Depois da entrevista de terça-feira à noite, no Jornal Nacional, da TV Globo, está revelada a serventia da candidatura de Bolsonaro: ela serve para que uma fila de inúteis, que nunca fizeram nada pelo país – ou desistiram de fazê-lo ou até de tentar fazer – se sintam muito “de esquerda”, ao ouvir os belos conceitos desse troglodita político-ideológico. É aquela turma que massageia seu ego nas chamadas “redes sociais”, descendo o cacete em Bolsonaro, como se isso fosse algo difícil.
Pelo contrário, é fácil. Um sujeito que acha que o desemprego no Brasil é causado pelo excesso de direitos trabalhistas – e não pela política que ele e seu pajé econômico, Paulo Guedes, se propõem a continuar e até piorar; que é contra os direitos para as empregadas domésticas; que acha desnecessário fazer alguma coisa para que as mulheres tenham um salário igual ao dos homens pelo mesmo trabalho ou função – é um alvo mais do que fácil.
Já abordamos aqui a saída de Bolsonaro do Exército (v. Terrorismo de baixa potência).
Portanto, não é uma surpresa que ele defenda a redução do Estado Nacional – isto é, da Nação – em prol, diz ele, do “seu celular, seu relógio, sua poupança, sua casa, sua moto, seu carro, sua terra” (v. o programa registrado por Bolsonaro no TSE).
Nada há de mais antagônico ao espírito de Caxias.
O chefe de seu programa econômico, Paulo Guedes, afirmara que o “ajuste” que pretende fazer, consiste em “privatizar tudo”, inclusive a Petrobrás.
Na entrevista de terça-feira, disse Bolsonaro que “é quase que um casamento. Eu estou namorando o Paulo Guedes há algum tempo e ele a mim também”.
Vejamos, então, alguns trechos da entrevista:
ENTREVISTADOR: O senhor tem dito que, para ter mais emprego, é preciso ter menos direitos trabalhistas. Eu pediria ao senhor que explicasse. Num governo Bolsonaro, quais direitos trabalhistas os brasileiros deixarão de ter?
BOLSONARO: Faltou um pedacinho antes. Eu tenho falado em todas as reuniões que eu faço, há quase quatro anos, em palestras pelo Brasil, que a classe empregadora – são os comerciantes, são os industriais, os empresários – tem dito o seguinte. Eles têm dito o seguinte: um dia o trabalhador vai ter que decidir: menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego. Por que isso? O custo do Brasil…
ENTREVISTADOR: O senhor verbaliza o que dizem os empregadores? Na condição de candidato à Presidência.
BOLSONARO: Sim, sim. E eu tenho falado para eles: “Vocês têm que demonstrar isso”.
ENTREVISTADOR: Mas quais são os direitos trabalhistas que o senhor como presidente tiraria?
BOLSONARO: Esses direitos estão previstos no artigo 7º da Constituição, cláusulas pétreas, nenhum pode ser retirado. Nenhum pode ser retirado. O que nós temos que fazer, aí parte do Executivo, nós temos que desonerar a folha de pagamento, nós temos que desburocratizar, nós temos que desregulamentar muita coisa. Evitar que, para se abrir uma empresa, leve em média, aí, cem dias no Brasil. E isso tem que fazer para ajudar a ter emprego no Brasil. Bonner, você não consegue no Brasil…
ENTREVISTADOR: Candidato, eu estou tentando extrair do senhor uma informação objetiva, com o seguinte propósito: não seria mais correto, antes da eleição, o eleitor saber, o trabalhador saber, de que tipo de direitos o senhor está disposto a tirar, que tipo de direitos o senhor está disposto a suprimir uma vez eleito, para não ter uma surpresa depois?
BOLSONARO: Primeiro, desculpa Bonner, quem porventura tirar direito, não vai ser o chefe do Executivo, vai ser a Câmara e o Senado.
ENTREVISTADOR: O senhor vai propor ao Congresso?
BOLSONARO: Não, não vou. Só se você tiver uma nova Assembleia Nacional Constituinte. E se você abrir, instaurar uma nova Assembleia Nacional Constituinte, a gente não sabe o que vai acontecer dentro do Parlamento, você perde o controle daquilo lá. Agora, isso é uma realidade, você não consegue produzir um prego no Brasil e botar de forma competitiva no Paraguai. E mais ainda, uma grande verdade: o salário hoje é muito para quem paga e pouco para quem recebe. Vou partir dessa premissa para buscar a solução do problema. E não jogue a responsabilidade em cima de um candidato à Presidência por essa quantidade de problemas que nós temos no Brasil.
ENTREVISTADOR: … o candidato disse que é preciso ter menos direitos trabalhistas para ter mais empregos.
BOLSONARO: São os empresários que têm dito isso.
ENTREVISTADOR: O senhor tem verbalizado, candidato… Mas vamos lá. Aparentemente, o senhor concorda com isso.
EMPREGADOS DOMÉSTICOS
ENTREVISTADOR: … o Brasil assistiu à aprovação da PEC dos domésticos, e a PEC dos domésticos dignificou a profissão de milhões de trabalhadores brasileiros. Deu a eles direitos que até então não tinham. No entanto, o senhor votou contrariamente à PEC dos domésticos. Eu lhe pergunto: por que o senhor considera que esses milhões de cidadãos trabalhadores brasileiros não teriam direito, não mereceriam esses direitos conquistados?
