A alusão dos entrevistadores de Geraldo Alckmin – na quarta-feira, no Jornal Nacional, da TV Globo – aos R$ 12 milhões que o candidato do PSDB levou da Odebrecht, é, sob todos os pontos de vista (exceto aquele sustentado publicamente por Alckmin), exata.
O trecho da entrevista foi o seguinte:
ENTREVISTADOR: A ética vai permear diversas questões aqui nessa entrevista, né?
ALCKMIN: Perfeito.
ENTREVISTADORA: Pois é. Até a propósito disso, três delatores de uma empreiteira narram pagamento de caixa 2 para campanhas do senhor em 2010 e 2014. Um dos delatores, inclusive, dá detalhes de um encontro onde teria sido acertado esse dinheiro ilegal. Ele diz que o senhor entregou a ele um cartão do seu cunhado, recomendando que tudo poderia ser acertado entre os dois. Entre o delator e o seu cunhado. Quando confrontado com isso, o senhor sempre diz que não é verdade. Mas o PSDB dá crédito às delações contra políticos de partidos adversários. Por que que ela seria falsa para o senhor, com relação ao senhor, e verdadeira para opositores do senhor?
ALCKMIN: Olha, Renata, primeiro, total transparência, total compromisso com a investigação. Isso é mentira, as minhas campanhas sempre foram feitas de maneira simples e rigorosamente dentro da lei. Nunca teve cartão nenhum, aliás, a própria pessoa que fez essa delação, ela nem participou da reunião, ela mesmo diz. A minha família, ninguém participa de governo, a minha mulher trabalha comigo há quase 40 anos como voluntária, voluntária. Então é importante separar o joio do trigo. Há uma tendência de misturar tudo e não é correto, e não é verdade.
ENTREVISTADORA: Os três delatores nesse caso contam a mesma história, inclusive um deles dá detalhes, disse que o seu cunhado recebeu pessoalmente o dinheiro.
ALCKMIN: Pois é, e já…
ENTREVISTADORA: O senhor diz, então, que é mentira.
ALCKMIN: É mentira, é mentira, estou dizendo.
DEPOIMENTOS
Vejamos essa questão.
1) Depoimento de Benedicto Barbosa da Silva Júnior, conhecido como BJ, presidente da Construtora Norberto Odebrecht:
“Na gestão de Mario Covas, o então vice-governador Geraldo Alckmin foi nomeado presidente do Programa Estadual de Desestatização (PED), que previa a privatização de importantes estatais e concessão de trechos de rodovias e ferrovias à iniciativa privada, o que atendia os interesses econômicos da Companhia.
“… candidato ao Governo do Estado de São Paulo em 2010, incentivador das parcerias público-privadas, com objetivo de promover investimentos na área de infraestrutura, o que era de interesse da Companhia, foi realizada contribuição para as campanhas, por meio de Caixa 2, em espécie.
“No primeiro semestre de 2010, Carlos Armando Paschoal [diretor-superintendente da Odebrecht em São Paulo] me relatou ter sido procurado por Aluísio Araújo, ex-executivo da Companhia, que lhe informou sobre o pedido de doação de campanha para o candidato Geraldo Alckmin ao Governo do Estado de São Paulo, no valor de RS 2 milhões.
“O propósito das doações à campanha de Geraldo Alckmin era a manutenção dos contratos em andamento no Estado de São Paulo, bem como a perspectiva de novos negócios em um mercado de extrema importância para a Companhia.
“Carlos Armando Paschoal operacionalizou os pagamentos, tendo como interlocutor Adhemar César Ribeiro (cunhado de Geraldo Alckmin), através da equipe de Hilberto Silva [chefe do departamento de propinas da Odebrecht].
“Já em 2014, quando Geraldo Alckmin se candidatou à reeleição ao cargo de Governador do Estado de São Paulo, o Diretor Superintendente da Odebrecht Infraestrutura, responsável pela Região Sul e o Estado de São Paulo, Luiz Antônio Bueno Júnior, me relatou que foi procurado por Marcos Monteiro, então presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e atual Secretário de Planejamento do Estado, para solicitação de contribuição de campanha para o candidato do PSDB ao Governo de São Paulo, no valor de R$ 10 milhões.
“O propósito da aprovação desta doação era a proeminência de Geraldo Alckmin no cenário nacional, a sua liderança e de seu partido no Estado de São Paulo. Também era garantir interlocução qualificada na discussão dos projetos vislumbrados como participação na nova rodada de concessão rodoviária no Estado, novas participações em projetos com parceria da Sabesp e potenciais novas concessões de trens regionais.
“Em todos estes segmentos no ano 2015 tivemos oportunidade de discutir antecipadamente com o governo estes projetos, modelos de contratação, fontes de financiamento etc.
