
Enquanto o corte de direitos provocado pela aprovação da reforma trabalhista, que arremessou os trabalhadores numa situação de vulnerabilidade tem sido cada vez mais repudiado por sindicatos e trabalhadores, nas propriedades rurais de alguns deputados federais as condições de trabalho beiram a escravidão.
Casos como dos deputados Leonardo Picciani (MDB/RJ), ex-ministro do Esporte de Temer, e Paulo Beto Mansur (MDB/SP) saltam aos olhos.
Nas fazendas dos dois foram encontrados trabalhadores em situação análoga a escravidão.
Dos 43 deputados federais donos de propriedades rurais, 11 violaram as leis do trabalho, somando 286 autos que incluem o não pagamento do FGTS, o desrespeito ao tempo de descanso, exposição a acidentes, utilização de seguranças armados para coagir os trabalhadores, entre outras atrocidades. Desses 11 parlamentares, 10 são da Bancada Ruralista.
Os dados são resultado do Ruralômetro, pesquisa desenvolvida pela Repórter Brasil para monitorar a atuação dos deputados federais em áreas de impacto ao meio ambiente, povos indígenas e trabalhadores rurais.
As fazendas de cultivo de soja de Beto Mansur, no município de Bonópolis (GO), foram flagradas por duas vezes. Em 2004, quando Beto Mansur era prefeito de Santos, foram resgatados 46 funcionários que dormiam num barracão de chão de terra e teto de palha, sem paredes. Dessa vez, além do trabalho escravo, também foi autuado por exploração do trabalho infantil. “Quando chovia, eles passavam a noite em pé para não se molharem. Tinha um trabalhador que dormia no chão, era uma situação deprimente”, afirma Sergio Carvalho, auditor-fiscal que participou da ação.
À época a Justiça de Goiás entrou com ação penal contra Mansur, mas o processo foi arquivado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Melo, que entendeu que a Procuradoria Geral da República é quem deveria investigar.
Em 2012 foram resgatados 22 homens que plantavam soja em jornadas de 24 horas, das 7h às 7h, com intervalos ínfimos de 30 minutos para almoço e jantar. O coordenador da fiscalização e auditor fiscal Roberto Mendes diz que “a jornada era tão exaustiva que eles laboravam até não mais ficarem acordados. Quando chegava às 2h, paravam a máquina e dormiam por alguns minutos no chão, no meio do campo”.
A jornada exaustiva expunha os trabalhadores a riscos de acidentes graves entre os que operavam tratores e plantadeiras, estes também não possuíam equipamentos de segurança e nem receberam treinamento para o manuseio adequado do maquinário.
A ação penal sobre o caso de 2012 também foi arquivada pelo STF, sob o argumento de que a Justiça do Trabalho de Goiás teria absolvido Mansur em ação de danos morais coletivos após enviar uma equipe de inspeção para verificar as condições na fazenda. “Foram inspecionar com dia e hora marcada, claro que encontraram a casa arrumada. Fiscalizar não é atribuição da Justiça. A questão é que, do outro lado, tinha um deputado”, denunciou o procurador do Trabalho Alpiniano do Prado Lopes, que participou do flagrante.
A empresa de Leonardo Picciani, Agrovás Agropecuária, por sua vez, também foi autuada por manter 41 trabalhadores em condições análogas a escravidão, sendo condenado a pagar R$ 250 mil e ter que seguir normas de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT).
A auditora fiscal do trabalho do Rio Grande do Norte, Marivalda Dantas, que participou da operação de resgate dos 41 funcionários afirmou: “Os trabalhadores eram tratados pior que animais. Enquanto as vacas e os bois da fazenda eram transportados de avião para exposições agropecuárias, trabalhadores machucados esperavam dias por atendimento médico.”
Os funcionários de Picciani ficavam sob vigilância armada para evitar fugas, moravam em barracas de lona e não tinham acesso à água potável, segundo o relatório dos auditores. Entre os trabalhadores, havia um adolescente de 17 anos.
A Agrovás agora pertence ao grupo Agorbilara Comércio e Participações, que também foi autuado por violar leis do trabalho em 2004 e 2015. A fazenda pertencia a Leonardo e ao pai Jorge Picciani, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que cumpre pena em regime domiciliar após ser acusado de corrupção passiva. A assessoria de Leonardo Picciani afirmou em nota que o ex-ministro de Temer, “cumpre rigorosamente suas obrigações trabalhistas, o que não impede a existência de reclamações, como ocorre em companhias de vários segmentos”.
A falta de carteira assinada também foi alvo de autuações do Ministério do Trabalho e Emprego. Estão nessa categoria as empresas ligadas aos deputados federais João Bacelar (PR-BA), Pedro Vilela (PSDB/AL), Arthur Lira (PP/AL), Aníbal (DEM/CE) e o deputado Newton Cardoso Jr (MDB/MG), esse último com três empresas ligadas a ele que somam 180 autuações.
Os parlamentares José Priante (MDB/PA), Vicentinho Júnior (PR/TO), Alfredo Kaefer (PP/PR), todos candidatos à reeleição, e Luiz Carlos Heinze (PP/RS), que concorre a uma vaga no Senado, também estão ligados a empresas rurais que violam os direitos trabalhistas.
Dos 11 deputados empresários rurais que cometeram infrações trabalhistas, 10 votaram a favor da Reforma Trabalhista. O único que não votou foi Leonardo Picciani, que à época da votação era ministro dos Esportes.