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No último dia para vetar projeto, prefeito apresentou 58 supressões ao texto aprovado pela Câmara dos Vereadores que privilegia a especulação imobiliária num crescimento desenfreado na cidade
Atendendo a pressão de urbanistas, parlamentares progressistas, movimentos sociais e diversas entidades, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sancionou com vetos a revisão da Lei de Zoneamento, que foi aprovada pela Câmara Municipal em dezembro de 2023. O texto foi publicado em edição extra do Diário Oficial, nesta sexta-feira (19).
Dentre os 58 pontos vetados por Nunes estão o que aumentaria a altura de prédios nas chamadas zonas mista e de centralidade; o que permitiria a construção de habitações de interesse social em áreas de proteção ambiental (Zepam) e o que autorizaria que vereadores definissem o tombamento de imóveis na cidade, restringindo o poder do Conpresp – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.
Um dos pontos mais criticados da reformulação da Lei de Uso e Ocupação no Solo na cidade era o que permitia prédios mais altos nas Zonas Mistas (ZM), “miolos” dos bairros, como são chamados. O texto aprovado pelos vereadores autorizava a construção de prédios mais altos em regiões mais afastadas de estações de trem, metrô e corredores de ônibus. Por exemplo, no caso de um terreno de 2.100 m² nesses locais.
“Essa revisão desorienta o desenvolvimento na medida que entre outras descaracterizações do PDE 2014 o substitutivo ao PL da Revisão mais do que dobra a área passível de verticalização sem limites no entorno dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETUs), apontou na ocasião o engenheiro civil Ivan Maglio, pesquisador do Centro Cidades Globais do IEA e do Laboratório de Áreas Verdes da FAU/USP em Mudanças Climáticas e Planejamento Urbano.
“Praticamente elimina os miolos de bairros no centro expandido e cria uma Zona de Concessão para os equipamentos municipais concedidos para o setor privado (parques, cemitérios, mercados etc.)”, prosseguiu Ivan, “onde poderão ser possíveis usos hoje não permitidos: Ginásio do Ibirapuera, Anhembi, Interlagos, Pacaembu entre outras Zonas de Ocupação Especial – ZOEs”.
“Uma barbaridade que atende exclusivamente aos interesses privados e coloca em risco o patrimônio público da cidade”, completou o engenheiro, que também integra o Conselho Deliberativo da EngD (Engenharia pela Democracia).
LIMITAÇÃO DE PRÉDIOS
Pelas regras atuais, a altura limite dos prédios no meio dos bairros é de 28 metros. A legislação hoje permite a uma construtora erguer duas torres de oito andares. O projeto da Câmara permitiria a construção com uma altura maior: 42 metros em uma torre única, de 12 andares. Além disso, nas Zonas de Centralidade (ZC), a altura limite passaria de 48 metros para 60 metros.
A compensação, por sua vez, seria a ampliação das áreas verdes no terreno e mais espaço para a circulação de vento. Um desconto de até 20% na contrapartida paga pelo construtor para a Prefeitura de São Paulo caso o empreendimento tivesse, por exemplo, floreiras, jardins verticais, energia solar, pré-tratamento de esgoto, os chamados “prédios-conceito”. A oposição era contrária por avaliar que era um desconto elevado para algo que deveria ser obrigatório nos empreendimentos.
Por sua vez, o urbanista Ciro Pirondi, da Escola da Cidade, avaliou que prédios mais altos nessas áreas poderiam ampliar a sombra sobre outros imóveis, mas vê pontos positivos na lei. “A verticalização em si não é um problema, mas a qualidade do que se faz com essa verticalização no espaço residual da cidade. Depende muito dessa qualidade”, disse ao G1.
No veto, o prefeito alegou que, apesar de a proposta ter como meta incentivar a construção de Habitações de Interesse Social, a Revisão Intermediária do Plano Diretor Estratégico (PDE) já trouxe ajustes sobre o tema, “de modo que seria contraditório passar a incentivar mais construções nos miolos”.
Segundo Nunes, “como a área de influência dos eixos foi expandida com a revisão do PDE e da LPUOS (Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo) […] não se justifica o aumento de gabarito também na ZC” e “especialmente na ZM que cobrem grande parte do território, desequilibrando o Planejamento Urbano Geral da cidade”, justificou.