“Luiz Antonio Bueno Júnior me informou que esteve com Marcos Monteiro no Empório Moema, quando ficou combinado que a doação ocorreria por meio de recursos provenientes de Caixa 2” (cf. Termo de depoimento nº 4, grifos nossos).
2) Depoimento de Carlos Armando Paschoal, diretor-superintendente da Odebrecht em São Paulo:
“Em 2010, a pedido de Aluízio Araújo, Conselheiro da Odebrecht S.A. (falecido em 2014), tomei providências para atender solicitação de doação ao então candidato ao Governo do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, no valor de R$ 2 milhões, aprovados por Benedicto Junior.
“Considerando essa solicitação, fui com Aluizio Araújo a uma reunião com Geraldo Alckmin no escritório deste, na Avenida Nove de Julho, próximo à Avenida São Gabriel.
“Lá chegando, inicialmente aguardei em uma antessala enquanto ele [Aluizio Araújo] fez uma reunião reservada com o político, e depois ingressei na sala de reuniões.
“Na minha presença, foram faladas apenas banalidades, e com isso percebi que o tema já estava acertado entre os dois.
“Encerrando o encontro, Geraldo Alckmin determinou pessoalmente à sua secretária que me passasse os dados de contato de Adhemar Ribeiro, seu cunhado, o qual seria incumbido dos recebimentos.
“Os pagamentos desse valor foram realizados com recursos de caixa 2 e foram acertados com Adhemar Ribeiro, que definia os locais de entrega dos recursos.
“Recordo que algumas das entregas foram realizadas no escritório de Adhemar Ribeiro, conforme solicitado por ele diretamente a mim em reuniões que tivemos no mesmo local.
“Seu escritório ficava no Banco Nações, Edifício Wall Street, situado na Avenida Brigadeiro Faria Lima, 1739, não me lembro do andar.
“Meus encontros com Adhemar ocorreram no período entre julho e outubro de 2010, com o objetivo de acertar os detalhes dos referidos pagamentos, como informações das senhas e endereços para a efetivação das entregas” (cf. Termo de depoimento nº 10, grifos nossos).
Carlos Armando Paschoal apresentou como elementos para confirmar o seu depoimento a tabela do departamento de propinas da Odebrecht (Sistema Drousys), a agenda onde estavam marcados os encontros com o cunhado de Alckmin e o número do telefone usado pelo último.
3) Depoimento de Arnaldo Cumplido de Souza e Silva, responsável da Odebrecht pela obra da linha seis do Metrô de São Paulo:
“Durante o ano de 2014, entre abril e outubro, fui orientado por meu superior direto, Luiz Bueno, a programar pagamentos para a pessoa de codinome ‘M&M’.
“Na ocasião, meu superior me informou que tais pagamentos seriam uma contribuição da Companhia à campanha de reeleição do então candidato Geraldo Alckmin e que “M&M” seria Marcos Monteiro, um dos responsáveis pela coordenação financeira da campanha do Governador, a quem nunca conheci.
“Os pagamentos foram solicitados por mim à equipe de Hilberto Silva, ao que me recordo, à Maria Lúcia Tavares [secretário do departamento de propinas dfa Odebrecht], que ficava responsável por providenciar a liberação dos recursos” (cf. Termo de depoimento nº 4).
A Odebrecht lançou na contabilidade da obra do Metrô (linha seis) a propina para Alckmin, disfarçada em outros custos.
Mas, segundo, Alckmin, tudo isso “é mentira, é mentira, estou dizendo”.
E, porque ele diz, devemos acreditar.
ESQUEMA
A defesa de Alckmin do seu secretário de Logística e Transportes, e presidente da Dersa – a estatal rodoviária paulista –, Laurence Casagrande Lourenço, fez alguns órgãos de imprensa manifestarem perplexidade, o que é compreensível.
Sucintamente, depois do escândalo tucano que teve em Paulo Vieira de Souza (“Paulo Preto”) o seu nome mais conhecido, Alckmin nomeou, para “limpar a Dersa”, Laurence Casagrande Lourenço, que tinha como lugar-tenente um diretor, Pedro da Silva.
O novo esquema da Dersa estourou porque os engenheiros da empresa, na obra do Rodoanel, recusaram-se a assinar “aditivos” para aumentar o preço da obra, considerando-os uma fraude. O que, aliás, era verdade.
Alguns trechos do resumo da Polícia Federal, enviado à juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo:
“As investigações tiveram início a partir das declarações prestadas por João Bosco Gomides, (…) o qual relatou haver tomado conhecimento das irregularidades por meio de Emílio Urbano Squarcina, engenheiro responsável pelo gerenciamento das obras do Trecho Norte do Rodoanel.
