A “transformação fantástica” fruto da aplicação do Programa Parceiro da Escola em dois colégios estaduais no Paraná, na versão do governador Ratinho Júnior (PSD), não passa de uma fábula mal engendrada sem final feliz para a maioria. É o que relata o professor Edson Mosko, que acompanhou a implementação do projeto desde o início, sendo ele próprio um dos prejudicados pela medida.
Edson é um dos chamados PSS (professores temporários contratados por meio de processo seletivo) quando faltam concursados. Embora não tenham vínculo efetivo com o Estado, esses professores têm ainda certas garantias que não existem no regime de CLT. “Promessas de estabilidade no emprego e possibilidade de altos salários motivaram professores(as) PSS da rede pública estadual a aderir ao projeto Parceiro da Escola em 2022. No final do ano seguinte, eles(as) perceberam que haviam caído no conto do vigário, após serem demitidos sem justificativa”, cita em sua página na internet o APP Sindicato, que representa a categoria no Estado.
Atraído pela possibilidade de melhor remuneração e de lecionar em apenas uma escola Edson defendeu a iniciativa junto a pais e alunos. Ele atuava no Colégio Estadual Aníbal Khury, quando foi convencido a aderir ao projeto. “Eu trabalhava como PSS em cinco escolas e houve a proposta de que se uma empresa passasse a administrar, em vez de trabalhar em cinco escolas eu trabalharia em uma escola só, o que me interessou muito”, conta em relato divulgado pelo sindicato. “Falaram também que salarialmente seria melhor que o PSS, mas o que mais me interessou foi ter a segurança de não ter que fazer prova, gravar vídeo, provar títulos e ficar na lista de espera dos PSS”, explica.
Depois da aprovação do projeto no Aníbal Khury começaram as decepções. “As empresas, que vieram de fora, de São Paulo e Minas Gerais, trouxeram professores de lá. Então comecei a perceber que ter esses professores atuando na escola era contrário ao que haviam prometido para nós, que teríamos aulas garantidas”, relata Mosko.
A medida também não produziu avanços pedagógicos. “O governo pode até fazer uma filmagem num dia bonito, colocar uniforme em todas as crianças e fazer um vídeo, todo mundo acha legal, mas no dia a dia não é isso que acontece”, afirma. “A ideia é que haveria um trabalho efetivo para que os estudantes tivessem bons resultados no Enem e tivéssemos uma grande aprovação no vestibular da UFPR, mas não aconteceu isso. Até porque quem dava a sexta aula eram monitores e não professores. Não teve aluno, até onde eu sei, do terceiro ano do Anita Canet, que passou na Federal”, conta Mosko.
À essa altura, substituído pelos terceirizados na escola onde lecionava, Edson foi obrigado a migrar para outra unidade, o Anita Canet, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, onde mais tarde novamente seria substituído pela mão de obra terceirizada, de fora. “Criaram-se as panelas de quem veio através da indicação da direção da escola e da empresa. Vieram amigos, ex-alunos, veio gente que não tinha formação para atuar como professor”, denuncia o docente.
“A terceirização nada mais é do que uma propaganda, onde alguns deputados estão felizes porque podem inclusive indicar nas empresas terceirizadas seus cabos eleitorais para dar aulas”, diz o deputado estadual Requião Filho (PT).
Os professores que antes atuavam como PSS começaram a ser assediados para alterar notas e abonar faltas de alunos. Os que não concordaram com isso passaram a ser mal vistos pela empresa que os contratou. “Quando chegou o final do ano houve uma demissão em massa, principalmente desses que não concordaram com as demandas de, por exemplo, tirar as faltas de aluno no final do ano, dar nota para aluno para que o colégio não ficasse com a nota lá embaixo”, conta Edson. “Isso foi algo que aconteceu comigo e com vários outros professores. Na calada da noite, dia 20 de dezembro, faltando poucos dias para o Natal, fomos demitidos”, relata.