Na quinta-feira (18), entidades profissionais e acadêmicas, urbanistas e especialistas divulgaram um manifesto contra o atual projeto de revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo no final de dezembro. O documento também foi respaldado pela Ordem dos Advogados do Brasil – seção SP, que enviou um ofício dirigido ao prefeito Ricardo Nunes em 11 de janeiro último.
Para o arquiteto e urbanista Candido Malta Campos Filho, que atuou como secretário de planejamento da cidade na década de 1970, o novo texto da Lei de Zoneamento é “um grande retrocesso”.
Já Nabil Bonduki, relator da revisão feita em 2004, aponta muitas contradições nas mudanças aprovadas pela Câmara. Para Nabil, “essa revisão vai destruir a legislação urbanística cultural e ambiental da cidade”. “Além disso”, continua ele, “tivemos também substitutivo apresentado 48 h antes da votação, ou seja, sem tempo para analisar, sem legibilidade dos mapas”. “Tudo isso torna essa lei problemática para a cidade”, avaliou Bonduki.
Nunes informou que ainda está analisando algumas questões relacionadas ao texto. No início do ano ele disse que estudava vetar o artigo do projeto de revisão que delega aos vereadores a decisão final sobre o tombamento de imóveis da capital paulista. Esse ponto é criticado por especialistas e entidades que lutam pela preservação do patrimônio histórico da capital. “Dentro da minha equipe técnica existe dúvida, divergências do que é mais benéfico”, disse o prefeito.
“No último dia 11, a OAB SP encaminhou um ofício ao prefeito pedindo veto aos artigos relativos ao tombamento de imóveis (artigos 89, 90 e 91) da nova Lei de Zoneamento. Uma nota técnica preparada pela Comissão de Direito Urbanístico da Secional alerta que os três artigos inseridos pela Câmara Municipal transferem para o Legislativo a discussão sobre a proteção ao patrimônio”, diz trecho de nota da OAB.
A entidade reforça que o tombamento é ato administrativo, sendo atribuição do Poder Executivo. “Inseridos poucas horas antes da última votação do PL, os artigos 89, 90 e 91 não foram debatidos, seja com o Conpresp e DPH, seja com a sociedade civil. Como resultado, temos uma previsão no Plano Diretor que vai à contramão do entendimento jurisprudencial acerca da competência para se decidir definitivamente pelo tombamento, além de alijar a sociedade civil, o olhar técnico e o contraditório sobre esse processo decisório”, continua o texto.
PROJETO SEM DISCUSSÃO COM A SOCIEDADE
A presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB SP, Lilian Regina Gabriel Pires, ressalta a preocupação com a falta de debate do novo projeto. A entidade ressalta que já havia uma preocupação com relação ao projeto enviado pelo Executivo para a Câmara, mas depois a própria Câmara devolveu um novo projeto “totalmente desnaturado”. “Não houve tempo suficiente para um olhar técnico, e muito menos, para uma discussão com a sociedade civil”, afirma a presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB SP, Lilian Regina Gabriel Pires.
A Lei de Uso e Ocupação do Solo define o que pode ser construído e o tipo de uso, como residencial, comercial ou industrial, em cada rua da capital. A legislação em voga diz que se 50% de um quarteirão tiver prédios que ultrapassem os limites definidos posteriormente, todo o quarteirão pode mudar e ter prédios mais altos.
Na revisão aprovada pelos vereadores, esse parâmetro cai. Assim, se 40% dos prédios já estiverem acima do limite, todo o quarteirão pode ganhar edifícios mais altos.
Com relação às vilas, elas só poderão sofrer mudanças se todos os donos de imóveis concordarem. Esse era outro ponto que demandava preocupação. Em um raio de até 20 metros das vilas, os prédios terão altura máxima variando de 15 m a 28 m.
No texto aprovado na Câmara, os vereadores incluíram um item – em atendimento à reivindicação dos habitantes – que a Terra Indígena do Jaraguá seja resguardada como Zona de Proteção Ambiental. A área alvo de uma disputa desde 2016, quando foi demarcada como Zona Especial de Interesse Social, que permitia a construção de moradias para famílias com renda de 1 a 6 salários-mínimos.