“De acordo com a notícia de crime então apresentada, Emílio teria se recusado a assinar plano de aditivos contratuais para inclusão de novos serviços de engenharia vinculados a atividades de remoção de matacões (rochas) a céu aberto, serviços esses não previstos no contrato inicial e que acarretariam aumento considerável no valor final da obra.
“… desde o início dos trabalhos de investigação, já havia a notícia de que a celebração de termos aditivos com dita finalidade, desnecessários sob o ponto de vista técnico e, assim, fraudulentos em seu conteúdo, deu-se não apenas no contrato que tem como objeto o Lote 02, mas também nos demais contratos que abrangem os outros trechos da obra.
“… procedeu-se à tomada por termo das declarações de Emílio Urbano Squarcina, engenheiro do Estado de São Paulo, que relatou ter exercido a função de gerente da obra do Rodoanel de fevereiro 2013, quando tiveram início os trabalhos do Trecho Norte, até 01/10/2015, quando deixou a função por não concordar com alterações nos contratos para ajustar valores supostamente devidos por força de movimentações de terra.
“As tratativas iniciais teriam partido dos diretores da empresa OAS S/A, Carlos Henrique e João Muniza, os quais negociavam diretamente com Laurence Casagrande, então Diretor Presidente da DERSA, e Pedro Silva, Diretor de Engenharia do órgão.
“As irregularidades, de acordo com Emílio, consistiam na alegação de suposta dificuldade, maior do que a inicialmente prevista, para a remoção de solo.
“Contudo, a presença desses materiais já estaria prevista no projeto do contrato, baseado em estudos do IPT – Institutos de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, que estuda a Serra da Cantareira desde 1960.
“Por isso, Emílio recusara-se a demandar o aditamento dos contratos, atitude que teria sido acompanhada pelo engenheiro Hélio, fiscal do Lote 5 da obra em questão.
“Por fim, Emílio disse que o procedimento de aditamento com base em tal justificativa, inicialmente aplicado aos contratos celebrados com a empreiteira OAS S/A, foi estendido aos demais lotes.
“Dando continuidade às investigações, foi ouvido Hélio Roberto Corrêa, engenheiro da DERSA e fiscal do contrato do Lote 5 das obras do Rodoanel Norte, a cargo das empreiteiras CONSTRUCAP e COPASA.
“… Hélio disse que não concordou com os aditamentos ao contrato que as empresas pretendiam, com a consequente alteração de preços, pois não detectou queda de produtividade, na extração de materiais do Lote 5, que justificasse as mudanças pretendidas.”
As provas periciais – e outras provas materiais – confirmaram desvios da ordem de R$ 600 milhões.
Tanto o relatório da PF – de autoria do delegado João Luiz Moraes Rosa – quanto as denúncias do Ministério Público, são minuciosas, às vezes até mais do que se espera nesse tipo de documento (por exemplo, as considerações do delegado sobre a metodologia das investigações).
Sob a autoridade de Laurence Casagrande e Pedro da Silva, um cartel de empresas pagava propinas para aumentar o preço das obras, através de “aditivos” para remover rochas supostamente inesperadas do caminho do Rodoanel.
A defesa de Alckmin da lisura dos procedimentos parece uma defesa do próprio esquema. Não foi isso o que Lula fez, e ainda faz?
Ou, senão, ele acha que não é possível dizer outra coisa para manter sua candidatura a presidente…
DESASTRE
A entrevista de Geraldo Alckmin tornou evidente um problema sério: a própria limitação do critério de escolha das entrevistas.
Pois, se tamanha mediocridade foi escolhida para a entrevista porque é o terceiro colocado na pesquisa Datafolha, algo está errado, em tudo. Tanto assim que a diferença de Alckmin para os candidatos que foram excluídos é de apenas quatro pontos percentuais, se considerarmos a margem de erro de dois pontos da pesquisa (e se levarmos a pesquisa a sério).
O desempenho de Alckmin foi desastroso – nada, além de slogans tão vazios quanto reacionários (as duas coisas são possíveis ao mesmo tempo – aliás, é o mais habitual) e mentiras tão evidentes, que, como se dizia, fariam corar um frade.
Convenhamos que tentar passar que o problema da política, no Brasil, é a existência de 35 partidos – e não o fato de que o PSDB e o PT (com seus satélites, a começar pelo PMDB) se tornaram organizações criminosas, que entregam o país em troca de propinas – é algo que chega a ser, simultaneamente, cínico e maluco.
Até mesmo porque a reforma política que Alckmin propõe é para manter as organizações criminosas, dando a elas o monopólio da política – embora não do crime, pois, como lembrou um dos entrevistadores, existe o PCC, que se expandiu sob o PSDB.
