
“Quando eu falei a alguns dos meus colegas sobre a Turquia e que eu estava indo a Istambul visitar o presidente do Partido Patriota da Turquia (Vatan Partisi), Dogu Perincek, as reações foram diversas”, diz o entrevistador Abbas Juma, em artigo publicado no portal RT. Foram desde a indiferença completa até a irritação, passando por grande admiração. Céticos disseram que ambos, o partido e seu líder, são “patos mancos” e não têm futuro. Entretanto, o meu entrevistado discorda de forma veemente dessas opiniões, enquanto discorre sobre a influência dos EUA, Palestina, Israel e o futuro da OTAN
“Espere que em alguns anos que nós iremos chegar ao parlamento, você verá”, enfatiza o político de 81 anos. Perincek diz perceber que o povo turco se distancia dos valores ocidentais e dos políticos que os representam. Isso se dá principalmente devido à posição dos EUA, que regularmente demonstra comportamento hostil e agressivo na região, sem excluir a Turquia, mesmo que ela integre os quadros da Otan.
“Pessoas comuns enxergam, e nossas forças armadas enxergam,’ disse Perincek. “A Turquia é o principal alvo dos Estados Unidos”, s diz enquanto me mostra um mapa do país com bases militares americanas cercando a Turquia marcadas com a bandeira dos EUA.
Perincek mostra também um mapa semelhante do Irã, recentemente compartilhado na internet. “Mas”, esclarece, “nesse sentido, para Teerã é muito mais fácil do que para gente”.
“Por que não tem embaixada americana lá?” eu pergunto.
Perincek ri e esclarece: “O Irã não é membro da OTAN, é por causa disso que estamos em perigo maior”.
Três estágios de separação
De acordo com Perincek, as contradições entre Ancara e Washington são principalmente estratégicas, e não podem ser resolvidas em um dia.
Vejamos a entrevista:
Dogu Perincek: Eu irei dividir a história das relações entre Turquia-EUA em três períodos. O primeiro durou de 1945-1980, o segundo de 1980-2014 e o terceiro começou depois de 2014.
No primeiro período, os EUA tentaram sabotar as conquistas revolucionárias da Turquia, mas em grade parte eles falharam. Depois de 1980, sua principal tarefa foi em integrar a economia turca na chamada ‘economia global’. Claramente, a integração com a economia global supõe a eliminação da economia nacional do país, cultura e política. O ocidente até considerou em implementar esse cenário pela força. Na época, nosso partido foi a principal força política que lutou contra isso. Na época era chamado de Partido dos Trabalhadores e Camponeses. Cerca de 2.500 membros do partido foram presos e muitos torturados. Além disso, os EUA vinha com o projeto “Curdistão” em território turco. [Perincek chama isso de ‘segundo projeto Israel].
Nós protestamos fortemente contra e resistimos da forma que podíamos. Em 2014, nós finalmente conseguimos libertar os oficiais e generais presos em 2007.
Então, o tão esperado terceiro período começou, quando a Turquia começa a gradualmente a se distanciar dos EUA. Esse período foi marcado pela luta contra o terrorismo e separatismo. Em resposta, no verão de 2016, agentes americanos tentaram um golpe armado. Eles falharam. Depois disso os expurgos começaram. 140 mil traidores foram exonerados de seus postos ou presos. Isso resultou em um paradoxo: agentes da Otan foram punidos, mas a Turquia ainda era membro da Otan.
Abbas Juma: Você disse que EUA fracassou. Mas ainda continua a exercer pressão econômica na Turquia. Por exemplo, eles querem impedir a Turquia de cooperar com a Rússia…
Dogu Perincek: É verdade. Mas sua política de pressionar a Turquia está para chegar em um beco sem saída. A Turquia está gradualmente se aproximando da China, Rússia e Irã. Entretanto, esse é um processo complexo e vagaroso. Por outro lado, a presidência de Erdogan não quer romper completamente com o mundo atlântico, e também quer se aproximar com países da Ásia. O presidente turco Recep Erdogan que ser amigo de Putin, mas ele também quer manter um boa relação com o presidente americano Joe Biden.
Estados Unidos continua a exercer pressão no nosso país. A Turquia tem uma dívida nacional grande e é dependente de importações. A pressão não é somente econômica, armas americanas também estão direcionadas contra nós [Perincek aponta para o mapa].
RT: Mas não existe mecanismo legal para se retirar da aliança…
DP: Nosso povo já se retirou. Se você fizer um referendo hoje, 80% do povo turco votaria a favor de sair da Otan.
Atlanticistas (pró-OTAN) vs. Patriotas
RT: Entretanto, em se tratando sobre o conflito Rússia-Ucrânia, a Turquia está no lado da OTAN. Por exemplo, recentemente ouvimos sobre a construção de uma fábrica para produção de drones Bayraltar perto de Kiev.
DP: A divisão entre os atlanticistas e patriotas ocorre na Turquia em todos os níveis. Também existem no partido governista. A vinda da Suécia e Finlândia para a Otan e a política da Turquia em relação à Ucrânia demonstram que o atlanticismo na Turquia continua extremamente forte.
RT: E sobre o presidente turco – de que lado ele está? Retornando ao problema de produzir drones turcos na Ucrânia, notamos que essa campanha é encabeçada pelo genro de Erdogan.
DP: O genro de Erdogan, Selcuk Bayraktar, representa interesses atlânticos. Os atlanticistas, querem que ele substitua seu sogro como líder do partido governista e do país.
Entretanto, nós também não podemos dizer que o próprio Erdogan apoia totalmente os atlanticistas, por que ele entende muito bem que os americanos não estão satisfeitos com ele. Não importa o quanto Erdogan tente se aproximar de Washington, eles nunca irão aceitá-lo. Nesse aspecto, o cancelamento da visita do líder turco aos EUA em maio talvez seja bem reveladora.
O problema palestino e o Irã estão enfraquecendo a influência ocidental na Turquia
RT: Como a Turquia e especialmente, as elites turcas reagem com a situação na Palestina e ao ataque do Irã contra Israel?
DP: No começo do conflito, Erdogan não queria tomar uma decisão específica sobre a Palestina. Mas a luta desesperada do povo palestino o forçou a tomar seu lado.
Os ataques de 7 outubro do Hamas contra Israel e o ataque do Irã, foram um grande golpe contra os atlanticistas na Turquia. Alguns dias atrás, eu fui a uma reunião na embaixada do Irã tratar sobre as forças armadas do Irã. Generais turcos estavam presentes na reunião. É digno de nota, por que oficiais militares de alto escalão, não compareciam a eventos do tipo no passado.
Mas é claro que o ocidente está tentando combater a influência do Irã na região e na Turquia. Em particular fazem uso de radicais religiosos para fomentar conflito entre Xiitas e Sunitas, mas sem muito sucesso.
Conclusão
No decorrer de nossa conversa, Perincek se lembrou de sua viagem a Moscou em 1996. Em sua visita oficial, ele se encontrou com vários oficiais de alto escalão russos. De acordo com Perincek, na época ele percebeu que “o grande espirito russo estava suprimido”. Mas o tempo passou e a Rússia se recuperou.
“Uma vez sob o ex-presidente russo Boris Yeltsin, vocês também seguiram um curso autodestrutivo. Mas então o povo russo decidiu em focar no fortalecimento da soberana ao invés de integrar com o ocidente. E isso os salvou”, disse Perincek.
No caso da Turquia, Perincek está certo que as coisas vão acontecer muito mais rápido já que o processo começou dez anos atrás, e não vai ser antes do país sair da crise – e então, talvez até saia da Otan.