escancarada, vem camuflado na apologia de que o país deve aproveitar as “vantagens comparativas” e se contentar em ser uma “potência agrícola”.
Foi baseado nesta ideologia que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes decidiram fechar a empresa nacional de chips. Mas, antes de anunciar o seu fechamento, foi sucateada por decisão e ordem dos dois apátridas. A fábrica ficou parada por 2 anos e o quadro de funcionários caiu de 179 para 76. Verbas foram cortadas e compras públicas interrompidas.
A própria reportagem reconhece que “pesquisadores vindos da UFRGS e da PUC-RS conseguiram projetar chips que atraíram a atenção de empresas globais. Hoje, a mão de obra brasileira é disputada globalmente e 3 empresas de semicondutores se instalaram em Porto Alegre”.
A ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, que esteve à frente da retomada da Ceitec, uma das entusiastas do projeto, defende que o Brasil não pode ficar de fora desta corrida tecnológica que caracteriza os tempos modernos.
“O chip é usado em toda a cadeia produtiva. Não pode o Brasil ficar fora disso. A gente vai buscar um nicho de mercado, que será o setor automotivo e o setor energético”, afirmou. Só o Brasil tem uma fábrica dessas na América Latina.
O secretário de Ciência, Tecnologia para Transformação Digital do Ministério, Henrique de Oliveira Miguel, também rebateu os entreguistas de plantão, que acusam a empresa ser um elefante branco. “A Ceitec produziu 160 milhões de chips e depositou 45 patentes. Como é que uma empresa assim pode ser chamada de elefante branco?”, indagou o secretário. Nenhum país do mundo está deixando de investir nesta tecnologia por conta de baixa inicial de lucratividade.
COVID MOSTROU IMPORTÂNCIA DOS CHIPS
O colapso da produção de chips por conta da pandemia revelou ao mundo o quão estratégica é esta tecnologia no mundo atual. Diversos países foram obrigados a investir em fábricas locais. Como a produção de Taiwan, China, Coreia do Sul e Cingapura não deu conta da demanda global à época da covid, houve paralisação de fábricas em todas as partes do mundo a mais destacada foi a de produção de automóveis.
Também é a própria reportagem que mostra que todos os países do mundo estão fazendo altos investimentos públicos na fabricação de chips. “Estados Unidos, União Europeia, Índia, China, Vietnã e até a Ucrânia em guerra apostam em fábricas de semicondutores”, diz. “Os Estados Unidos criaram um programa de investimento de US$ 52,7 bilhões. A China é ainda mais ambiciosa. Aplicou US$ 290,8 bilhões nos últimos 2 anos”, informa a matéria. A maior fábrica de chip do mundo, a TSMC, de Taiwan, demorou 15 anos para sair do vermelho.
O autor afirma que nos seus 15 anos, a empresa recebeu cerca de R$ 790 milhões. Faturou R$ 64,2 milhões com a venda de semicondutores. “O que entrou corresponde a 8% dos valores gastos”, diz ele, num tom crítico aos investimentos. Como todas as empresas deste tipo, a Ceitec foi criada com a ideia de que as encomendas estatais dariam o fôlego necessário ao seu desenvolvimento.
Com os governos neoliberais em ação, as compras públicas logicamente foram dirigidas às multinacionais. A Casa da Moeda e os Correios encomendaram projetos de chip para a Ceitec, para serem usados no passaporte e na identificação de malotes, respectivamente. A Casa da Moeda preferiu comprar o dispositivo de um fornecedor da Itália, com sócios no Brasil. Isso também aconteceu com os Correios e com o Ministério da Justiça, que queria um chip de identificação pessoal, deixou a pesquisa correr e depois desistiu do projeto.
CHIP DO BOI
O “chip do boi” que tornou a empresa famosa também teve a produção interrompida depois que a União Europeia afrouxou as regras de rastreabilidade do gado. O chip permitia saber se o gado veio de uma região que teve febre aftosa ou de uma área da Amazônia que foi desmatada. O Brasil tem um rebanho com 234 milhões de bois e vacas, segundo dados do IBGE de 2022. A Ceitec vendeu 1,84 milhão de chips para esse fim.