Sobre essa última organização – a que Alckmin preside – é ilustrativo o seguinte trecho da entrevista:
ENTREVISTADOR: Mas então, candidato, o senhor tem dentro do seu próprio partido Aécio Neves e tem Eduardo Azeredo. Ambos com envolvimento em casos de corrupção. Eduardo Azeredo condenado, cumprindo pena. Aécio Neves tem contra ele uns vídeos muito eloquentes, muito explícitos, não é? O senhor tem dito que é a favor da Lava Jato, o senhor é a favor do combate à corrupção. Como presidente do PSDB, por que é que o senhor não pediu, não propôs até agora, a expulsão desses dois elementos do seu partido?
ALCKMIN: Olha, Bonner, primeiro, o Aécio não foi condenado, ele está sendo investigado e vai responder para a Justiça. Nós não passamos a mão na cabeça de ninguém. Quem errou, paga pelo erro. Quem foi absolvido, será absolvido. O Eduardo Azeredo, ele já está afastado da política há muito tempo…
Obviamente, quando há provas, um partido não precisa que um criminoso seja condenado pela Justiça para expulsá-lo de seu meio. No caso de Azeredo, até a condenação existe.
Lula e o PT, no início da Operação Lava Jato, diziam que não expulsavam João Vaccari do partido, apesar das provas que havia contra ele, porque Vaccari não fora condenado pela Justiça. Depois, se soube que ele não era expulso porque o próprio Lula estava por trás (e até pela frente) dos crimes de Vaccari. Hoje, tanto Vaccari quanto Lula estão condenados, presos – e nem por isso foram expulsos do PT.
Alckmin diz exatamente a mesma coisa que Lula dizia sobre Vaccari, em relação a Aécio Neves – apesar da gravação em que Aécio pede R$ 2 milhões de propina ao capo da JBS, apesar das gravações em que um emissário e primo de Aécio pega a propina, apesar do depósito da propina em uma conta da empresa do Perrella (aquele que era dono do helicóptero carregado de cocaína).
Mas, continuemos com a entrevista de Alckmin:
ENTREVISTADOR: Mas ele [Azeredo] continua integrando o partido… E o senhor é o presidente do partido.
ALCKMIN: É, mas já está afastado da política. Aliás, ele vai sair do PSDB, não precisa nem expulsar.
ENTREVISTADOR: Mas candidato, candidato… Não há nenhum incômodo, nenhum constrangimento de manter Eduardo Azeredo dentro do PSDB?
ALCKMIN: Ô, Bonner…
ENTREVISTADOR: Eu tenho que perguntar ao senhor o seguinte: a ética que o PSDB defende com tanta veemência e cobra com tanta veemência de partidos adversários não vale para os próprios tucanos do PSDB?
ALCKMIN: Vale, vale e nós não vamos para a porta de penitenciária para contestar a Justiça, não transformamos réu em vítima, não desmoralizamos as instituições.
ENTREVISTADOR: E não expulsam um condenado como Eduardo Azeredo…
ALCKMIN: O Aécio Neves era o presidente do partido, ele foi afastado da presidência do partido, nunca me passou pela cabeça ser presidente do PSDB. Eu só fui eleito presidente do PSDB porque ele foi afastado. O partido fez o que tinha que ser feito. Afastou, fez nova eleição, elegeu uma nova direção partidária e o Aécio responde na Justiça.
Alckmin esqueceu de dizer que o seu partido votou contra o afastamento de Aécio Neves do Senado, impedindo que seu processo tramitasse, devido ao “foro privilegiado”. Mas, continuemos:
ENTREVISTADOR: E Eduardo Azeredo, candidato?
ALCKMIN: O Eduardo Azeredo já está afastado da vida pública há quase dez anos.
ENTREVISTADOR: O senhor está dizendo, então, como presidente do PSDB, que nem passa pela sua cabeça tomar a iniciativa de…
ALCKMIN: Não, ele vai…
ENTREVISTADOR: Pedir a desfiliação, o desligamento dele do seu partido.
ALCKMIN: Bonner, ele vai pedir, ele vai pedir o seu desligamento. Mas eu queria dar uma palavrinha sobre ética, que acho que essa é uma questão central. Eu fui deputado estadual, duas vezes deputado federal, poderia estar aposentado, recebendo como deputado desde os 50 anos de idade. Não recebo um centavo.
ENTREVISTADOR: Sim, candidato, mas…
ALCKMIN: A lei, só para concluir…
ENTREVISTADOR: Me perdoe. É porque senão vira discurso, candidato…
ALCKMIN: A lei permite, a lei permite, nem tudo que é legal é ético, e política é uma atividade essencialmente ética. Quem não tem compromisso com a ética tem que estar fora da política.
Pois é.
C.L.
Eu não acredito na mentira, ela não é verdade. Depois da primeira mentira,toda verdade vira uma dúvida …kkkkkkk…