BOLSONARO: Não é “o senhor votou contra”, eu fui o único a votar contra, em dois turnos, então não houve erro da minha parte. Foi para proteger, o que eu defendia são os mesmos direitos, mas de forma gradativa. Levou milhares, milhões de senhoras e alguns homens que exerciam o trabalho doméstico para ser o quê? Diaristas. E como diaristas não estão, sequer, grande parte deles, recolhendo para a sua Previdência. Então tem que ser devagar. Muita gente teve que demitir, porque não teria como pagar, muitas mulheres perderam o emprego exatamente pelo excesso desses direitos. Essa foi a minha intenção. Nada contra…
ENTREVISTADOR: O eleitor deve entender então que para o senhor não tem saída. Ou não tem direito, ou não tem emprego.
BOLSONARO: Que tal a gente aprovar todos os direitos trabalhistas para os militares das Forças Armadas, você seria favorável? Eu sei que o entrevistado está sendo eu, vamos aprovar todos direitos trabalhistas para os militares das Forças Armadas e Forças Auxiliares?
ENTREVISTADOR: Eu falei de empregados domésticos e o senhor votou, e, como o senhor disse, foi o único a votar contrariamente…
BOLSONARO: Não, votei e não nego, votei pretendendo defender e sabendo que ia ser o único votando contra. Então, eu não me joguei no covil dos leões para a imprensa não bater em mim na época. Houve, sim, demissão, Bonner, houve. Muita gente que chegava, dormia no trabalho, passou a não dormir mais. Muita gente chegava cedo, até fazia um café para os patrões ali, não chega mais para não contar aquele tempo de serviço, perderam o café da manhã e perderam o pernoite.
MULHERES
Bolsonaro também não se comprometeu com o salário igual, pelo mesmo trabalho, para mulheres e homens. Repetiu que tal previsão estava na CLT, como se esse dispositivo – para o qual não existe pena, em caso de desrespeito – resolvesse o problema.
O artigo 461 da CLT (Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade) tem 66 anos.
Vejamos esse trecho da entrevista:
ENTREVISTADORA: Segundo o IBGE, as mulheres ganham 25% menos que os homens. O senhor já disse que no serviço público já há a garantia dessa igualdade salarial. E, na iniciativa privada, vale o que o empregador… O livre-arbítrio do empregador. O senhor já disse que um presidente da República, na sua opinião, não pode fazer nada a respeito para mudar esse quadro. O fato é que o senhor afirmou que, se fosse empregador, não empregaria mulheres com os mesmos salários dos homens. Ou seja, o senhor se solidariza pessoalmente com os empregadores que compartilham dessa desigualdade salarial. Como explicar isso às mulheres?
BOLSONARO: É muito fácil. Renata, você leu isso, ouviu ou viu essa afirmação tua a meu respeito?
ENTREVISTADORA: Acho que eu ouvi e li.
BOLSONARO: Não. Você não…
ENTREVISTADORA: Ouvi na televisão…
BOLSONARO: Não, me desculpe, a senhora não ouviu. Eu nunca…
ENTREVISTADOR: Candidato, nós ouvimos. Se o senhor quiser…
BOLSONARO: Foi no programa da Luciana Gimenez? Ela perguntou para mim, eu falei: ‘É competência’. Daí, ela falou: ‘Ó, as mulheres todas são competentes’. Então, a questão de salário é questão de competência… Na CLT já se garante isso. O salário compatível, desde que não haja mais de dois anos em tempo de serviço a mais entre uma e outro. Olha, isso veio…
ENTREVISTADORA: Nós sabemos que, na prática, existe desigualdade salarial entre homens e mulheres.
BOLSONARO: Tudo bem.
ENTREVISTADORA: Tanto é que o IBGE mostra que as mulheres ganham 25% a menos que homens. Eu gostaria só de saber do senhor, eleito presidente da República, o senhor é candidato à presidência, que políticas o senhor deve fazer para evitar essa desigualdade?
BOLSONARO: Por que o Ministério Público do Trabalho não age no tocante a isso daí? Passa a agir.
ENTREVISTADORA: O senhor como presidente da República…
BOLSONARO: Mas eu não tenho ingerência no Ministério Público do Trabalho, isso está na CLT. É só as mulheres denunciarem, o MP do Trabalho vai atuar no assunto.
DITADURA
Ao defender o golpe de 1964 – e a ditadura que seguiu a ele – Bolsonaro citou, como já fizera em sua entrevista à Globo News, uma declaração do fundador da TV Globo, Roberto Marinho, a 7 de outubro de 1984: “Participamos da revolução democrática de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, distúrbios sociais, greves e corrupção generalizada”.
BOLSONARO: Repito a pergunta aqui: Roberto Marinho foi um ditador ou um democrata?
Ao final do debate, o entrevistador e editor do Jornal Nacional, William Bonner, leu a seguinte nota, assinada pelo Grupo Globo:
“O candidato Jair Bolsonaro disse há pouco que Roberto Marinho, identificado com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, apoiou editorialmente o que chamava, então, de revolução de 1964. É fato. Não somente O Globo, mas todos os grandes jornais da época. O candidato Bolsonaro esqueceu-se, porém, de dizer que, em 30 de agosto de 2013, O Globo publicou editorial em que reconheceu que o apoio editorial ao golpe de 1964 foi um erro. Nele, o jornal diz não ter dúvidas de que o apoio pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país. E finaliza com essas palavras: ‘À luz da história, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma’“.
C.L.
Numa democracia a empresa não intermedeia o pagamento de salários e tributos realizados pelos consumidores. Quem paga salários e tributos no Brasil? Empresa? Governo? Não, é o consumidor.