Na propaganda para aprovar o Parceiro na Escola, o governo afirmava que uma das vantagens é que agilizaria reformas nas escolas, o que não ocorreu. “As reformas que aconteceram na escola eram feitas com recursos do governo do Estado, mas a empresa fazia propaganda como se fosse ela que estivesse fazendo”, denuncia o professor.
PL ABRE BRECHA PARA COBRANÇA DE MENSALIDADE
No projeto em questão, a empresa continuará usufruindo da estrutura do Estado. “O parceiro poderá utilizar as plataformas digitais contratadas pela SEED. Contratamos, pagamos com dinheiro público, e o Governo Ratinho entrega de graça para iniciativa privada usar. Isso é festa! É festa porque já estava na cabeça do governo a plataformização da educação”, denunciou o deputado estadual Arilson Chiorato (PT).
Para ampliar o programa, Ratinho Júnior enviou à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) na segunda-feira (27), em regime de urgência, o projeto de lei 345/2024. A intenção é aprovar, a toque de caixa, o PL que visa privatizar, a partir de 2025, cerca de 200 escolas estaduais. O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, na manhã desta quarta-feira (29) sob protestos da oposição.
Também contrário à iniciativa, Requião Filho diz que a experiência não deu certo em outros lugares. “Já deu errado em vários países, por que vamos adotar um projeto que está fadado ao fracasso?”. Além disso, “não há no projeto sequer garantias sobre a administração dessas escolas e qual o currículo que será adotado”, afirma.
O PL “não explica sequer como essas primeiras 200 foram selecionadas”, observa. “Segundo o Secretário de Educação, foram indicadas escolas com baixos índices do IDEB, mas é uma mentira. Há, por exemplo, uma escola de Tibagi que é muito bem avaliada e está lá, indicada para essa terceirização”, apontou.
Para o deputado, a função da Escola Pública é o desenvolvimento do indivíduo em todas as suas dimensões ao invés de assegurar lucro para financiadores de campanhas políticas. “A função social da unidade escolar gratuita está focada no desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e afetivas do indivíduo, de modo a capacitá-lo a tornar-se um cidadão participativo na sociedade. Uma definição bonita, coerente, digna de bons gestores públicos”. Mas “não é o caso do Paraná, que tenta, a qualquer custo, dar lucro para financiadores de campanha e amigos do governador, do que de fato investir no que realmente importa; o desenvolvimento das pessoas”, finaliza.
“Li o projeto e me assustei com as inúmeras brechas e, para evitar, no futuro, cobrança de mensalidade dos alunos das escolas estaduais, vou protocolar uma emenda vedando essa possibilidade. Quero que essa cláusula esteja escrita de forma clara no texto da lei, para evitar qualquer cobrança”, destaca Arilson.
De acordo com o parlamentar, o PL 345/2024 também apresenta várias ilegalidades, como ausência de estimativa de impacto orçamentário. “Além disso, a Constituição Federal e a LDB proíbem a gestão de instituições da rede pública estadual de ensino por pessoas jurídicas de direito privado, entre outros pontos”, pontua.
RATINHO ATUA PARA O MERCADO
“O governador já teve a audácia de enviar o projeto em regime de urgência, para impedir a discussão com os professores, servidores da rede pública de ensino e com os pais e a mobilização. A educação pública, gratuita e de qualidade é um direito constitucional e um dever da administração pública, mas no Paraná, o que se vê é um governador que trabalha não para atender os interesses públicos, mas do setor privado”, critica Arilson.
“Na ânsia de atender os investidores privados, ignora a Constituição de 1988, ignora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990; e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. Infelizmente, o governador Ratinho, com esse projeto que deveria ser chamado de inimigo da escola, e não parceiro, colocou à venda a educação do Paraná”, avalia. Esse projeto é, do início ao fim, perverso”, considera o parlamentar.