
Em evento para celebrar os 75 anos do padre Julio Lancellotti nesta quarta-feira (27), lideranças religiosas reunidas na Paróquia de São Miguel Arcanjo, na zona Leste da capital paulista, dizem que o presbítero representa uma inspiração para a sociedade e para diversas vertentes da fé.
A comemoração organizada por professores, escritores, jornalistas, reuniu religiosos, representantes de torcidas, como o Coletivo Democracia Corinthiana (CDC), atuais e ex-parlamentares, a exemplo de Eduardo Suplicy, que exerce seu primeiro mandato como deputado estadual, pelo PT, e Adriano Diogo, que também ocupou uma vaga na Assembleia Legislativa paulista em legislaturas anteriores, além de pessoas em situação de rua.
“Em meios às divergências religiosas entre o islamismo e o cristianismo, a gente sempre tá junto nas convergências porque nós somos humanos. Eu como um xeique, um líder religioso do islamismo atuando com a população de rua, tenho o padre Julio como um grande professor”, disse o Xeique Rodrigo Jalloul.
“Mais do que a questão de lutas pelas causas sociais, pelos direitos dos mais afetados, dos mais reprimidos, o que a gente tem é uma convivência diária, eu tenho um carinho e uma amizade muito grande pelo padre Julio”, continuou o religioso, que conta que aprendeu com o padre como atuar com a população em situação de rua.
“Antigamente eu só dava comida, por exemplo. O padre Julio falava: ‘errado. Você estudou tanto para só dar comida. Você não é garçom!’. Ele falava que nós temos que conviver. É na convivência que vai haver briga, vai haver conflito, mas é ali que a gente constrói o amor e cria as pontes”, completou.
Também para o pastor Leandro Rodrigues, da Igreja Habitar, “o padre Julio tem sido essa inspiração de ajuda humanitária, tem nos ensinado. E hoje é um dia muito especial, de estar aqui no aniversário dele”, diz. “É uma pessoa que nos inspira, inspira a outras vertentes do cristianismo, uma pessoa que nos impulsiona a ser como Jesus, a andar com os pobres, a ajudar aos pobres, a fazer esse trabalho social tão importante, ainda mais nesses últimos quatro anos, que a gente vem aí de um período terrível”, comenta.
A igreja Habitar atua com pessoas em situação de vulnerabilidade social, inclusive acolhendo a comunidade LGBTQIA+ e por conta disso sofre ataques dos extremistas de direita. “A nossa igreja acolhe a comunidade LGBTQIA+, nós chamamos as pessoas que foram excluídas de igrejas tradicionais, nós acolhemos, nós recebemos. Por aí a gente já é muito discriminado – tivemos a conta do Instagram derrubada pelos conservadores fanáticos”, relata o pastor.
“E ainda – um pastor andar com o padre Julio, – é um desafio muito grande dentro da vertente evangélica. Mas é o que eu costumo dizer: padre Julio é um santo vivo. Ele tem me inspirado e tem inspirado a outros evangélicos a seguir o exemplo dele nessa questão de ajuda aos vulneráveis”, continua.
Leandro relata os problemas enfrentados durante a pandemia, situação agravada pelo descaso e omissão do governo de Jair Bolsonaro (PL) e também por parte do governo do estado e da prefeitura. “Nós não tivemos um governo, nós tivemos um desgoverno, em que, tanto (nas esferas) federal quanto estadual, muitas pessoas não foram assistidas. Outras associações – inclusive a prefeitura – não estiveram na rua assistindo à população. Essas pessoas já estavam vulneráveis à Covid, muitos moradores (de rua) morreram por causa da doença e muitos passaram fome”, denuncia.
“Muitas associações que faziam ação na rua não saíram, com medo da Covid, as pessoas passaram frio, fome, foi um desafio muito grande. Nós não encontrávamos máscaras para distribuir para a população, nós não encontrávamos álcool em gel para essa população, más nós estivemos na rua, junto com o padre Julio, com o xeique Rodrigo para assistir a essas pessoas.
