Rafael Lucchesi: “Retomada do desenvolvimento industrial no Brasil passa pela construção de um novo consenso”
Rafael Lucchesi, diretor de Educação da CNI (Confederação Nacional da Indústria), em entrevista exclusiva ao jornal Hora do Povo, declarou que a “retomada do desenvolvimento industrial no Brasil passa pela construção de um novo consenso”. Segundo o líder empresarial, “o Brasil precisa ter uma agenda clara de desenvolvimento industrial”. Para Lucchesi, “a atuação do Estado cumpre um protagonismo para assegurar a coordenação dos investimentos necessários para empurrar o desenvolvimento industrial, não só como financiador, mas como empreendedor”.
“O que acontece se nós comparamos estes dois ciclos históricos?”, pergunta Lucchesi. Ele mesmo responde: “No primeiro, o ciclo desenvolvimentista, a economia cresce fortemente, o Brasil é o país que mais se desenvolve entre todos os países no mundo, a uma taxa média de crescimento de 7% ao ano. O Brasil é quem empurrava o crescimento econômico no mundo por décadas e sai de uma condição de uma economia rural e agrária para um país industrial e urbano. Já no segundo ciclo, quando o Brasil adota essas ideias, nascidas no Consenso de Washington, o país avança numa desindustrialização precoce. As taxas de crescimento econômico são as mais baixas do mundo”. Para ele, “nós vivemos esse período em que parte da sociedade se beneficia da especulação financeira, do Consenso de Washington”.
O dirigente da CNI lembrou que “a China, no final dos anos 70, elege o Brasil um modelo a ser copiado e tem um plano de buscar a posição que o Brasil tinha”. Para Rafael, “toda essa ascensão chinesa se deu num esforço obstinado de transformar o país numa moderna economia baseada na manufatura. A China cresce de maneira espetacular e se torna a manufatura do mundo. Na época, a estrutura industrial brasileira era maior que a chinesa e a sul-coreana juntas”.
“Há uma tensão crescente entre EUA e China. A economia relativa entre EUA e China é de 1% em 1979. No ano 2000 é de 12% e hoje é de 70% em dólar. Se nós pegarmos a paridade do poder de compra da moeda, a China é hoje a maior economia do Planeta”, avaliou.
Para Lucchesi, “há uma inflexão, uma clara substituição do padrão anterior de desenvolvimentismo”. Na sua avaliação, “é a partir daí que nossa economia passa a ser orientada pelas teses de ajustes, choques preconizados pelo receituário concebido por um economista chamado John Williamson”, que prega todo esse processo de ajuste fiscal, desregulamentação para investimento externo, liberalização para as atividades financeiras, que se convencionou chamar de Consenso de Washington. Todas as economias latino-americanas vão nessa direção com a pretensão de um desenvolvimento sustentável, o que, de uma forma geral, não aconteceu”, concluiu. Para Lucchesi, “o Brasil crescentemente perde complexidade produtiva, há um ciclo de retrocesso e regressão industrial no início do segundo milênio. Há uma perda massiva de estrutura produtiva, sobretudo de média e alta complexidade, principalmente na segunda década”.
E segue: “Em contraste com o primeiro ciclo, no segundo, o Brasil foi o país que mais perdeu complexidade produtiva”. Em sua opinião, “isso tudo é muito ruim”. E explica: “Se compararmos as três últimas gerações, há um declínio médio da renda das famílias, onde os avós são mais ricos que os pais, que são mais ricos que os netos. Isso cria um sentido de frustração e depressão coletiva, onde o sentimento de retrocesso, empobrecimento e desalento acabam sendo muito grande, criando uma pressão social forte no país. A polarização e o ódio são contagiantes pelo sentimento coletivo de fracasso”.
