O Banco Central sobe a Selic e diz ao mercado que o governo é “gastão”. Depois alega, por conta disso, que não pode reduzir a projeção dos juros. O “mercado” entende o recado e aumenta o juro de longo prazo, explica o economista
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, voltou a afirmar que o BC não é responsável pela alta da taxa de juros no País. Segundo ele, o alto juro real de longo prazo não tem nada a ver com a instituição monetária – que é quem determina o custo do dinheiro do país.
O chefe do BC disse que “a gente precisa entender que temos um tema de causa e consequência. O Banco Central determina a taxa de um dia (Selic). E se a gente determinar a taxa de um dia sem credibilidade, o juro real longo vai subir”. O “argumento” tenta convencer que a causa dos juros altos são as questões da política fiscal do governo que impediriam uma redução maior da Selic.
Os juros dos títulos de longo prazo emitidos pelo Tesouro, que servem de referência às demais taxas praticadas no mercado financeiro, superam a casa do 6% ao ano de retorno real (quando descontada a inflação).
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), contesta a afirmação de Campos Neto. “Podemos dizer que o Banco Central, por seu forward guidance (orientação futura), produz como resultado juros longos altos”.
“Esse discurso do [governo gastão] é o próprio Banco Central que coloca na cabeça do mercado. Quer dizer, o Banco Central, que é a instituição que fixa os juros, diz que, por conta do comportamento do governo, ele não pode reduzir os juros. Não importa o comportamento da inflação. Há uma dissonância entre o que o Banco Central é suposto fazer – que é manter a inflação na meta (e a inflação está na meta!) – e o que ele faz. Esse é o problema”, criticou o economista, ao destacar que o “juro real alto vai desestimular o investimento produtivo” no país.
A formação da política fiscal, assim como o andamento dela, não é de responsabilidade do Banco Central – mas do Ministério da Fazenda. No entanto, diferente do que fez no governo de Bolsonaro – que o colocou no comando do BC -, Campos Neto constantemente dá pitacos, sinalizações etc. na mídia sobre o tema (sempre com base nos desejos corporativos do sistema financeiro), gerando ruído no mercado.
As falas de Campos Neto ou sinalizações da autoridade monetária (em comunicados e atas do Copom) sobre o tema fiscal acabam interferindo nas expectativas e decisões dos agentes financeiros, como ilustra Oreiro, a seguir.
O economista explicou que “a taxa de juros longa é uma média (harmônica) entre o valor atual da Selic e as expectativas formadas hoje a respeito do valor da Selic ao longo de uma sucessão de anos”. disse. “Deve se somar um prêmio de liquidez que a taxa longa deve pagar sobre a curta, mas como no Brasil o mercado de títulos públicos é muito líquido, essa taxa é pequena”, comentou.
Assim, segue o economista, “a taxa de 10 anos é a média (harmônica) entre o valor corrente da Selic (2024) e as expectativas do mercado para o valor da Selic entre 2025 e 2034”. “Como a Selic é sempre uma taxa fixada pelo Banco Central, então as expectativas do mercado são, na verdade, expectativas sobre o comportamento futuro do Banco Central”, explicou.
Em outras palavras, o BC ao afirmar que o governo não deve reduzir o déficit e propõe, diante disto, que não será possível reduzir a Selic, “o mercado agindo racionalmente”, esclarece Oreiro, “com base na informação dada pela instituição – que tem o poder de fato para fixar os juros – vai vincular suas expectativas de juro futuro à evolução provável das contas do governo”, argumentou.
“Então, temos uma profecia autorrealizável: o BC sinaliza que vai manter os juros altos por causa da política fiscal, o mercado processa essa informação e, como resultado, os juros de longo prazo sobem”, esclarece Oreiro.
“Podemos dizer que o Banco Central, por seu ‘forward guidance’ [orientação futura, no linguajar dos economistas] produz como resultado os juros longos altos “, completou Oreiro, que lançará em dezembro deste ano o seu livro “Macroeconomia Monetária: Emprego, Moeda e Taxa de Juros”, pela Editora Alta Books.
ANTONIO ROSA