Altamiro Perdoná, presidente da entidade nacional laboral do setor, aponta o combate ao rentismo e à cartelização dos insumos, a retomada das obras e a valorização dos trabalhadores como condição para essa tarefa. “Uma das condições é ter o trabalhador valorizado, qualificado e com seus direitos”, afirmou.
Altamiro Perdoná, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário (Contricom) e dirigente da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), em entrevista exclusiva ao HP, afirmou que a entidade que preside apoia “com entusiasmo” a política de reindustrialização do país lançada pelo governo, mas denunciou “os juros escorchantes praticados pelo Banco Central”, assim como “a cartelização dos insumos do setor, principalmente aço e cimento” e os baixos investimentos públicos que dificultam a retomada das obras, principalmente do Novo PAC.
Sobre o papel dos trabalhadores nesse processo de retomada da indústria, afirmou: “o governo e os patrões têm que entender que uma das condições para atingir a meta da reindustrialização é ter o trabalhador valorizado, qualificado e devidamente amparado em seus direitos que foram surrupiados pela reforma trabalhista de 2017”.
Na sequência, a entrevista na íntegra.
HP – Presidente, que análise sua entidade, a Contricom, faz do desempenho da indústria da construção nesses últimos anos?
Altamiro Perdoná – A indústria da construção civil e a pesada também, não apenas aqui em meu Estado de Santa Catarina, como em todo Brasil, como podemos observar, foi uma das menos afetadas pela pandemia. O setor não parou, apesar da gravidade da situação, portanto, podemos dizer que a indústria da construção manteve o seu ritmo, mas continuamos tendo outros problemas que ainda não foram resolvidos.
HP – Que problemas são esses?
A.P – O problema principal nós vimos no último governo e de alguma forma não foi resolvido pelo atual, que são os custos da indústria provocados pelos juros escorchantes praticados pelo Banco Central. Nós sabemos que o governo não tem muito o que fazer, principalmente depois da lei de independência do Banco Central, aprovada pelo Congresso Nacional, após iniciativa do governo Bolsonaro, mas o fato é que esse acabou representando o principal gargalo do setor.
HP – Qual foi o resultado dessa política?
A.P – Veja que a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) projetou um PIB setorial de 2,5% em 2023, depois revisou para 1,5%, e acabamos fechando com uma retração de quase 1%, por responsabilidade desses juros, que só beneficiam os especuladores, tornando os custos maiores para as empresas do setor, como também para os que buscam o financiamento habitacional, que é um dos braços fundamentos da indústria da construção. Interessante notar que isso não significou menos emprego no setor, ao contrário. Na última semana, o presidente da CBIC informou no Jornal Nacional que o setor, que emprega atualmente 2,6 milhões de pessoas com carteira assinada, registrou mais um aumento, pelo sexto ano seguido, e chegou ao mesmo patamar de 2015. Maravilha, aplaudimos isso, no entanto, o PIB da construção retraiu por conta dos juros e outros obstáculos.
HP – Que outros problemas podem ser apontados?
A.P – Os insumos da construção civil e pesada continuam muito cartelizados, principalmente o aço e o cimento. Nisso, o governo pode interferir com medidas que incentivem a competição e dificultem a criação de monopólios, que acabam sendo muito negativos para o mercado, para as empresas de modo geral, os consumidores de seus produtos e também para nossos trabalhadores. Outro problema é a retomada das obras, principalmente das pequenas e médias que empregam muito e ajudam a incentivar as economias regionais. O presidente Lula colocou isso como uma das prioridades, através do novo PAC, mas estamos vendo muita lentidão nessa retomada, pois a capacidade de investimento do Estado reduziu muito nesses últimos anos, o que pode comprometer também a retomada de programas sociais muito importantes como o Minha Casa, Minha Vida.
HP – E como a Contricom vê a proposta do projeto da Nova Indústria Brasil para o setor da construção?
A.P – Nós aplaudimos com entusiasmo a iniciativa do governo. Afinal, nesses anos só se fala de agronegócio, de agroindústria, de banco, pouco se fala da indústria de modo geral, e sem uma indústria pujante em todos os setores, principalmente naqueles com maior capacidade de gerar valor agregado, nós sabemos que uma economia não consegue caminhar para atender as crescentes necessidades do país.
HP – Como isso se reflete na construção?
A.P – Veja só o caso da construção. Discute-se muito novas tecnologias para inovar a construção em geral, obras públicas, etc, mas para isso é necessária uma indústria poderosa de máquinas e equipamentos, que hoje, em grande parte, os empresários compram fora do Brasil. Poderíamos estar fabricando esses equipamentos aqui no país para sustentar a indústria da construção que é a que mais empresa em escala, gerando renda e movimentando a economia como um todo.
HP – E os trabalhadores, estão preparados para essa inovação?
A.P – Esse é outro gargalo, os nossos empresários do setor falam muito dessas novas tecnologias, máquinas, etc, mas o esforço é muito pequeno para qualificar e requalificar nossos trabalhadores. O Sistema S, que já foi bem mais eficiente nessa tarefa, já não dá conta de atender sequer a demanda atual. O governo precisaria adotar uma ousada política de qualificação e requalificação dos trabalhadores. Entendemos e aceitamos perfeitamente o uso de novas tecnologias, materiais e equipamentos, mas queremos que nossos trabalhadores sejam qualificados para manejar essa inovação, até porque uma preocupação central nossa com tudo isso é o desemprego que essa mudança pode provocar no setor.
HP – Como a Contricom vê o movimento das entidades laborais do setor industrial de apoio à reindustrialização do país?
A.P – Estamos unidos nesse movimento, pois sabemos que os problemas que enfrentamos na indústria da construção são muito parecidos com os demais setores, assim como a solução. E a melhor solução, que o governo Lula tem falado muito, é a reindustrialização, para que a nossa indústria recupere o espaço que tinha na economia nacional de 50 anos atrás, que foi de mais de 30% do PIB. Não tem sentido ter recuado para 10%, aproximadamente. Isso é resultado dessa política que só favorece os especuladores, aqueles setores que não querem gerar emprego, renda, e só querem viver do juro fácil. O Brasil tem que se libertar da camisa-de-força que os rentistas querem nos impor e voltar a se desenvolver.
HP – Qual o papel dos trabalhadores nisso?
A.P – Os trabalhadores são fundamentais para que isso aconteça, assim como é fundamental a unidade do movimento sindical em torno da recuperação da economia e, principalmente, da indústria. Sem indústria, isso é impossível, como já fizeram diversos países do mundo, principalmente os do mundo desenvolvido. Só que eles não querem que a gente faça isso. Só querem que a gente venda barato nossas matérias-primas para depois nos vender o produto industrializado. Um país como o nosso não merece isso, e os trabalhadores têm um papel fundamental, mas não um trabalhador desvalorizado, desmotivado, seja pela constante ameaça de desemprego ou pela precarização de seus direitos. O governo e os patrões têm que entender que uma das condições para atingir a meta da reindustrialização é ter o trabalhador valorizado, qualificado e devidamente amparado em seus direitos que foram surrupiados pela reforma trabalhista de 2017.