
Um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Vereadores de Araraquara (SP) institui e inclui no calendário de eventos do município a Semana Municipal de Direitos Humanos “Luiza Augusta Garlippe, a Tuta”. A iniciativa foi dos vereadores Fabi Virgílio (PT) e Guilherme Bianco (PCdoB).
A semana municipal celebrada anualmente na segunda semana de dezembro tem como objetivo promover, difundir e fomentar os direitos humanos. A data pode ser festejada com reuniões, palestras, seminários, eventos e diversas ações educacionais, culturais e inter-religiosas.
A araraquarense Tuta Garlippe era militante crítica contra a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Segundo a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, ela foi perseguida pelo regime e passou a viver na região do Rio Gameleira, próximo ao Rio Araguaia (fronteira entre Pará, Maranhão e o atual estado do Tocantins).
Tuta foi vista viva pela última vez em 25 de dezembro de 1973. Investigações posteriores registraram que a araraquarense foi morta em junho de 1974, aos 32 anos de idade, na Guerrilha do Araguaia.
Em declaração à Hora do Povo, o vereador Guilherme Bianco destacou a importância de Tuta para Araraquara e da criação da semana de Direitos Humanos na cidade.
“A história da cidade de Araraquara é marcada pela luta em defesa da democracia e do direito dos trabalhadores. Não só a história recente comprova isso, mas a gente tem inúmeros exemplos ao longo da jornada da nossa cidade que tem conquistado corações e mentes dos araraquarenses em defesa do bom, do justo e da justiça social. Um dos maiores exemplos da nossa história é da Tuta Garlippe, que foi uma mulher absolutamente abnegada em defesa dos direitos dos trabalhadores e sempre lutando em defesa das liberdades democráticas. Não é à toa que ela deu sua vida em defesa disso”, disse.
“Quando resolvemos nomear a Semana de Direitos Humanos da cidade de Araraquara como a Semana de Direitos Humanos Tuta Garlippe, é para deixar marcado na nossa história que o nosso povo tem muito orgulho da Tuta. Ela que era uma enfermeira, que era militante do PCdoB, e que dedicou sua vida contra a ditadura, contra a repressão, contra aquele regime de barbárie e de ódio que estava instalado no Brasil. E ela foi assassinada de forma macabra pelo Curió, que já deu entrevista, inclusive, falando, se orgulhando de ter assassinado a Tuta”, destacou Guilherme.
“A gente constrói o entendimento coletivo da cidade, do país, de uma cultura, de uma comunidade a partir de exemplos. E quando a gente tem a Tuta como um exemplo de abnegação e doação completa em defesa do próximo, do coletivo, da comunidade, nesse caso muito específico da Tuta, contra a barbárie, contra a chacina, contra a ditadura, em defesa da democracia, do direito dos trabalhadores, das trabalhadoras, das pessoas que mais precisam, é um exemplo que a gente deve levar para cada jovem, para cada criança da nossa cidade, para que todos possam se espelhar no exemplo dela”, ressaltou o vereador.
Autor do projeto de lei Tuta Garlippe, Bianco afirmou que é merecido o reconhecimento pela cidade da história de Tuta.
“Eu tenho um orgulho tremendo. Ter sido um dos autores desse projeto de lei, que hoje foi aprovado por unanimidade, eu tenho certeza que a Tuta merece todos os reconhecimentos possíveis da cidade de Araraquara por tudo que ela representa para o nosso povo. A Tuta é um dos milhares de exemplos de mártires que o Brasil tem em defesa da democracia, em defesa da liberdade, em defesa de um país soberano e democrático. Viva a Tuta e todo o exemplo que ela deixa para as futuras gerações em defesa de um país justo, próspero, mas principalmente em defesa da democracia e das liberdades democráticas”, concluiu o vereador.
HISTÓRIA DE LUTA
Luiz Armando Garlippe, coordenador da Reabilitação de Araraquara e sobrinho de Tuta, disse que a família se emocionou com a homenagem e destacou a importância do reconhecimento pela cidade, da história e da luta de Tuta Garlippe.
