Estudantes da Escola Estadual Fernão Dias Paes, do bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, denunciam o sucateamento da instituição e a falta de professores da rede devido à atribuição de aulas realizada pela Secretaria de Educação para o ano letivo de 2024.
Em um vídeo divulgado nas redes da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES SP), os estudantes afirmam estar desde a semana passada sem professores para os itinerários, o que faz com que os alunos saiam cedo todos os dias.
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“Nós, alunos do Fernão Dias, sofremos com a falta de professores, estamos tendo matérias tecnicamente irrelevantes, porque os professores ainda não sabem exatamente de qual tipo de conteúdo eles vão dar pra gente. As nossas salas estão misturadas, por conta da falta de professores. Estamos saindo às 11h todos os dias”, dizem os estudantes da escola.
Os alunos afirmam ainda que os professores juntam as turmas de anos diferentes por conta da falta de professores na escola.
“Os professores estão juntando os segundos anos com os terceiros anos, porque não tem professor. A gente ainda não sabe exatamente em qual itinerário informativo estamos. Tem hora que dizem que a gente é de humanas, tem horas que dizem que a gente é de exatas. As aulas voltaram dia 15. Então é desde quinta-feira da semana passada que ocorre isso”, continua.
O relato dos estudantes da E.E. Fernão Dias não é isolado. Em todo o Estado, há denúncias de falta de professores em salas de aula enquanto milhares de profissionais não conseguiram as suas atribuições.
Na E.E. Marina Cintra, na Consolação, a reportagem do HP identificou que estudantes do Ensino Fundamental ainda não iniciaram as aulas por falta de indicação de professor primário. Já na E.E. Presidente Roosevelt, na Liberdade, os pais de alunos relatam que não há professor de Inglês, Informática e Educação Física para o Ensino Fundamental.
“Enquanto isso o governador está querendo cortar R$ 9 bilhões da Educação no estado de São Paulo, se a educação já está nesse estado, com o pouco de dinheiro que a gente tem, imagina se ele corta esse dinheiro, que é extremamente importante para a gente, tanto para a manutenção dos materiais, tanto para as aulas, para nós alunos e também para a nossa alimentação. Não ao corte da educação!”, afirmam os estudantes, criticando a PEC 09, do governo estadual, que visa cortar 5% da educação.
FALTA DE ATRIBUIÇÃO
O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) ingressou com representação no Ministério Público, pedindo uma investigação contra a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Educação. A pasta sob o comando do secretário, Renato Feder, deu início ao ano letivo no dia 15 com milhares de professores sem aulas atribuídas. O que deixou estudantes de diversas unidades da rede pública sem aula por falta de docentes.
O problema ocorreu após o governo estadual mudar as regras de definição das aulas para os professores temporários. Chamados de categoria O, esse grupo de docentes representam quase a metade do total de 216 mil docentes que atuam na rede paulista. No ano passado, depois de ter sido autorizado ainda em 2022, a secretaria realizou um concurso, o primeiro em 10 anos, para contratar efetivos. No entanto, de acordo com a Apeoesp, o concurso foi “mal concebido” e “pessimamente realizado” pelo Estado e a Fundação Vunesp, que também é alvo da denúncia no MP.
Na prova, houve a imposição “descabida”, na avaliação da entidade, de uma vídeoaula com caráter eliminatório, cuja correção foi previamente realizada por meio de Inteligência Artificial. Isso teria ocasionado diversas distorções, que levaram professores a judicializar a correção do concurso. Além disso, segundo os trabalhadores da área, não houve transparência no processo de atribuição de aulas, o que tornou essa etapa caótica.
A contratação dos docentes ficou prevista para apenas 2025. Enquanto que para este ano letivo, a secretaria definiu que os aprovados no concurso teriam apenas prioridade na atribuição de aulas. A nova regra, antes exclusiva para aqueles que tinham mais experiência em sala de aula, fez com que diversas aulas ficassem sem serem destinadas a um profissional. E muitos aprovados não quiseram assumir as aulas como professores temporários.
NÃO CONCURSADOS
De acordo com o Censo Escolar 2023, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) na última quinta-feira (22), a rede estadual de ensino de São Paulo é composta, em sua maioria, por professores temporários, não concursados. Eles representam 57,1% dos docentes do estado.
Em comparação, a categoria representa 81% dos professores de Minas Gerais. Já no Rio de Janeiro, estado com maior percentual de docentes concursados no país, os temporários são cerca de 5%.
O Censo é um levantamento anual realizado pelo Inep, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Ele traz dados sobre as escolas, os professores, os gestores e os alunos das redes pública e privada do Brasil. Em 2023, os dados foram coletados entre os meses de maio e julho.
Segundo a Secretaria Estadual da Educação (Seduc), desde o período de coleta das informações, o quadro sofreu uma alteração e os professores concursados passaram a representar 52% do total da rede, enquanto o número de temporários caiu para 48%. Os concursados em fevereiro de 2024 representavam 164 mil professores. Os temporários em fevereiro de 2024 representaram 149 mil professores.
Ainda de acordo com a Seduc, 15 mil professores concursados serão contratados no segundo semestre de 2024, visando tornar a categoria 60% dos docentes do estado.
“COM MUITO AMOR”
Na última terça-feira (20), Tarcísio de Freitas afirmou que os professores da rede estadual de ensino não têm as melhores condições de trabalho, como infraestrutura e remuneração, mas afirmou que eles trabalham “com muito amor” e fazem “grande trabalho”. A declaração ocorreu durante o lançamento do programa Alfabetiza Juntos SP.
“A gente sabe que o melhor professor ainda não tem a melhor condição. A gente sabe que eles não têm a melhor infraestrutura. A gente sabe que eles não têm o melhor salário. Mas eles têm muito amor”, declarou Tarcísio durante discurso no evento realizado na Sala São Paulo. “E quando a gente for resolvendo as questões fiscais, eu tenho certeza que a gente vai conseguir dar para os professores o que eles merecem. Mas eles têm feito um grande trabalho”, continuou o governador.
O salário inicial para professores da educação básica do Estado de São Paulo é de R$ 4.505 para jornada de 40 horas semanais e de 2.815,63 para 25 horas semanais. Os valores foram reajustados em julho do ano passado após a Alesp aprovar o reajuste para todo o funcionalismo público paulista. O salário também havia sido reajustado no início de 2023 devido ao novo piso salarial nacional da educação.