Em março deste ano, foi anunciada a venda da Fibria Celulose, maior empresa deste ramo no mundo, para a Suzano Papel e Celulose, o que, se consumada, formaria um monopólio gigantesco, que, no interior da Bahia, está sendo chamado de “o monstro do eucalipto” ou “JBS da celulose”.
A menção à JBS é pertinente. A Fibria é uma das três empresas privadas – as outras foram a JBS e a AES – que receberam dinheiro de graça do BNDES, sob a forma de compra de ações, as notórias “empresas coligadas” (cf. Claudia Bruschi e Sergio G. Lazzarini, “Análise do retorno dos investimentos do BNDESPAR por meio de variações nos preços das ações investidas”, Insper, agosto/2015).
Com esse dinheiro, a JBS quebrou outros frigoríficos, monopolizando o setor de carne bovina, impondo preços amesquinhados aos pecuaristas e aumentando os preços aos consumidores.
Tudo isso com um esquema de corrupção que ia de Lula até Aécio Neves – e, claro, Temer, passando por Dilma (a JBS foi a principal contribuinte de sua campanha) e Meirelles, presidente do conselho e do banco da JBS.
No caso da compra da Fibria pela Suzano, como apontou o advogado Teodoro Saraiva Neto, dirigente do Partido Pátria Livre (PPL) e ex-prefeito de Nanuque (MG), além de ser a aquisição de uma empresa maior por uma empresa menor, há outra originalidade: o acionista majoritário das duas empresas é o BNDES, através de sua subsidiária de participações, a BNDESPar.
A articulação dessa “fusão” foi de Paulo Rabello de Castro, então presidente do BNDES e elemento da intimidade de Michel Temer. O próprio Rabello saiu a público para defender sua obra. Como se parir monstrengos – e monstrengos inevitavelmente corruptos – fosse a função do BNDES. A rigor, estão usando o BNDES para uma ação, sob todos os aspectos, espúria.
Ao que parece, Temer não vive sem uma JBS – para substituir a primeira, cujas propinas quase o enviaram à cadeia (aliás, esse risco não está afastado; pelo contrário, aumenta à medida que se aproxima o fim do mandato), inventou uma segunda.
A empresa resultante dessa compra seria a quinta, em valor na Bolsa, do país – depois da Petrobrás, Ambev, Vale e Telefónica.
Pode-se imaginar, considerando os casos da JBS e Odebrecht, o que seriam os esquemas políticos desse monstro do eucalipto.
Porém, o pior: a formação desse monopólio privado está sendo bancado por dinheiro público, pelo BNDES.
Apesar de acionista majoritário de ambas as empresas, o papel imposto ao BNDES nelas – e nessa operação – é sustentar os favoritos, os monopolistas privados.
Por isso, o dinheiro é público, mas o monopólio é privado.
Alguns leitores podem perguntar como isso é possível.
O melhor exemplo é a própria constituição da Fibria, em 2009.
Na época, o BNDES, presidido pelo sr. Luciano Coutinho, sob a égide do governo Lula, promoveu a “fusão” da Aracruz Celulose com a Votorantim Celulose e Papel (VCP) – quebradas pela especulação com derivativos no exterior e dinamitadas pela crise financeira, iniciada com a quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008.
Portanto, o BNDES, cuja função é fomentar o crescimento do país, financiando os investimentos das empresas, foi colocado a serviço de salvar empresas falidas, que chegaram a essa situação devido à irresponsabilidade e ganância de seus controladores e administradores.
Então, apesar de possuir 30,4% das ações com direito a voto na empresa resultante da “fusão” (a Fibria) e a Votorantim possuir 29,4%, o BNDES fez um “acordo de acionistas”, em que a Votorantim nomeava cinco membros do Conselho de Administração e a BNDESPar apenas dois membros.
Esse “acordo de acionistas” tinha o prazo de cinco anos e foi renovado em 2014 por mais cinco anos (cf. J.R. Lopes Pinto e F. Fayer Mansoldo, “A Fibria e o ‘novo’ papel do Estado no capitalismo brasileiro: do ‘Estado-empresário’ ao ‘Estado-empresa’”, Homa Publica: Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas, vol. 02, nº 01, 2018).
LAVA JATO
O advogado Teodoro Saraiva Neto lembra que a Suzano, que se mostrou bastante truculenta no interior da Bahia, é uma das empresas envolvidas nos delitos apurados na Operação Lava Jato.