Foi o próprio secretário de Ciência, Tecnologia para Transformação Digital do Ministério, Henrique de Oliveira Miguel, que, novamente, respondeu a esse “argumento” – de falta de lucratividade – contra a empresa, mostrando que o governo Lula não vai abrir mão das compras governamentais para incentivar a reindustrialização.
“Agora tudo será diferente”, disse o secretário. “A fábrica não vai voltar a operar por si só. Ela fará parte de uma política industrial maior. Se a fábrica não estiver integrada com as demais políticas, não faria sentido a retomada. Isso a iniciativa privada poderia fazer”, afirmou.
DÉFICIT COMERCIAL
A importação de semicondutores é uma dos principais focos negativos da balança comercial brasileira. Em 2022, por exemplo, o déficit só para componentes chegou a US$ 22,2 bilhões, de acordo com a Secex (Secretaria de Comércio Exterior). Quando se computa equipamentos eletrônicos, chega a US$ 38,6 bilhões.
A respeito da situação financeira da empresa, Christian V. Kuhn, economista, Doutor em Economia do Desenvolvimento/UFRGS, consultor e professor do Instituto PROFECOM, argumenta, em artigo publicado no site Disparada, que a empresa se mostrou altamente rentável. “Em que pese o recebimento de subvenções do Tesouro Nacional, é importante frisar que houve uma redução de 19% no valor anual no período 2016-2020, enquanto que o faturamento bruto quase triplicou em igual período”, disse ele.
“Inclusive, mesmo num ano de forte recessão (queda de -4,41% do PIB), as vendas da estatal cresceram 58% em 2020. Além disso, a CEITEC quase triplicou seu patrimônio líquido em igual período, saindo de R$ 65,3 milhões negativos em 2016 para R$ 126,7 milhões positivos em 2020”, afirmou.
“Mesmo com menos apoio do Estado desde 2016, a CEITEC obteve bons resultados que mostram que se encontrava em processo de recuperação e crescimento. A falta de visão estratégica e de longo prazo do governo Bolsonaro, apoiado em uma ideologia ultrapassada de Estado Mínimo, levou a tomar a lamentável decisão de extinguir a empresa”, apontou Christian V. Kuhn.
PROJETO ALTAMENTE VIÁVEL
“Com isso, muitos funcionários, especialmente mão-de-obra especializada, foram absorvidos por empresas privadas. Contudo, com os ativos atualmente disponíveis, mais os R$ 500 milhões de investimentos prometidos para serem aportados na estatal para os próximos 4 anos, é plenamente factível reorganizar a empresa, voltar a contratar e qualificar empregados e investir na produção para atingir resultados bastante significativos”, acrescentou.
O economista gaúcho também entrou na questão da sabotagem dos governos neoliberais ao projeto da Ceitec. Ele destaca o papel, nesse sentido, da decisão tomada pela direção da Casa da Moeda, na ocasião.
“Apenas o produto desenvolvido pela CEITEC tinha certificação de segurança computacional em conformidade com o padrão global Common Criteria, diferente do fornecedor escolhido pela Casa da Moeda do Brasil (CMB) no lugar da estatal”, denuncia.
Segundo ele, a Controladoria Geral da União (CGU) teve que investigar o caso em 2017, em consequência do aumento das compras com esse fornecedor, a empresa privada Fedrigoni Brasil Papéis.
Em maio de 2019, um contrato com a empresa chegou a mais de R$ 89 milhões com inexigibilidade de licitação. Ocorre que essa empresa tinha como um dos acionistas controladores o padrasto de duas sobrinhas do então secretário de Desestatização do Governo Bolsonaro, Sallim Mattar.
Como se vê, a sabotagem à Ceitec não era só por conta da ideologia neoliberal contra empresas brasileiras, mas tinha também uma propina rolando.
SÉRGIO CRUZ
Não só isso. A empresa foi boicotada, uma vez que os governos obscuros(Temer/Bolsonaro) passaram a comprar chips piores e mais caros de empresas estrangeiras. Foi o que ocorreu com a compra de chips para nossos passaportes.