Conforme o dirigente da CNI, “no final dos anos 70 o Brasil já é a oitava economia do mundo. Somos capturados pela crise de sub liquidez internacional. O Brasil toma empréstimos a juros flutuantes, quando vem a enorme elevação dos preços do Petróleo. Isso vai mudar essas taxas de financiamento a longo prazo. Vai fazer com que o Brasil se torne exportador líquido de capital. A economia brasileira, para responder a este estrangulamento externo, recorre aos programas de ajustes do FMI. O Brasil se orienta para a obtenção de grandes saldos comerciais. A economia brasileira demonstrava, nessa época, um enorme poder de reação e de obtenção dessas divisas externas. Com a utilização de programas de importação para estabilização, começa o desmonte de nosso parque industrial”.
“Os anos seguintes, na primeira metade dos anos 80, onde os choques externos foram determinantes, seguem seis programas de estabilização, que se inicia com o Plano Cruzado. Isso vai começar a determinar o processo de mudança de perda na hegemonia brasileira. Desestrutura muitos preços relativos e acaba provocando uma perda de tecido na indústria”.
O dirigente da CNI considera “importante lembrar que já nos anos 40 houve um grande debate na sociedade brasileira entre Roberto Simonsen, líder empresarial em São Paulo, presidente fundador da FIESP e presidente da CNI, que se destacou pelo seu desempenho na discussão com Eugênio Gudin. O economista conservador achava que o Brasil devia se concentrar nas vantagens comparativas da produção agrícola. Já Simonsen defendia a industrialização para o Brasil se desenvolver, ‘como aconteceu com todos os outros países’. “Podemos dizer que esse evento foi uma espécie de fundação do Nacional Desenvolvimentismo. A polêmica marcou o debate brasileiro pelos 80 anos seguintes”.
Para o líder sindical do empresariado, “o início do processo do desenvolvimento industrial brasileiro é bastante interessante. Marcou o país por 50 anos. O Brasil superou o seu PIB de antes do crash de Nova York, de 1929, em três anos. A Argentina foi superar, em 1949, 20 anos depois. Em grande medida (…) a capacidade de desenvolvimento da economia brasileira, naquele momento, se deu pelo processo de transição através da substituição de importação e da industrialização restringida. O governo brasileiro comprava e queimava café, o que foi decisivo para assegurar o desenvolvimento industrial brasileiro”, afirmou.
Lucchesi considera que “o Brasil se torna uma economia que aumentou muito sua complexidade produtiva, em especial no segundo governo Vargas, e que teve uma expansão muito grande da produção industrial, com a instalação da CSN e o avanço da indústria petroquímica. Começa o processo da criação da indústria de base no Brasil”.
NOVA JANELA DE OPORTUNIDADES
Lucchesi avalia “que está aberta uma nova janela de oportunidades para a reindustrialização do Brasil”. Para o empresário, “a moldura do futuro da indústria está desenhada e marca a ascensão de novas tecnologias, baseada na economia digital, internet das coisas, big data, inteligência artificial, indústria aditiva, biotecnologia. Os países centrais têm feito um enorme esforço em torno de 12 trilhões de dólares na agenda promotora de suas políticas industriais”.
A segunda característica desta janela, para o dirigente da CNI, “é a transição ecológica, a transição energética e a descarbonização produtiva”. Nessa situação, “o Brasil emerge como uma grande potência por ter uma matriz industrial e energética limpa”. Pode avançar com enorme potencial produtivo e oportunidade de reindustrialização”.
“Além de tudo, as mudanças na geopolítica também nos beneficia. Há um claro desacoplamento energético entre os EUA e a Europa e a China, a Rússia e a Índia”, concluiu.
A CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) promoverá, no dia 11 de junho, às 16h, em sua sede nacional, na Rua Cardoso de Almeida, 1843, Perdizes, o debate entre Rafael Lucchesi, Adilson Araújo, presidente da CTB, José Reginaldo pela CNTI e Assis Melo, da FITMETAL, e terá como tema “A unidade nacional em defesa da indústria”. O representante da CNI debaterá com as principais confederações de trabalhadores. O evento para São Paulo será presencial.
CARLOS PEREIRA