Logo, até sob esse aspecto, a comparação com a JBS é altamente esclarecedora.
Empresas da família Feffer, proprietária da Suzano, fazem parte de uma lista de 107 empresas de fachada no exterior, descobertas a partir de documentos do escritório Mossack Fonseca, no Panamá.
Além disso, a força-tarefa da Lava Jato investiga a compra, por R$ 2 bilhões e 700 milhões, da Suzano Petroquímica, pela Petrobrás, em 2007.
Depois de comprada pela Petrobrás, a Suzano Petroquímica, rebatizada como Quattor, foi comprada pela Odebrecht – que, com isso, obteve o controle do Polo Petroquímico do Sudeste, em Mauá (SP).
Em depoimento à força-tarefa da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, declarou que o valor que a estatal gastou na compra da Suzano Petroquímica ficou “em um patamar bem superior ao mínimo fixado no ‘range’, face a uma decisão unilateral do então presidente Sérgio Gabrielli, , a respeito da qual ele não forneceu maiores detalhes para os diretores”.
O “range” era uma avaliação em que constava um preço mínimo e um preço máximo. Um dia antes da decisão de comprar a Suzano Petroquímica por R$ 2,7 bilhões, o preço em Bolsa dessa empresa era R$ 1,2 bilhão.
Em depoimento à CPI da Petrobrás, o diretor-presidente do Grupo Suzano, David Feffer, confirmou que negociou diretamente com Gabrielli a venda da Suzano Petroquímica.
Segundo parlamentares que estiveram na sessão da CPI que ouviu Feffer, “ele exemplificou outros casos em que uma companhia é adquirida com preços teoricamente altos, mas que não deixam de ser um bom negócio para o comprador”.
Porém, o gasto total da Petrobrás foi de R$ 4,5 bilhões, porque a estatal assumiu uma dívida de R$ 1,4 bilhão da Suzano, além de outras despesas.
A compra foi avalizada pela presidente do Conselho da Petrobrás na época, Dilma Rousseff.
Para tornar mais suspeito o negócio, uma desconhecida corretora uruguaia, a Vailly S.A., que nunca até então negociara ações da Suzano, comprou, subitamente, papéis da companhia logo antes do fechamento do negócio bilionário.
Essa corretora foi investigada pelo Ministério Público e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), aceitou a acusação de uso de informações privilegiadas e pagou multa, para evitar um processo judicial. Estranhamente, não se sabe – nem se exigiu que ela dissesse – de onde partiram as “informações privilegiadas”.
NÃO AO MONOPÓLIO
No extremo sul da Bahia, entidades populares e empresariais iniciaram o movimento “Monopólio Não”, para impedir a compra da Fibria pela Suzano, que ainda terá que ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
“A fusão entre Suzano e Fibria é o maior escândalo do Brasil depois da Petrobrás e da JBS”, disse ao HP uma liderança do movimento, lembrando que “a fusão [da JBS] com a Bertin, em 2010, criou a maior empresa de proteína animal do mundo, gerando um monopólio que resultou em corrupção e preços menores aos pecuaristas”.
[NOTA: Em 2017, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconheceu que a fusão bilionária entre os frigoríficos Bertin e JBS, aprovada na época pelo Cade, foi fraudulenta. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional pediu que a Justiça cancelasse a fusão, alegando fraudes fiscais e societárias. Também foi contestado o apoio do BNDES aos dois frigoríficos para a operação. O Tribunal de Contas da União (TCU) calculou em R$ 711,3 milhões o prejuízo que o BNDES teve com operações de compra de ações e debêntures (títulos de dívida) do grupo JBS. Os auditores afirmaram que houve “cessão graciosa de dinheiro público” para a empresa.]
Com a compra da Fibria pela Suzano, “se trata de entregar dois milhões de hectares do território brasileiro a um monopólio, uma área do tamanho, por exemplo, do Estado de Israel”.
Como no caso da JBS, um monopólio que poderá impor preços miseráveis aos plantadores de eucalipto e preços extorsivos aos consumidores.
ECONOMIA MISTA
O resumo dos fatos sobre a compra da Fibria pela Suzano, feito pelo advogado Teodoro Saraiva Neto, em sua Ação Popular, é bastante esclarecedor:
“O requerente é cidadão brasileiro e advogado militante atualmente com 74 (setenta e quatro anos), livre de suas obrigações eleitorais, e cansado de assistir a quebras de regras, práticas furtivas à margem da legalidade com o desmoronamento do nossoPaís, se viu compelido a promover a presente ação”.
