Pela proposta, as vítimas de estupro – na maioria crianças – não podem interromper a gravidez e, caso o façam, pegarão 20 anos de prisão. Já os estupradores seguem com 8 anos de reclusão
A bancada bolsonarista pressionou e conseguiu aprovar nesta quarta-feira (12) a urgência para a votação do PL 1904/24, projeto que criminaliza o aborto de vítimas de estupro. O texto equipara o aborto – mesmo nos casos de estupro – a homicídio quando realizado após a 22ª semana.
Atualmente o Código Penal brasileiro garante que as mulheres que foram vítimas de estupro tenham o direito de interromper a gestação. A autorização legal se estende aos casos de risco à vida da mãe e anencefalia fetal. Os demais casos de aborto são considerados ilegais. O que os bolsonaristas pretendem é que, mesmo os abortos nos casos de estupro, sejam considerados crimes, se forem realizados em gravidez acima de 22 semanas.
O caráter “pró estuprador” e “anti-vítima” do projeto da bancada bolsonarista fica evidente quando eles definem uma pena de até 20 anos de prisão para a vítima de estupro enquanto o estuprador pegaria no máximo 8 anos de prisão e, em caso de estupro de vulnerável, chegaria no máximo a 15 anos. Parece mesmo é que esses bolsonaristas adotam o raciocínio dos pedófilos, que culpam suas vítimas por terem, elas próprias, “provocado o crime”.
O texto, que eles estão apressados para votar, equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, independente da mulher ser vítima de estupro ou não. E também criminaliza o procedimento em casos de risco de morte para a mãe. Hoje, o Código Penal brasileiro determina que uma mulher que provoque a interrupção da gestação em si mesma ou consinta para que outro o faça podem ser sentenciadas de 1 a 3 anos de detenção.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que para casos de anencefalia fetal, gravidez resultante de aborto e risco de vida para a mãe não há limite de tempo para o procedimento.
De acordo com o Anuário da Segurança Pública, no ano de 2022 foi registrado o maior número de estupros e estupros de vulnerável da história, com 74.930 vítimas. Destas, 6 em cada 10 vítimas são crianças com idade entre 0 e 13 anos, que são vítimas de familiares e outros conhecidos. São essas crianças que o bolsonarismo quer que passem o resto da vida presas enquanto os estupradores seguem cometendo crimes.
Segundo dados do DataSUS, 247.280 meninas de 10 a 14 anos foram mães no Brasil, entre 2012 e 2022. Estudos apontam ainda que 57% das vítimas eram negras e 68% dos estupros ocorreram dentro de casa. Outro dado revela a gravidade deste cenário: em 64% dos casos, os autores eram familiares das vítimas. Segundo o ministra Cida Gonçalves (Mulheres), “são essas meninas que mais precisam do serviço do aborto legal, e as que menos têm acesso a esse direito”.
Esta ofensiva dos bolsonaristas não está inserida numa discussão geral sobre o aborto. Não é uma discussão séria sobre o direito ou não de realização do aborto. A sociedade não esta sendo chamada para este debate. Não é isso que está em pauta. Tanto que eles querem passar a criminalização das vítimas de estupro, colocar as meninas na cadeia por 20 anos, às pressas, sem nenhuma discussão.
Pediram urgência na votação. Aliás, não só as meninas iriam para a cadeia, mas os profissionais que intervenham no processo. Eles só livram o estuprador.
Na segunda-feira (10), o presidente Lula orientou os integrantes do Governo a se posicionarem contra o projeto. “Consideramos que esses projetos de lei não deveriam estar nesse momento na pauta prioritária da Câmara”, detalhou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Entidades do movimento social criaram um manifesto contra o projeto de lei e lançaram o portal “CRIANÇA NÃO É MÃE” para pressionar os deputados federais a se posicionarem contra o projeto de lei. “Não podemos permitir que esse projeto avance! Precisamos mostrar para as lideranças e para o presidente da Câmara, Arthur Lira, que nossas vidas não são moeda de troca. Temos poucos dias pra encher os deputados com nossas mensagens”, destaca o grupo.
De acordo com o Ministério da Mulher, o avanço do PL na Câmara dos Deputados cria barreiras no acesso ao aborto legal e representa um retrocesso no direito da mulher e na segurança de meninas. “Não podemos revitimizar mais uma vez meninas e mulheres vítimas de um dos crimes mais cruéis contra as mulheres, que é o estupro, impondo ainda mais barreiras ao acesso ao aborto legal, como propõe o PL 1.904/2024. Criança não é para ser mãe, é para ter infância, é para ser criança, estar na escola”, conclui a nota da ministra.