A professora da UFRJ alerta que “ninguém na empresa está preocupado com a perda de eficiência operacional”. “A decisão traz maiores riscos de mais incidentes que levem a interrupções no fornecimento de eletricidade”, acrescentou a especialista
A decisão da direção da Eletrobrás e de sua assembleia de acionistas, tomada apressadamente, na quinta-feira (11), de extinguir a antiga subsidiária de Furnas, representa um atropelo ao sistema elétrico do país e ao governo, que está questionando no Supremo Tribunal Federal a representatividade da composição acionária da ex-estatal de energia.
BASICAMENTE UMA OPERAÇAO FINANCEIRA
A professora da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz, afirmou em entrevista ao HP, neste domingo (14), que a decisão dos controladores da Eletrobrás “é basicamente uma operação financeira em detrimento da segurança do abastecimento”.
Para ela, a assembleia tomou uma decisão extremamente prejudicial para o setor elétrico brasileiro. “A extinção de Furnas traz maiores riscos de mais incidentes que levem a interrupções no fornecimento de eletricidade”, apontou. A subsidiária de Furnas, extinta pela decisão da assembleia dos acionistas, é uma subsidiária gigante e tem atuação em geração, transmissão e comercialização de energia em 15 estados e no Distrito Federal.
Clarice chama a atenção para as dificuldades que a extinção de Furnas vai trazer para a regionalização das operações do sistema. Em sua opinião, os dirigentes da Eletrobrás estão mais preocupados com os resultados financeiros do que com a qualidade e a segurança do sistema. “Só falam de eficiência financeira”, observa a professora.
NINGUÉM QUESTIONA PERDA DE EFICIÊNCIA
“Ninguém na empresa questiona a perda de eficiência operacional, crucial para a integração adequada e segura das fontes renováveis (observando os impactos ecológicos e tarifários), nem o comprometimento da segurança de abastecimento”, destacou a docente da UFRJ, numa crítica à ganância dos grupos que passaram a controlar a Eletrobrás. A extinção de Furnas trará também, segundo a especialista, muitas dificuldades para o controle dos reservatórios e do seu entorno.
O adequado controle dos reservatórios das hidrelétricas é crucial, não apenas para a melhor controle dos impactos ecológicos da utilização dessas águas pelas empresas, como também na garantia da regularidade da oferta energética durante as oscilações de oferta, características das fontes eólicas e fotovoltaicas. Os reservatórios podem cumprir muito melhor esta função do que as usinas termoelétricas, que são mais caras e poluentes.
A especialista chama a atenção também para “o desmonte dos laboratórios de tecnologia dos sistema, como o localizado em Goiânia, mantidos por Furnas”. Clarice destaca que “a Eletrobrás já está avançando com o desmonte da estrutura, enquanto também esvazia o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel)”.
“De produtores de tecnologia passamos a ser vulneráveis consumidores de tecnologias importadas”, denuncia a professora.
CORTE DE PESSOAL, DE MANUTENÇÃO E DE INVESTIMENTOS
Ela fez duras críticas também à privatização da Eletrobrás. “A operação busca a maximização de lucros de curto prazo, obtida de forma simplória, com cortes de pessoal, manutenção e investimentos’, apontou. “Tudo que vem ocorrendo em consequência da privatização, só trouxe malefícios. É uma ameaça ao desenvolvimento econômico e social e enseja enfraquecimento geopolítico do Brasil, diante da perda de soberania energética que se agudiza”, prosseguiu a diretora do Instituto ilumina.
O Planalto questiona a constitucionalidade de uma cláusula constante no processo de privatização da Eletrobrás que definiu que, mesmo sendo portador de 42,6% das ações da empresa com direito a voto, o governo só poder se manifestar com apenas 10% dessas ações.
O descalabro é tanto, que mesmo possuindo quase metade das ações, o governo não tem, por exemplo, nenhum representante na diretoria ou no conselho de administração da empresa. Entre os novos donos da Eletrobrás está o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – os mesmos que quebraram as Lojas Americanas.
LIMINAR PERMITIU ASSEMBLEIA
A decisão do comando da Eletrobrás só conseguiu se concretizar por conta de uma liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, autorizando a realização da assembleia dos acionistas.
A Associação dos Empregados de Furnas (Asef) também repudiou a decisão e já anunciou que vai recorrer contra a extinção e incorporação de Furnas à Eletrobrás. O diretor da organização da Asef, Victor Costa, informou que a entidade vai fazer um recurso contra a decisão de Alexandre de Moraes, levando-a para uma Turma do Supremo.
“A gente não vai desistir, vamos recorrer e ir até as últimas instâncias para fazer a defesa dos trabalhadores de Furnas, da Eletrobrás e, principalmente, da soberania nacional e energética”. Desde sua privatização, em 2022, a Eletrobrás já demitiu mais de 4 mil funcionários através de um Plano de Demissão Voluntária (PDV).