O religioso diz que novos horizontes se abriram com a eleição do atual presidente com vistas a superar o período bolsonarista e na perspectiva de assistir à população em situação de rua e outras pessoas carentes. “O novo governo olha para a situação da população de rua. Até nós como instituição independente estamos numa expectativa muito grande”, continua. “Nós já tivemos esse ano que foi muito bom para a gente em termos de questões como ações na rua, apesar de estarmos no Estado de São Paulo, que a gente vê a dificuldade que é tanto estado quanto prefeitura”, ressalta.

BONS EXEMPLOS
“Eu hoje tive a felicidade de partilhar um pouco do momento em que o padre Julio colocava em mãos da população de rua, panetone, suco, água. Ele sempre dando bons exemplos. Tantas vezes nós estivemos juntos em programas assim, para o Brasil, disse Eduardo Suplicy, que atuou na distribuição do café servido à população de rua todos os dias no Centro Comunitário Irmã Dulce.
“Seguimos as recomendações do Papa Francisco. Defendemos políticas econômicas que possam elevar o grau de justiça para que então possa haver a paz dentro de cada país”, continuou o deputado.
“Em seu último livro, o Papa Francisco disse que está na hora de colocar em prática a renda básica universal. Então agora já tem até apoio do Papa”, ressaltou o deputado, arrancando aplausos dos presentes. Ele informou que um grupo formado por mais de 100 pessoas, entre economistas e cientistas sociais e outras personalidades, incluindo o padre Julio, está elaborando uma proposta sobre como viabilizar a transição gradual do programa Bolsa Família – “que tantos méritos têm – para chegar à renda básica universal e institucional”, a ser encaminhada ao presidente da República.
Natasha Hills, que compareceu para homenagear o aniversariante, disse que, “com o padre Julio eu recebi ajuda de roupas, de alimentos, fui orientada. As mulheres brasileiras, as mulheres trans, quando saem de um relacionamento ficam muito fragilizadas”, conta Natasha, que diz se sentir menos exposta com a proteção do religioso e por agora estar “namorando uma pessoa decente”.
Também presente neste dia, a representante da Companhia das Letras Isabela Santiago, disse que o livro “Aporofobia: você não conhece a palavra, mas conhece o sentimento”, de Blandina Franco e José Carlos Lollo, sob orientação do padre Julio, que chegou às livrarias em setembro e já está tendo programada uma nova edição, disse que a obra “é quase uma didática sobre o que é aporofobia”. O intuito, segundo Isabela, “é fazer com que as pessoas deixem de ter atitudes rudes, preconceituosas com relação às pessoas que estão em situação de rua”.
Ela informou para o HP em primeira mão que durante um ano parte da arrecadação com as vendas do livro será doada à Paróquia de São Miguel Arcanjo. A obra é a mais vendida, dentre 7 mil títulos no site da editora, segundo Isabela.
SOZINHO NINGUÉM FAZ NADA
“Tudo que a gente tem a fazer é no conjunto de muitas pessoas. Eu não faço nada sozinho. O mutirão, o coletivo, o MST, movimentos envolvendo sacolões, vamos abrir o Sacolão São Pedro Bettancourt, estamos abrindo a Casa Santa Virgínia, onde vamos ter os cursos profissionalizantes com o Senac para as pessoas em situação de rua”, destacou Lancellotti, ao agradecer aos presentes.
“Também a escola do Instituto Ruas para ajudar mulheres trans, mulheres cis, a Casa Santa Virgínia para cuidar do idoso. Sozinho ninguém faz nada, nada eu faço sozinho, é todos em conjunto. Todos nós partilhamos juntos”, enfatizou. É uma luta coletiva, é uma luta de todos nós, Instituto Ruas, através das escolas Santa Paula e Santa Marina.
JOSI SOUSA