ALLAN KARDEC (*)
Uma breve olhada nas notícias diárias e vemos uma profusão delas sobre hidrogênio, principalmente o denominado “hidrogênio verde”. Como me interessei, há algum tempo, junto com outros nomes maranhenses como o ex-Governador e amigo José Reinaldo Tavares, divido aqui um breve resumo – com a possibilidade de ser exageradamente curto – sobre um artigo de um dos maiores nomes de energia do Brasil: Ildo Sauer, professor e amigo da USP, com um denso currículo, que ele publicou com os colegas Michael Aba e Nilton Amado, em uma das maiores revistas sobre hidrogênio da área, a International Journal of Hydrogen Energy.
O trabalho é profundo, com uma proposta inovadora: a comparação do uso do hidrogênio com energia elétrica como substrato para prover energia à sociedade de hoje. Eles percorrem toda a cadeia: a fonte de energia, como gás natural, solar, hidroelétrica, etc; A produção, como eletrólise ou turbinas eólicas; o armazenamento, como compressão ou em combustíveis sintéticos; o transporte via gasodutos ou redes de eletrificação e; os consumidores finais, como a indústria ou os veículos.
Ora, o hidrogênio e a eletricidade têm características diferentes que os tornam únicos como portadores de energia. Ele é uma alternativa, hoje entendida como de baixa emissão, que potencialmente forneceria energia de qualidade para usos finais, particularmente para o setor de transportes.
Por outro lado, a eletricidade é um transporte mais maduro e avançado em larga escala, com maior Retorno sobre o Investimento em Energia (RIE) em relação ao hidrogênio. Ela já tem vários usos finais em todas as indústrias e é um meio de armazenamento de curto prazo preferível, enquanto o hidrogênio seria melhor como um combustível de energia de médio e longo prazo de pico e sistema de fornecimento de calor.
O RIE para as tecnologias de produção de eletricidade excede o limiar crucial para sistemas de energia economicamente viáveis. Isso sugere que os métodos convencionais de geração de eletricidade que dependem de carvão e gás natural exibem valores mais altos de RIE quando comparados à maioria das tecnologias de eletricidade renovável, com as exceções sendo a energia hidrelétrica e a tecnologia nuclear.
Na comparação entre as duas fontes, o hidrogênio é recomendado pelos autores como uma opção de armazenamento de energia em vez de um transportador em situações em que é difícil reduzir o número de indústrias e a extensão da rede não é viável. Além disso, os autores propuseram que o hidrogênio seja um meio de armazenamento de energia a curto e médio prazo devido às altas perdas associadas durante a transferência, aos requisitos de infraestrutura e à pouca ou nenhuma adaptabilidade atual do uso final, a menos que seja transformado em combustíveis sintéticos.
A metodologia de cadeia de produção utilizada no estudo do grupo do professor Sauer indica que tanto os meios de transporte a hidrogênio quanto a eletricidade podem ter emissões significativas na etapa de produção de seus ciclos de vida. Além disso, constatou-se que as tecnologias convencionais e estabelecidas para gerar hidrogênio e eletricidade emitem mais do que as fontes de energias renováveis e nucleares. Para gerar hidrogênio, pensando nas emissões, o caminho seria a energia eólica, solar, hidrelétrica ou nuclear.
Por outro lado, em artigo recente, o ex-ministro Raul Jungmann mostrou que o Banco Mundial projeta que até 2050, a energia verde exigirá mais de 3 bilhões de toneladas de minerais essenciais, como cobre para energia fotovoltaica, ferro e “terras raras” para energia eólica, e cobre e alumínio para redes elétricas. Além disso, a eletrificação dos transportes aumentará a demanda por lítio em 965%, com veículos elétricos requerendo significativamente mais cobre, manganês e outros minérios raros como níquel, grafita e cobalto, segundo a Agência Internacional de Energia.
Bom lembrar igualmente que o Governo vai utilizar uma nova forma de cálculo a forma de calcular as emissões de gás carbônico dos veículos chamada do “poço à roda”. Atualmente, a medição de emissões se limita aos gases liberados pelo escapamento dos veículos. Com a nova abordagem, será incluída na contabilidade das emissões a quantidade de CO2 gerada na produção e transporte do combustível. Para veículos elétricos, isso também abrangerá as emissões relacionadas à geração de energia elétrica.
Como vemos, o debate é complexo e talvez o Brasil queira continuar com os cuidados de sempre quando no debate energético: parcimônia. Afinal, somos o país com a matriz energética mais diversa e limpa do planeta. Por exemplo, há vários autores ponderando que a produção mineral tem de entrar na equação de todo o cálculo, como é feito no sistema “poço à roda”, dos veículos. E olha que não falei aqui de outro problema central no mundo e especificamente em nosso país: qual energia ajudaria a tirar o pobre da pobreza?
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho é PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC e presidente da Gasmar (Companhia Maranhense de Gás).