Ministério Público do TCU quer investigação do esquema. Grupo de bancos fabrica “projeções” de alta de inflação e “desajustes fiscais” encomendados para justificar alta de juros pelo BC
O Brasil está preso numa camisa de força criada pelo Banco Central. Ele baseia sua taxa de juros em relatórios elaborados pelos bancos e suas consultorias, o chamado Boletim Focus. Os bancos não fazem outra coisa a não ser brigar por juros mais altos, porque é assim que eles engordam seus lucros bilionários.
ENGORDAR LUCROS
É um círculo vicioso tão estapafúrdio que está sendo denunciado até pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e questionado pelo Ministério Público do Tribunal de Contas da União. Lula disse na semana passada que, “quanto mais se paga de juros, mais falta para se investir em saúde, educação e obras de infraestrutura”. E o pior é que os diretores do BC indicados por Lula parecem concordar com a farsa.
Esse mecanismo do BC é completamente viciado. Ele só leva em consideração as expectativas de um grupo de bancos e não dá ouvidos a mais ninguém para definir as taxas de juros. Com os “dados” fabricados por este grupo de bancos, o BC se sente respaldado a garantir que os juros reais do Brasil sejam dos maiores do mundo.
Atualmente, o juro real no Brasil é o segundo maior do mundo, forçando o Tesouro a desembolsar anualmente centenas de bilhões de reais, que deixam de ser investidos no desenvolvimento do país. Só nos últimos 12 meses, até abril deste ano, o país foi sangrado em R$ 776 bilhões que saíram da sociedade e foram para os cofres dos bancos.
EXPECTATIVAS FABRICADAS
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, alega que o Relatório Focus é um instrumento para avaliar as expectativas. Pura balela. As únicas “expectativas” dos acionistas dos bancos que estão no esquema é aumentar os seus lucros. Eles, então, criam as “expectativas” que lhes interessam. E o mais grave é que são cerca de 100 bancos, mas, entre os participantes do relatório, a maior influência fica por conta dos bancos maiores e mais poderosos, boa parte deles estrangeiros. É um grupo ainda mais restrito chamado “Top-5”.
Ou seja, é uma elite dos cinco bancos que mais influenciam as decisões do BC e que, por coincidência, são os que mais acertam sobre o que vai acontecer nas decisões de Campos Neto e do Copom. Um exemplo desse esquema criminoso que segue asfixiando a economia do país é o que eles estão fazendo agora.
No Boletim Focus que saiu nesta segunda-feira (24), há uma projeção de alta de inflação. Não há alta de inflação nenhuma, mas inventam que há para pressionar por juros mais altos.
Sem nenhum rigor, eles apontam para um crescimento da inflação até o final do ano. “As projeções dos ‘economistas’ para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) continuam subindo”, diz o relatório dos bancos.
Eles prosseguem dizendo que “a expectativa para a inflação deste ano saiu de 3,96% para 3,98%”. Como se fosse possível, como ironiza o economista José Luiz Oreiro, da UnB, fazer previsões econômicas com duas casas decimais. Oreiro desmascara a farsa dizendo que isso “é impossível porque a economia não é uma ciência exata”.
INFLAÇÃO NA META
Mas, o plano deles é acenar com ameaças de alta inflacionária – mesmo que elas não existam – para justificar altas de juros. A meta de inflação é de 3% para 2024, com margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Quando não é a inflação, eles inventam crises fiscais e guerras em qualquer ponto do planeta para seguir pressionando pela alta dos juros e garantir seus superlucros.
Os bancos falam que suas “projeções” são de economistas. É uma forma de dar ar de seriedade ao esquema, mas eles escondem que são os “seus” economistas que fazem os relatórios que eles divulgam.
Desta vez eles tiveram que justificar a decisão absurda, tomada na reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), na semana passada, de manter a taxa Selic em 10,5%, enquanto a inflação está em menos de 4%, o que projeta um juro real de mais de 6,5%. Um taxa de juros reais proibitiva para o setor produtivo e para os consumidores.
INVESTIGAÇÃO DO MP DO TCU
O escândalo é tamanho que o subprocurador-geral do Ministério Público, Lucas Furtado, pediu uma investigação de uma possível manipulação nos indicadores do Boletim Focus.
Na representação, Furtado afirma estar muito preocupado com “o fato de tal relatório estar divulgando tais projeções do mercado fazendo uso de dados de entidades privadas e de grandes instituições financeiras”.
O procurador considera um possível “risco moral” por parte dos efeitos do Focus nas previsões, que deveriam ser elaboradas pela autoridade monetária. “Ora, se a taxa de juros básica que conduzirá relações financeiras no país é definida levando em consideração previsões dos próprios agentes que irão reger tais relações, vejo que se pode estar diante de uma gama de possibilidades de manipulação de índices por essas instituições”, diz um trecho do documento.
SÉRGIO CRUZ
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