“Tuta, junto a Dina foi a última a cair na guerrilha em 1974, infelizmente, assassinada, capturada viva! Nós temos alguns relatos ainda de que houve um confronto, principalmente com seu Algoz, o Major Curió. Eu me emociono para falar porque a gente não teve a oportunidade de enterrá-la, não teve a oportunidade de velar seu corpo, não teve a oportunidade de dar toda a importância que ela tinha na época a favor da democracia, contra a ditadura, e sempre a favor da cidadania, da democracia e preconizando a constituição que ainda havia de vir em 1988”, disse.
“Tudo o que ela pensava era pela luta, uma enfermeira da USP, que estava na região para fazer parto, para cuidar da saúde da população, chefiando a equipe médica da guerrilha do Araguaia, foi brutalmente assassinada sem a menor condição de resistir. Enfim, a gente está provando aqui em Araraquara, na sua cidade, onde ela estudou ensino médio antes de ir para a USP, estudou toda a sua educação básica, se formou como pessoa, e Araraquara mais uma vez se prova como uma cidade com foco na democracia e da resistência no país”, afirmou Luiz, em declaração ao HP.
Fabi Virgílio em declaração ao portal RCIA, destacou que 10 de dezembro é a data em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Nesta data, em 1948, foi proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
“São os Direitos Humanos que nos protegem da barbárie do passado para a evolução dos direitos de existência. Falar de Direitos Humanos é garantir que o assombroso passado de injustiças não volte a sucumbir à humanidade. Falar de Direitos Humanos é falar de liberdade, do princípio da indivisibilidade, princípio da interdependência e da inalienabilidade. E poder homenagear Luiza Augusta Garlippe, a Tuta, é poder enaltecer o avanço dos Direitos Humanos, honrar sua história e reafirmar nosso pacto civilizatório”, disse a vereadora.
HOMENAGEADA
Luiza Augusta Garlippe estudou até o fim do curso científico em Araraquara e mudou-se para São Paulo para cursar enfermagem na Universidade de São Paulo (USP), formando-se em 1964. Em seguida, passou a trabalhar no Hospital das Clínicas, chegando a enfermeira-chefe do Departamento de Doenças Tropicais, assunto em que se especializou. Participava da Associação dos Funcionários do Hospital das Clínicas, distribuía panfletos e organizava seus colegas de trabalho.
Tuta se destacou na luta pela democracia. Com sua militância crítica contra a ditadura, ela se juntou ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ela começou a ser perseguida pelo regime e, na iminência de ser capturada, foi obrigada a sair do estado de São Paulo para a região norte do Brasil.
Com seu companheiro, Pedro Alexandrino (desaparecido em 4 de agosto de
1974), foi viver na região do Araguaia, onde desenvolveu intenso trabalho relacionado à saúde, destacando-se como parteira.
Um relatório do Ministério do Exército, de 1993, afirma que Tuta era “[…] considerada desaparecida desde 5/74”. Outro relatório, do Ministério da Marinha, diz que teria sido “[…] morta em junho/74”.
ALGOZES
Em entrevista dada à Revista Playboy de dezembro de 2006, o tenente-coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, afirmou ter assassinado as guerrilheiras Dinalva Teixeira e Luiza Augusta Garlippe.
Já em depoimento feito no livro “Mata! O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia”, do jornalista Leonencio Nossa, o oficial oferece outra versão, afirmando que as entregou vivas ao chefe do Centro de Triagem e Informações, o tenente-coronel Léo Frederico Cinelli.
Outra possibilidade para o modo de como a araraquarense foi morta pode ser obtida no documentário de Belisário França, “Soldados do Araguaia”, por meio dos relatos dos sentinelas que faziam a vigia do local onde estavam aprisionadas Tuta e “Dina”.
Os soldados descreveram que os militares costumavam levar os prisioneiros e prisioneiras em “viagens” de helicóptero e, em seguida, voltavam sem os “passageiros”. Os próprios soldados, apesar de não terem presenciado o ato, relatam que provavelmente os prisioneiros eram jogados do helicóptero na selva.
Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas na região do Araguaia. Dentre elas, está Tuta Garlippe.
TIAGO CÉSAR