Corte de 83% dos recursos destinados ao Prosub, o programa de submarinos da Marinha, provocou a demissão de 200 trabalhadores especializados na Itaguaí Construções Navais (ICN), empresa responsável pela construção de submarinos
Mesmo após a solenidade de lançamento de um submarino ao mar recentemente, onde o presidente Lula anunciou investimentos no desenvolvimento dos projetos de defesa, a área econômica do governo anunciou cortes de verbas destinadas aos projetos do Ministério da Defesa que atingiram R$ 466,8 milhões. Quase metade desse valor atingiu a Marinha, que perdeu R$ 199,9 milhões. O impacto do corte será totalmente absorvido pelo Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos).
As perdas da Marinha se deram em dois cortes. O primeiro ocorreu em março. Ele foi de R$ 168 milhões e atingiu todos os setores da Marinha. Logo depois, veio a decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo de bloquear R$ 446 milhões das despesas discricionárias do Ministério da Defesa. Destes, mais R$ 199,9 milhões foram da Marinha.
Em audiência na Câmara dos Deputados, no dia 18 de abril, o comandante, almirante Marcos Sampaio Olsen, destacou que o baixo investimento do Brasil na Força tem “impacto relevante no exercício da soberania e na defesa dos interesses da sociedade”. “Nos somos o 9º PIB no mundo, a 9ª economia, e a 25ª Marinha. Me surpreende ver a Rússia como 11º PIB sustentando um conflito há 2 anos e meio e mantendo todos os programas estratégicos que tem, seja no espaço, seja no Ártico ou na pesquisa”, acrescentou.
Do total de cortes, R$ 168,9 milhões são de recursos para custeio (14,2%), aquele que paga, por exemplo, as contas de água e de luz, e R$ 297,9 milhões reservados para investimento (12,5%). A Força Naval teve bloqueados 83% dos recursos destinados justamente ao Prosub, o programa estratégico de desenvolvimento de submarinos da Marinha. Como resultado dos cortes e bloqueios de verba do programa, a Itaguaí Construções Navais (ICN) anunciou a demissão de 200 trabalhadores engajados na construção dos submarinos.
O colunista do Estadão, Marcelo Godoy, informou que recebeu da Marinha uma nota lamentando os cortes e comentando as demissões; “Especialmente considerando tratar-se de trabalhadores qualificados no âmbito do Prosub. A redução da mão de obra qualificada do estaleiro construtor traz impacto nos prazos e custos dos submarinos convencionais em construção, bem como na construção do primeiro submarino nuclear convencionalmente armado do Brasil”, diz o documento.
A decisão dos cortes foi tomada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo. Este é um colegiado que reúne quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Inovação e Casa Civil. Ele toma suas decisões a partir de informações recebidas dos ministérios em razão das projeções feitas pela Secretaria de Política Econômica, da Fazenda. O decreto com o bloqueio dos recursos, assinado por Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), foi publicado no dia 28 de março, antes, portanto, da solenidade de lançamento do submarino que contou com a presença de Lula.
O almirante Olsen afirmou ao mesmo colunista do Estadão que “a imprevisibilidade orçamentária impacta na capacidade de resposta que a Base Industrial de Defesa (BID) precisa ter frente aos desafios de programas estratégicos como o Prosub, que são implementados a longo prazo e envolvem tecnologias na fronteira do conhecimento”. “Essa imprevisibilidade gera prejuízos de ordem econômica e para o planejamento da Força Naval”, acrescentou. Olsen destacou que o atraso significativo nas entregas dos programas estratégicos pode fazer com que os meios, planejados com itens no estado da arte, sejam entregues com certo grau de obsolescência.
Em recente entrevista ao programa Canal Livre, o almirante Olsen mostrou preocupação de que o projeto do submarino nuclear não seja interrompido. “O submarino nuclear brasileiro será lançado ao mar em 2034. O projeto é brasileiro. A autoridade de projeto é brasileira. A parceria estratégica estabelecida em 2008 foi um ato de coragem. O projeto tem por objetivo precípuo a obtenção de um submarino de propulsão nuclear. Os quatro submarinos convencionais já em construção permitirão a capacitação tecnológica do processo construtivo”, disse ele.
Ele destacou a importância do Brasil dominar a tecnologia nuclear. “Nós temos nesses projetos a criação de empregos, são 23 mil empregos diretos, 40 mil empregos indiretos, a participação de 23 universidades, 700 empresas, então é uma injeção de recursos na base industrial significante”, argumentou o almirante. “Há uma visão míope de que o produto de defesa se presta à destruição e que, portanto, um país que comungue da solução pacífica de controvérsias ou que não perceba exatamente as ameaças pode prescindir. A questão no Brasil evidentemente não é essa”, acrescentou.
Ele destacou na ocasião os riscos das perdas ocorridas na Marinha nos últimos anos. “Nos últimos 20 anos a Marinha desmobilizou 50% do seu poder naval. Até 2028 haverá mais 40% de baixas”, afirmou o almirante.
Ele defendeu o fortalecimento da indústria naval. “De 2014 para cá nós perdemos, na construção naval, 60 mil empregos. A construção naval se caracteriza por uso intensivo de mão de obras, uma larga escala logística, tem mão de obra qualificada e é um setor estratégico para o Estado”, argumentou. “Eu não entendo apenas como construção naval, é indústria naval e o Estado tem que proteger isso”, afirmou.