Em seguida, Saraiva Neto mostra que “a operação consolidada pelas duas maiores empresas de celulose do país transforma a companhia resultante (Suzano) na líder mundial em celulose de mercado (…), criando um verdadeiro oligopólio com características de monopólio no setor de celulose, com perigoso poder de manipulação do mercado.
“… a sistemática adotada é notadamente ilegal e contraria a Supremacia do Interesse Público, na medida em que estamos por assistir uma negociata milionária envolvendo ‘dinheiro público’ sem observância das regras mais comezinhas inerentes ao resguardo do erário.
“Em verdade, ao permitir que seu capital seja fomentado substancialmente por dinheiro público (BNDESPar), qualquer empresa ganha status de ‘sociedade de economia mista’, se sujeitando, portanto, às regras da Lei 8.666/93 (lei de licitação)” (grifos no original).
Porque, mostra ele, não é apenas que o poder público, através da BNESPar, é sócia majoritária das duas empresas.
No caso da Fibria, o poder público tem mais do que 50% das ações com direito a voto: a BNDESPAR tem 49% e os fundos de pensão das estatais têm mais de 1%, “o que configura recursos públicos em mais de 50%”.
Por esta razão, é ilegal a venda da Fibria sem licitação – e, segundo recente decisão do STF, sem autorização do Legislativo.
No entanto, apesar disso, as direções da Fibria e da Suzano “não fizeram qualquer cerimônia para se fundirem, com a alienação da Fibria à Suzano sem qualquer preocupação com o capital público que significou parte substancial da venda”.
E, aqui, o ex-prefeito de Nanuque faz uma observação sobre os fundos de pensão, “fregueses de fusões de empresas de florestas plantadas, e que, de igual sorte, são formados por capital proveniente de direito público”:
“… é fato público e notório que uma operação da polícia federal com dimensão gigantesca tem apurado fraude e corrupção desenfreada nesse setor. Senão, vejamos:
“Wesley [Baptista] foi alvo de condução coercitiva e foi questionado sobre a fusão entre as empresas Florestal e Eldorado, bem como a criação do FIP Florestal, que se beneficiou do aporte de capital do Funcef e do Petros, que sofreram prejuízo nas negociações. Joesley também era alvo de condução coercitiva, mas está no exterior” (v. Operação Greenfield: entenda o escândalo nos fundos de pensão. O novo caso de corrupção, que pode ter dado prejuízo de R$ 8 bilhões a fundos estatais, se assemelha aos desvios em grandes obras públicas).
“A participação paritária de recursos oriundos do poder público desses privilegiados implica obrigatoriamente desembolso de todos nós brasileiros, fruto de manipulações, tramoias, conspirações, traições, e corrupção…”.
FOLHA CORRIDA
A Suzano, além do mais, tem um péssimo histórico no sul da Bahia.
“A empresa tem pouco diálogo com a comunidade”, diz Silvânio Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Silvicultura, no Plantio, nos Tratos Culturais, Extração e Beneficiamento da Madeira em Atividades Florestais e Indústrias Moveleiras no Extremo Sul da Bahia (Sintrexbem).
Segundo o presidente do Sintrexbem, “existe o questionamento sobre a opção [da Suzano] por mão de obra barata e contratação de profissionais fora da sua área, para pagar uma remuneração menor”.
Efetuada a compra da Fibria pela Suzano, “o trabalhador técnico na área ficará sem opção e, caso seja desligado, terá que se mudar para uma outra região para conseguir emprego em uma outra empresa, pois a união criará um poder totalitário no segmento da celulose, com a formação da quinta maior companhia do país, que consequentemente será a dona de alguns municípios da nossa região”, diz o Sintrexbem.
“Falamos com conhecimento de causa, pois já vivenciamos situação parecida quando a Votorantim, em 2009, comprou a Aracruz e criou a Fibria Celulose.”
Além disso, a Suzano é, atualmente, a maior responsável pela poluição do rio Mucuri, que banha o norte de Minas Gerais e o sul da Bahia. A empresa despeja matéria orgânica acima do que é permitido no rio, matando aos poucos a fonte de renda da população ribeirinha.
C.L.